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De acordo com Bourdieu (1999 apud CARVALHO, 2004) o gênero é uma construção social, histórica e cultural que se baseia nas diferenças sexuais, onde há uma relação de poder que envolve uma oposição entre masculinidade e feminilidade, que são por sua vez representações que variam conforme a classe social, religião, etnia e região. Constituindo num processo educacional, a relação de dominação entre os sujeitos molda as identidades de sexo e gênero. Nas palavras do próprio Bourdieu "Tendo apenas uma existência relacional, cada um dos dois gêneros é produto do trabalho de construção ao mesmo tempo teórica e prática, que é necessário a sua produção como corpo socialmente diferenciado do gênero oposto…" (2012, p. 34).

Nas relações de gênero, o poder, a força e o sucesso se caracterizam com atributos dos homens, resultando em condutas que predispõem aos cuidados.

Assim, Bertoline e Simonetti afirmam que:

―Há diversas representações e estereótipos relacionados aos gêneros, tais como: homens são mais fortes"; "o corpo feminino tem particularidades que demandam mais cuidados‖; "mulheres são naturalmente cuidadoras". Assim sendo, a invisibilidade do gênero masculino é produzida por meio de uma expectativa dos profissionais de que homens não cuidam nem de si nem de outras pessoas e, portanto, não procuram os serviços ou o fazem de formas menos autênticas. (2014, p. 723).

Conforme Brunner e Suddarth (2009), nesses modelos de masculinidade idealizada estão presentes as noções de invulnerabilidade e de comportamento de risco como valores da cultura masculina e a idéia de uma sexualidade instintiva e, portanto, incontrolável. ―O cuidar ainda é visto e entendido como tarefa essencialmente feminina, pois desde cedo as mulheres são educadas para desempenhar e responsabilizar-se por este papel‖ (POZZATI et al., 2013, p. 543). O ato de cuidar é atribuído ao sexo feminino fazendo com que os homens deixem de lado a sua própria saúde, assim, ―As questões de gênero influenciam na conduta e nos hábitos de vida masculinos, produzindo não apenas modos de vida e sim também maneiras de adoecer e morrer‖ (id, ibid.), fortalecendo a desvalorização do autocuidado e a exposição aos riscos à saúde.

Há uma exigência, socialmente construída, de que o homem seja física e psicologicamente forte, resultando em uma figura que rejeita cuidar de si, adiando ou negando tratamentos preventivos e de promoção e de proteção da saúde. Neste sentido, verifica-se que o processo de adoecimento torna-se de difícil aceitação e, embora se possa até reconhecer a importância da prevenção para a saúde em geral, não há a adoção, na prática, de tais comportamentos, nem tampouco há a busca, para fins preventivos, dos serviços de saúde, o que determina que riscos e doenças, quando existentes, sejam de difícil detecção e tratamento pelos profissionais (SILVA et al., 2012, p. 563).

Diante disso, as barreiras institucionais e socioculturais, cuja finalidade é resguardar a prevenção e a promoção como aspectos necessários e fundamentais de intervenção, têm sido considerados importantes para a conjectura estratégica de medidas, visando à promoção ao acesso dos homens aos serviços de atenção primária.

Para Gomes (2003) homens e mulheres carecem ser vistos em sua singularidade tanto quanto em sua diversidade no âmbito das relações que se constituem. Tendo em vista que, dada a devida importância às questões de prevenção e da promoção a saúde do homem, essa ação não fica restringida à saúde masculina. Por conseguinte, a saúde da mulher tem ganhos em temas que só avançam na medida em que se consegue a participação masculina segundo (SCHRAIBER, et al 2005).

Porém, segundo Gomes (2003) a resistência masculina quanto à prevenção ainda é patente, visto que, há muitos com pensamentos conservadores baseados em fatores decorrentes do estereótipo masculino, que são vistos pela sociedade como seres fortes e invulneráveis. Deste modo, os homens costumam dar menos atenção à saúde e realizam menos consultas medicas. Porém, como afirma Figueiredo (2004) quando há necessidade muitos optam por utilizar outros serviços de saúde, como farmácias ou pronto-atendimentos, pela agilidade no atendimento sem ter a necessidade da espera. Deste modo para Pozzati et al :

