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Homilia do juízo final: 30 síntese biografia de José Sarney

No documento Mandonismo e cultura política pós-1985 (páginas 57-63)

2. A OCASIÃO PARA O PRÍNCIPE

2.3 Homilia do juízo final: 30 síntese biografia de José Sarney

Essa síntese bibliográfica31 aqui caracteriza Sarney no bojo da estrutura e da dinâmica da política brasileira, enquanto homem público. Portanto, visa evidenciar que a sua existência política, o espaço que ocupa também no âmbito nacional, não é um ato de exceção, mas tem sua sustentação graças a uma confluência e sintonia de interesses com as demais forças em operação na política brasileira. Isto é, expor que na sua trajetória política ele esteve no centro das articulações nacionais ao lado liderança políticas de diversos matizes e com elas estabeleceu relações estreitas em todos esses momentos. Desta forma pretende-se contribuir para combater o mito de que ele é uma invenção de si mesmo, um mirabolante ser capaz de qualquer coisa sem condicionantes históricos e sociais, sem condições ambientais e de conjuntura. Expressar que ele não é uma figura estranha, mas alguém em perfeita sintonia com o restante dos políticos brasileiros à frente do poder.

José de Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mais tarde José Sarney, nasceu na cidade de Pinheiro, Maranhão, no dia 24 de abril de 1930. Filho de Sarney de Araújo Costa e Kyola de Araújo Costa. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito do Maranhão (1953). Casado com Marly Macieira Sarney. Filhos: Roseana Sarney Murad, Fernando José Macieira Sarney e José Sarney Filho. Com o apoio de seu pai ingressou na política no grupo de Vitorino Freire, assumindo o cargo de assessor no governo Eugênio Barros, cuja eleição foi contestada sob acusação de fraude pelo movimento denominado Greve de 51. Em 1954 foi eleito como quarto suplente para deputado federal pelo PSD (Partido Social Democrata), assumiu a cadeira em 1956. Deputado federal, eleito para as legislaturas de 1958-62 e 1962-1966 pela UDN, após se distanciar do vitorinismo. Foi eleito, em 1965, para Governador do Estado do Maranhão mandato de 1966- 1970.

30 Título de um poema de José Sarney, em que ele se vê num diálogo com Deus. 31 Para uma biografia oficial de José Sarney confira-se Gutemberg (2001).

Senador eleito pelo Estado do Maranhão para as legislaturas de 1971- 1978 e 1979-1985. Vice-presidente da República, eleito em eleições indiretas, colégio eleitoral,em 15 de janeiro de 1985, na Chapa da Aliança Democrática (PMDB/PFL). Assumiu a Presidência da República interinamente de 15 de março a 21 de abril de 1985, pelo impedimento de Tancredo Neves que antes da posse necessitou ser internado, sendo submetido a intervenções cirúrgicas, que não deram resultados satisfatórios, o que culminou com sua morte. Com a morte de Tancredo Neves, José Sarney tornou-se efetivamente Presidente da República a partir de 21 de abril de 1985; seu mandato se estendeu até o ano de 1990.

Depois da Presidência da República foi eleito Senador da República pelo Estado do Amapá para a legislatura 1991-1998, sendo novamente eleito por esse Estado em 1998 para a legislatura 1999-2007. Foi Presidente do Senado Federal nas legislaturas de 1995-1997 e 2003-2005. Vice-líder da UDN (1959-1960). Vice- líder da Maioria (1961). Vice-presidente do Diretório Nacional da UDN (1961-1963). Presidente do Diretório Nacional da Arena (1979). Foi o líder no Senado do Governo Militar até 1984.

“José, cadê tuas mãos/Que enchi de estrelas32?”

