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Capítulo 1 Vergonha e Intenção Empreendedora

1.3 Descobrindo a marca do fracasso

1.4.4 Homeostase: reagir e equilibrar

É dado o crédito ao termo homeostase a Walter Bredford Cannon (Brown & Fee, 2002; Cannon, 1994) e considera-se próprio dos sistemas (Von Bertalanffy, 1975; Wiener, 1998). Utilizar-se-á o termo em consonância com a emoção da vergonha ― o mesmo raciocínio pode ser usado para o trauma ― neste ponto considerada como reguladora do equilíbrio orgânico.

Como já escrito, VER é basicamente um instrumento que o organismo utiliza para proteção do

self, porém, é possível que esse processo de autodefesa se desestabilize e provoque prejuízos

a própria pessoa. Parece contraditório, que uma emoção oriunda da evolução, utilize os mesmos mecanismos para reduzir seus efeitos e voltar ao equilíbrio. É deste procedimento que os parágrafos a seguir tratarão.

A atenção e processamento cognitivo estão voltados para o exterior e provocam comportamentos que minimizam situações reconhecidas como negativas, e age, por exemplo, exibindo qualidades desejáveis na tentativa de agradar aqueles que os cerca (Cunha et al., 2012). VER pode ser repelida por ocultação das fontes e esquivar-se de diálogos que incorram em temas não desejados. Culpar os outros ou encontrar um bode expiatório ajudam também a recuperar o controle do self (Tangney et al., 2007). Ações que envolvam o desprezo, rejeição, e ridicularização, com ou sem ajuda de outras emoções - como a raiva - são aplicados como forma de defender o status quo (Harper, 2011; Harper & Hoopes, 1990; Hejdenberg & Andrews, 2011).

Outras formas de voltar ao equilíbrio ― pelo menos momentâneo ― é o uso de substâncias e compulsão sexual. Estes comportamentos são utilizados para evitar os sentimentos mais fortes de vergonha (Harper, 2011). Outra postura de embate é desviar a sensação dolorosa para um novo sentido, por exemplo, a extrema dedicação ao trabalho (Elison, Lennon & Pulos, 2006);

mas, talvez, a tática mais comum de compensar ou voltar à estabilidade é fugir, esconder-se e consequentemente isolar-se das pessoas (Cunha et al., 2012; Goffman, 1988; Hooge et al., 2008; Smith & McElwee, 2011; Tangney, 1995; Tangney & Fischer, 1995; Tangney & Tracy, 2011; Wicker et al., 1983; Wicker, Payne & Morgan, 1999).

Outro autor que estudou as diversas maneiras de enfrentamento que as pessoas tendem a tomar, e que, de certa forma, crava o que foi redigido, foi Nathanson (1992), que as consolidou em quatro ações comportamentais:a) Retirar: compreendida como fuga ou ocultação diante de outras pessoas e/ou situações que motivem a lembrança do evento; b) Atacar a si mesmo: segue conceitos próximos a internalização e pode ser revertido ou associado à raiva e culpa; c) Atacar as pessoas causadoras da vergonha: visualiza-se através da raiva ou ridicularização, especialmente o fomento da culpa da situação a outrem; d) Evitar as situações: nega-se, distancia-se ou minimiza-se acontecimentos ou informações.

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Uma outra forma de enfrentamento não citada por Nathanson (1992) consiste na resiliência relacionada a vergonha (Bonanno, 2004). Talvez, não seja adequado trata-la como defrontação à vergonha, mas, sim, como ultrapassá-la, a tal ponto que sua importância seja minimizada. Resiliência é compreendida como a capacidade humana de suplantar problemas adversos, inclusive relacionados ao trauma. Além do tempo necessário para o retorno ao equilíbrio emocional, a resiliência difere do processo de recuperação pela não incidência de sintomas depressivos ou transtornos de estresse pós-traumático (TEPT) (Bonanno, 2004).

Nem todos lidam com a resiliência da mesma maneira ― algumas pessoas são incapazes de se recuperar ―, mas, a resiliência é mais comum do que parece (Bonanno, 2004). Destacam-se

crianças, que segundo as pesquisas de Maxtern (2001) demonstram alto grau de resiliência quando vivem em condições adversas. Como é de se esperar, o nível de resiliência sofre influências psicológicas (Allred & Smith, 1989; Taylor & Brown, 1988; Taylor, Kemeny, Reed, Bower & Gruenewald, 2000) ― sorrir pode ser um grande aliado ― (Keltner & Bonanno, 1997), familiares (Rutter, 1999) e ambientais (Werner, 2013), apesar dos efeitos do trauma se

aproximarem, como dito quanto à falência da empresa, aos sentimentos de luto (Bonanno, 2004).