Um dos reflexos da procura por um atendimento rápido e emergencial e, às vezes, inadequado é o agravamento com possível cronicidade de muitas doenças que se tratadas precocemente poderiam ser evitadas. A duração média de dias de internação hospitalar é maior no sexo masculino, apontando como possível hipótese o fato de que, talvez, os homens seriam internados em serviços médicos especializados em fases mais avançadas da doença do que as mulheres, prolongando assim o seu tratamento [...] os fatores que levam à alta morbimortalidade masculina são decorrentes de hábitos e estilo de vida menos saudáveis. (2013, p.544)

Segundo Lemos et al. (2017) ―[...] homem busca pelos serviços de saúde em momentos de dor, padecendo, assim, de condições mais severas e crônicas de saúde[...]‖ (p. 4550). Em consequência da não procura por serviços preventivos, acarretam doenças muitas vezes incuráveis. Associadas a isso se encontram fortalecidas suas dificuldades de verbalizar as próprias necessidades de saúde, pois falar de seus problemas de saúde pode significar uma possível demonstração de fraqueza, de feminilização perante os outros (FIGUEIREDO, 2005). A respeito da vulnerabilidade segundo (FIGUEIREDO, 2005; PINHEIRO et al., 2002) e as altas taxas de morbimortalidade, os homens não buscam os serviços da atenção básica como as mulheres.

É notório que os serviços de saúde têm uma dificuldade em absorver a demanda apresentada pelos homens, isso decorre da má organização dos serviços, que não estimula o acesso do mesmo. Assim, são necessárias mudanças nas estratégias dos serviços de saúde e no enfoque relacionado ao gênero masculino.

Segundos dados do IBGE de 2015 o Sistema de Informações sobre Mortalidade- SIM o índice de morte por parte da população masculina é bem maior que o da população feminina. Destacam-se vários tipos de agravos, dentre os quais os mais incisivos são os externos (acidentes com transporte automobilístico, brigas e assassinatos, dentre outros). Por causas internas são as (doenças do aparelho circulatório, neoplasias (tumores), doenças do aparelho digestivo, e algumas doenças infecciosas e parasitárias.

Ao se estabelecer a discussão sobre o distanciamento que esse gênero masculino tem do cuidado com seu próprio corpo. Para este capítulo o trabalho traz algumas considerações acerca da questão da cultura patriarcal como um fator que perpassa a educação, valores compreendidos e repassados a nova geração. No entanto, a promoção da igualdade emana da inserção do homem no processo de desconstrução dos papeis de gênero. Entretanto ainda hoje se é vista as relações de gênero, associada ao poder. Pois dentro da medida que as relações existentes entre masculino e feminino são relações de forma desiguais, a mulher é mantida de forma subjugada ao homem e ao domínio patriarcal (COSTA, 2008).

Dentre as relações formadas entre masculinidade e juventude podem levar a práticas violentas, trazendo comprometimentos para a saúde dos homens jovens, tendo em vista que esses sujeitos, ao almejarem o status de ser homem, podem ser influenciados pelo modelo hegemônico de masculinidade, relacionado à dominação e ao ser forte (NASCIMENTO et al., 2009). Paralelamente, objetivando uma melhor compreensão do assunto, (Id. ibid.) trás em seu texto nesse sentido, que os jovens, para comprovarem ou serem aceitos como homens de ―verdade‖, para tanto, passam a dominar todos aqueles que julgam mais ―fracos‖ como, por exemplo, mulheres, e até outros homens podendo assim cair na sua própria armadilha, onde se expõem a riscos, comprometendo sua saúde e até mesmo sua própria e de outras pessoas. Nascimento et al. (2009) compreende que:

A partir dessa perspectiva, as consequências das relações masculinidade-violência-juventude para a saúde pública se expressam fortemente nos perfis de mortalidade por causas externas, trazendo não só custos para o Estado como também desafios a serem enfrentados frente a um problema tão complexo e multifacetado (p. 1156).

Subtende-se a importância em considerar elementos relativos às práticas e comportamentos não saudáveis adotados pelos homens a partir de uma perspectiva de gênero que considere as dimensões de iniqüidade social e poder, na medida em que essas são manifestações visando demonstrar padrões hegemônicos de masculinidade reconhecidos como característicos do ser homem, como viril, forte, invulnerável e provedor. Nesse sentido segundo Machin et al. (2005) o gênero, é de certo modo o princípio ordenador do pensamento e da ação no qual estabelece atributos culturais aos sexos desde uma perspectiva relacional desde outrora.