A carreira do ex-presidente José Sarney enquanto homem público acumula diversas conquistas eleitorais, “sempre pelo voto” como ele gosta sempre de lembrar. Sem dúvidas, um personagem inscrito na História Política do Brasil. Dois mandatos de deputado federal, governador de estado, quatro mandados de senador (dois pelo Maranhão e dois pelo Amapá), Presidência do Senado (por duas vezes) e a Presidência da República, não podem ser desconsiderados seus méritos enquanto conquistador e mantedor de poder. Soma-se a isso seu desempenho como escritor e poeta. Encontram-se no verbete Sarney, do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHBB), produzido e publicado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) os seguintes registros:

Além dos cargos públicos que ocupou, foi também professor da Faculdade de Administração do Maranhão, professor honoris causa da Faculdade de

Economia da Universidade do Maranhão, professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade Católica do Maranhão, membro do conselho administrativo da Fundação Cultural de Brasília, presidente da Academia Brasiliense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Academia Maranhense de Letras, assim como do Diretório Regional de Geografia e Estatística. Foi, ainda, redator de O Imparcial, jornal editado na capital maranhense, e colaborador das revistas

Realidade, Senhor, O Cruzeiro e Manchete.

Apesar da confiabilidade de que gozam os trabalhos do CPDOC, até o presente momento ainda não encontramos nenhuma pessoa que afirmasse ter sido aluno(a) de José Sarney na disciplina de Noções de Direito que teria ministrado na Faculdade Católica de Serviço Social (em 1957). Em igual situação para a disciplina Problemas Brasileiros da Faculdade de Administração do Maranhão.

Ao lado desse honroso currículo de títulos e condecorações encontra-se também uma lista considerável de denúncias e processos envolvendo a figura de José Sarney e seus familiares.

O primeiro caso relevante é o da fazenda Maguari.

Sarney depôs na CPI defendendo-se das acusações de Nunes Freire - que denunciara a situação irregular das terras da fazenda Maguari, pertencente ao senador - e, segundo o Jornal do Brasil, exibiu documentos demonstrando não possuir título algum de propriedade de terra no Maranhão, a não ser a propriedade da família, herdada do sogro, cuja documentação também apresentou. Entretanto, segundo dados do recadastramento geral do INCRA, de 1978, citados por Alfredo Wagner B. de Almeida, a fazenda Maguari, em Santa Luzia, apareceria registrada em nome de José Sarney, com uma área de 4.253 hectares. (Idem)

O retorno dos políticos civis ao comando político do país foi marcado por fortes tensões. O clima de abertura e a instauração de mecanismos de accountability, deu mais visibilidade ao jogo político e às ações dos agentes públicos. O governo Sarney, que inaugurava o retorno ao regime democrático, foi também o primeiro governo a estar sob ações de controle e responsabilidade mútua, sendo colocado sob suspeita pelo poder legislativo.

Durante exercício da Presidência da República, na Nova República, José Sarney teve de enfrentar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), que foi

instaurada para investigar corrupção33 no seu governo e cujo parecer do relator foi favorável à formulação do pedido de impeachment.

Ainda em janeiro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), motivada por informações sobre atos ilícitos do ministro do Planejamento, Aníbal Teixeira, lançou uma nota em que enunciava a corrupção no governo, afirmando que o Brasil vivia uma "crise moral".

No centro dos fatos estava Jorge Murad, ex-genro e secretário particular do presidente, acusado de intermediar verbas federais para o Maranhão. As denúncias contra Murad foram apuradas pela CPI instalada no Senado em 10 de fevereiro de 1988, - presidente: José Inácio Ferreira; vice, Itamar Franco; relator, Carlos Chiarelli34 - inicialmente para apurar as denúncias de corrupção contra o ministro do Planejamento, Aníbal Teixeira, demitido em janeiro de 1988 por força das denúncias. As investigações logo atingiram vários setores do governo, inclusive o presidente, que, inquirido pela CPI em junho de 1988, se recusou a responder às 40 perguntas que lhe foram feitas, alegando que o ofício não lhe fora entregue por meios adequados.