Wicker, Paine e Morgan (1999) propõem uma direção de enfrentamento diferente das anteriores, em que a pessoa retorna ao equilíbrio desfazendo a situação que a provocou.

Na linha de pensamento indicada no parágrafo anterior, onde não se foge da situação inquietadora, mas enfrenta-a, Veciana (2007a) volta ao primeiro terço do século passado e indica a possibilidade de uso da Teoria Marginal (Park, 1928) para estudos do empreendedorismo.

Nesta abordagem os eventos podem ser interpretados como acontecimentos negativos ou positivos proporcionado encaminhamentos diferentes para a solução do conflito (Godberg, 1937; Green, 1928; LaFromboise et al., 1993).

A teoria marginal fundamentou-se estudar os conflitos de culturas em imigrantes nos Estados Unidos da América. Min (1984), entre outras abordagens, a utilizou como base teórica para explicar a ascenção econômica dos Coreanos, no mesmo país,através da criação de micro e pequenas empresas, em contraposição às desvantagens dos empregos tradicionais, especificamente quanto às dificuldades de adaptação linguística. Ao longo da história existiram vários episódios que favorecem a conceção da Teoria Marginal. A seguir, apresenta-se alguns acontecimentos históricos.

Brozen (1954) assinala um dos fatos que marcaram a ascenção do empreendedorismo na Inglaterra, ocorrido nos séculos XVII e XVIII, pela dificuldade que se impunha aos não anglicanos de integrarem os quadros sociais da época, pela ausência de precondições para galgar posições no clero, exército ou serviço civil.

Numa perspectiva mais próxima dos objetivos de tese, estudo de Weisberger (1992) sobre judeus alemães indicou que pessoas marginalizadas têm transversalidade diante das

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experiências em quatro formas de responder a ambivalência cultural a fim de construir e justificar suas posições: assimilação, equilíbrio, retorno e transcendência. Sinteticamente abordasse cada uma delas e apontamos que a última forma de se posicionar diante dos desafios diários é a que pode trazer benesses à análise e conclusões da tese.

A primeira maneira de se posicionar na sociedade é a assimilação, uma tentativa de se integrar a sociedade sem sacrificar as raízes culturais originais. O Equilíbrio “é de todas a mais solitária rota” (Weisberg, 1992, p. 439) representa a segunda das alternativas para se viver em uma sociedade. O Equilíbrio retrata a decisão para não resolver a ambivalência da marginalidade, mas a de respeitar e cumprir as regras, não importando a tensão pessoal e ansiedade.Utilizar- se do equilíbrio é estabilizar os dois mundos e constitui simultaneamente a rejeição e a aceitação dos campos de ambas as culturas. Rejeita-as, pois não há nenhuma cultura a se juntar e aceita- as porque não tenta se transformar a partir de si mesmo. A terceira estratégia da marginalidade é o “retorno ao judaísmo” (Weisberger, 1992, p. 440), percebe-se que a assimilação é uma ilusão (essa direção não é reconhecida por Park (1928). A quarta via é a transcendência: baseia-se nas duas culturas e propõe uma terceira forma para regular a vida. Para Weisberger (1992) o caminho intersecional entre duas culturas pode ser um trajeto adequado e cita representações de expressão como Karls Marx, Eduard Bernstein e Ferdinand Lassalle como a “gênese do socialismo germânico” (Weisberger, 1992, p. 442).

Em resumo as pessoas que vivem a marginalidade da sociedade, à luz da psicologia e da sociologia, podem interpretar os reveses sob a ótica negativa, mas existe a possibilidade real de se reinventar, internalizar as possíveis barreiras e sofrimentos, utilizando-os de forma positiva e proporcionar um fator de mudança (Godberg, 1937; Green, 1928; LaFromboise et al., 1993). A vergonha, assim como seu oposto, o orgulho, podem ter papeis educativos e estimuladores de comportamento. O primeiro como inibidor e o segundo como promulgador de ações socialmente aceitas (Fessler & Haley, 2003).

Assim, aspectos negativos e positivos do trauma e da vergonha da falência, além dos filtros interpretativos mencionados, recebem influência da cultura e do entendimento de moral. Passa- se agora, a compreender a cultura, a moral e a família e suas relações quanto ao objeto de estudo.

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