Assim, em cada nível, apesar dos efeitos de uma superseleção, a igualdade formal entre os homens e as mulheres tende a dissimular que, sendo as coisas em tudo iguais, as mulheres ocupam sempre as posições menos favorecidas. Por exemplo, sendo embora verdade que as mulheres estão cada vez mais representadas em funções públicas, são sempre as posições mais baixas e mais precárias que lhes são reservadas (elas são particularmente numerosas entre as não tituladas e os agentes de tempo parcial, e, na administração local, por exemplo, vêem ser-lhes atribuídas posições subalternas e ancilares, de assistência e cuidados — mulheres da limpeza, merendeiras, crecheiras etc.) (BOURDIEU, 2012, p.110, )

Para tanto, Machin et al.(2005) ainda pontua que ambos os sexos tanto masculino como feminino são espaços simbólicos que constituem a identidade dos sujeitos onde são modificados hábitos comportamentais e até emocionais. No passar dos anos os homens se tornaram objeto de pesquisa em meio ao modelo ―patriarcal‖ atrelado a um modelo provedor, ativo sexualmente, dono do poder. Já a mulher é vista como ser cheia de emoções, vida associada ao modelo de reprodutora passiva e dependente sexualmente, pessoa obediente e do lar. Nesse conflito existente entre homem e mulher nas relações vividas socialmente, em ambiente domestico e coletivo o homem leva vantagens mediante aos valores dominantes na sociedade titulada individualista de total rivalidade monetária.

Durante séculos a reprodução da existência humana e o cuidado com os filhos foram reconhecidos como atividades relacionadas ao feminino, acabando por naturalizar essa relação. [...] Ainda que tenha

havido um progressivo acúmulo de reflexões no âmbito da promoção da saúde sob uma perspectiva de gênero, o cuidar de si, no sentido da saúde, e também o cuidado dos outros continuam ausentes do processo de socialização dos homens (MACHIN et al., 2005, p. 4509).

Ainda no interior das explicações ancoradas na cultura, o homem em situação de usuário é visto de forma negativa por demonstrar pouca paciência na espera por atendimento em contraposição a postura feminina de ser paciente, onde denota seu domínio nas instruções prevalentes nesses espaços institucionais.

Segundo Gomes (2003) essa imagem masculina do ―ser forte‖ interfere em práticas de pouco cuidado com o próprio corpo, tornando o homem vulnerável a uma série de situações. O aspecto cultural é associado a um ser homem, que tende a reforçar um modelo de masculinidade idealizada (força, virilidade, objetividade, distanciamento emocional, comportamento de risco), em oposição ao ser mulher identificada com fragilidade e sensibilidade.

No que tange à saúde, os homens muitas vezes negam a existência de dor ou sofrimento, de vulnerabilidades, para reforçar a idéia de força do masculino demarcando a diferenciação com o feminino. O preconceito masculino associado à falta de informação e recursos são um dos fatores que impedem o acesso do homem as unidades de saúde. ―os homens têm dificuldade em reconhecer suas necessidades, cultivando o pensamento mágico que rejeita a possibilidade de adoecer‖ (BRASIL, 2008). Assim, homens revelam maior dificuldade de busca por assistência em saúde em razão de sua autopercepção de necessidades de cuidados e pela noção de que esta é uma tarefa do feminino.

Desde pequenos os homens são desafiados a provar sua masculinidade. Nunca relaxar para sempre ser considerado macho gera angústia, além de sentimento de inferioridade entre eles. Nesse sentido, Nascimento et al. (2009) observa que as discussões acerca das relações masculinidade, juventude, e violência devem se situar numa lógica complexa em que a violência é entendida como um fenômeno multifacetário e sócio-histórico, nutrida e modelada a partir de aspectos políticos, econômicos e culturais que se traduzem nas relações cotidianas entre os sujeitos e as instituições, sendo este um processo apreendido e internalizado.

4 O CAMINHO DA PESQUISA

Neste terceiro capítulo será demonstrado o caminho percorrido para realização da pesquisa e os resultados obtidos através dela. A fim de alcançar esse objetivo, trataremos de evidenciar o contexto da pesquisa social, qual seja, os homem da zona rural de Cruz das Almas- Embira. Nesse sentido, abordaremos os aspectos metodológicos da pesquisa, o instrumento utilizado para coleta de dados, isto é, a entrevista. E por fim, teceremos uma análise interpretativa dos dados, partindo da premissa que esses dados refletem uma dada realidade.

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