A CPI que se instaurou no Governo Sarney e as denúncias de corrupção e subornos vão inaugurar uma marca nesse novo ciclo político da nossa República. Pois a partir desse governo cada vez mais as CPI’s vão fazer parte da rotina do Congresso e dos noticiários que tratam dos crimes que elas investigam. Já temos dois grandes momentos dessa nova dinâmica que se instaurou na Política brasileira a partir da redemocratização: o impeachment de Fernando Collor e o Mensalão no Governo Lula. A pesar da publicidade e divulgação que se estabeleceu a partir daí, os mecanismos e os resultados apresentam falhas graves tanto na forma como na finalidade e eficiência.

Em 2 de novembro foram anunciadas no Senado as conclusões do trabalho do relator da CPI da corrupção no governo. De acordo com o relatório, que seria aprovado pela comissão em fins de novembro por nove votos a um, Sarney teria tido pleno conhecimento das irregularidades. Em seguida, o documento foi enviado ao Ministério Público, à Polícia Federal e ao Tribunal de Contas da União. Em 13 de dezembro, o presidente da CPI requereria ao presidente da Câmara, Ulisses Guimarães, o impeachment de Sarney e o seu enquadramento, com cinco ministros - José Reinaldo Tavares, João Batista de Abreu, Maílson da Nóbrega, Antônio Carlos Magalhães e Saulo Ramos -, por crimes de responsabilidade e que eles respondessem criminalmente, de acordo com o estabelecido na Constituição. (DHBB)

33 Para uma apreciação histórica das origens da corrupção no Brasil confira-se Zancanaro (1994).

Apesar do pedido de impeachment ter sido encaminhado acabou sendo arquivado pelo presidente da Câmara, recém eleito, Inocêncio de Oliveira no dia 22 de fevereiro de 1989. Sob alegação de falta de provas contra o presidente.

Em decorrência do arquivamento do pedido de impeachment foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) um mandado de segurança, tendo como autores os senadores que participaram da CPI. Novamente a resolução da questão se deu favorável a José Sarney. Por 5 a 4 dos votos o STF decidiu a favor do arquivamento. Essa dupla vitória de Sarney garantiu-lhe a continuidade do mandato, mas também evitou que o processo de transição mergulhasse num clima maior de tensão. Observa-se aí como ele não é um elemento isolado, mas se situa no âmbito de uma composição de forças que lhe garante continuidade política, como também tem contado com as situações conjunturais para realizar diversas manobras.

Coincidência ou não, Inocêncio de Oliveira até 2003 foi proprietário da fazenda Caraíbas no município de Dom Pedro (MA). Nos dias 19 e 27 de março de 2002 equipes de combate ao trabalho escravo35 encontraram indícios dessa prática criminosa nessa fazenda. Dando origem a um processo junto à Justiça do Trabalho36.

Um dos ministros citados pela CPI é José Reinaldo Tavares, que posteriormente seria vice-governador nos dois mandatos de Roseana Sarney e em seguida governador do Maranhão, em candidatura integralmente apoiada pela família Sarney. Outro nome citado pelo relator foi o de Jorge Murad, na época, na condição de ex-genro. Mais tarde voltaria à condição de genro, passando a ser o “o primeiro damo”, principal nome do governo de Roseana, ocupando uma super- gerência nos governos de Roseana. Foi também uns dos principais envolvidos no caso Lunus e da Usimar. Outro ponto controverso de José Sarney à frente da Presidência da República diz respeito à fixação da duração de seu mandato. Na legislação herdada do militares o mandato do presidente estava fixado em 06 anos. Por outro lado, setores que integravam a Aliança Democrática entendiam que o mandato deveria ser de 04 anos, e que isso era um compromisso da Aliança. Esse

35 Inspeção do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho.

36. Em 2002, o ex-procurador Geraldo Brindeiro havia arquivado o processo contra o deputado

federal. No dia 07 de fevereiro de 2006, o Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região (TRT-MA) condenou Inocêncio Oliveira por dano moral. O valor da indenização foi de R$ 530 mil (será pago ao Fundo de Amparo ao Trabalhador).

impasse foi resolvido a favor de José Sarney que pleiteava cinco anos de mandato. Essa tensão em torno da definição do seu mandato fez desencadear novas acusações contra seu governo.

A principal moeda de troca teria sido a concessão de canais de rádio e televisão. Segundo a Folha de S. Paulo (28/11/1993), os registros do Ministério das Comunicações revelam que, durante sua gestão, Sarney beneficiou amigos com concessões, procedimento justificado por um de seus filhos, Fernando: "É natural que se dê preferência aos amigos." Levantamento feito pela Federação Nacional dos Jornalistas e citado pela

Folha de S. Paulo (3/9/1995) demonstra que até março de 1979, data da

posse de Figueiredo, havia 1.483 emissoras de rádio e TV no Brasil. Durante o governo de Sarney, foram distribuídas 1.091 concessões, 257 no mês que antecedeu a promulgação da Constituição. Daquele total, 165 beneficiaram 91 parlamentares, 90% dos quais votariam a favor do mandato de cinco anos, mas também ganhariam concessões do governo ministros, governadores, jornalistas e funcionários da administração pública. (DHBB)

Ora, uma coisa é alguém querer corromper, outra é achar quem se corrompa; a troca de favores não existe sem partes que a possam celebrar, o total de pessoas que apoiaram os 5 anos de mandato supera o número de deputados da bancada maranhense e são oriundos dos diversos estados da federação. Isto mais uma vez mostra sua condição sinérgica com as demais forças políticas atuantes no plano nacional. Por outro lado, as outras partes contra os 5 anos não faziam isso de forma desinteressada; pode-se dizer que os 4 anos eram requeridos porque coincidiria com o fim dos trabalhos constituintes e seria um melhor momento para a candidatura de Ulysses Guimarães.

Após o término do exercício da Presidência da República, outras denúncias e suspeitas de corrupção envolveram nomes de parlamentares que há anos são seus aliados políticos no Maranhão, conforme encontramos no DHBB: “CPI que investigava denúncias de corrupção contra membros da Comissão de Orçamento da Câmara levantou indícios contra amigos - Alexandre Costa e Edson Lobão - e aliados - 15 pessoas entre 29 denunciados”.

Assim como nas outras situações essas denúncias não resultaram em nenhuma punição aos implicados. Por que elas não vingam? Por que nunca sofreram qualquer condenação? Essas apurações não foram feitas no âmbito local, no Maranhão, mas num espaço nacional, onde outras forças políticas atuam, mas que mesmo assim garantem sua inocência.

Em 1990, o então governador João Alberto transferiu para a entidade Fundação da Memória Republicana, que posteriormente passou a chamar-se Fundação José Sarney, pertencente ao Senador José Sarney, o Convento das Mercês. O prédio está tombado pelo Patrimônio Histórico da União desde 1974 e é uma propriedade do Estado do Maranhão, que o adquiriu em 1905, pelo valor de 04 contos de réis (conforme reportagem do No mínimo, do dia 04 de julho de 2005). Essa transferência é irregular, porque fere o decreto-lei de 1937, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas, que veta tal procedimento para bens tombados pela União para entidades de direito privado. A procuradora Carolina Mesquita deu entrada em uma ação civil pública pedindo a devolução do prédio ao patrimônio do Estado do Maranhão.

O Ministério Público estadual na época não se manifestou contra nem ao longo dos anos. Da mesma forma essa situação não encontrava contestação de nenhum outro poder. Já que a próprio estatuto, quanto ao seu conselho, não obedece ao requisito de uma fundação, ao centrar total poder na própria pessoa de José Sarney, que com seu voto ou veto pode alterar qualquer decisão.

No discurso posse de governador, proclamando-se a ruptura com “o atraso, com o nepotismo, com o caos, com o arcaico, com a politicagem e com a politiquice”, Sarney profetizava! Apesar de quatro décadas já se terem passado a sua profecia se mantém válida como bem têm demonstrado os indicadores referentes às condições socioeconômicas do Maranhão em 2005. Sua continuidade não se deve somente a fatores locais, mas é também alimentada pelos fatores externos, isto é, pela política nacional.

No documento Mandonismo e cultura política pós-1985 (páginas 57-63)