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O Poder da inércia

No documento Mandonismo e cultura política pós-1985 (páginas 63-68)

2. A OCASIÃO PARA O PRÍNCIPE

2.4 O Poder da inércia

O controle exercido pelos Sarney no Maranhão tem a seu favor o poder da inércia, porque tanto no contexto estadual como no nacional não há, no momento, elementos constituídos e substanciais para provocarem eficazmente seu término.

Como observado anteriormente, os grandes períodos de mandonismo no Maranhão só tiveram descontinuidade com impactos de amplitude nacional, portanto, mais exógenos que endógenos. Exemplificando: o fim do mandonismo de Benedito Leite - provocado pela Revolução de 30; o término das interventorias -

promovida pela queda do Estado Novo; a dissolução do vitorinismo - a ajuda deliberada e sistemática do regime instaurado pelo Golpe de 1964.

É indiscutível que o controle que a família Sarney tem sobre os meios de comunicação serve para se manter no controle do poder político e empresarial. Porém, por mais importantes e capazes que sejam tais meios de gerarem opiniões e estabelecerem versões aos fatos, eles não podem ser tomados como uma força absoluta, infalível e que não deixe margem à contestação.

Não podemos ignorar os seguintes fatos: a) existência de um significativo consentimento social por parte dos setores mais ricos e escolarizados, que vêem nesse tipo de controle político a defesa e o beneficiamento dos seus valores e interesses; b) que há um tipo de servidão voluntária constituída por diversos setores sociais médios e pobres que, mesmo não recebendo iguais ou significativos benefícios e ganhos em relação aos setores sociais mais ricos e influentes, servem de forma substancial à sustentação desse controle.

Há uma performance eleitoral que não se esgota pela explicação do uso da máquina estatal nem pelo poder econômico. Esse mandonismo tem uma margem significativa de apoio popular e que transcende ao mito da “ilha rebelde”.

Sondamos 30 eleitores em São Luís através de uma enquete (período de dezembro/2005 a fevereiro/2006), cuja questão era “o que significa José Sarney para você?”. O corte etário foi com idade superior a 30 anos, outro corte foi de domicílio eleitoral: só participaram eleitores da cidade de São Luís, convidados aleatoriamente. Além disso, demos participação eqüitativa quanto ao sexo, à escolaridade e à renda. As respostas foram agrupas em 03 itens: avaliação positiva, avaliação negativa e não sabe. A totalização revelou que José Sarney tem um significado positivo para 40% dos participantes. Aproximadamente 6,7% não sabem e para 53% dos participantes ele tem um significado negativo. Mesmo que seja só uma sondagem de pequeno porte, serve de indício para não se alimentar ilusões de que José Sarney está desprovido de base popular na capital maranhense. As sucessivas derrotas que o grupo Sarney tem sofrido na disputa pela prefeitura de São Luís não significam uma desaprovação eleitoral total do grupo no Maranhão. Tal fato pode ser verificado tanto legislativo municipal como no estadual, onde vários sarneístas declarados obtiveram êxito junto ao eleitorado de São Luís.

Esse mesmo trabalho e com a mesma metodologia foi realizado na cidade de Imperatriz, onde se obteve o seguinte resultado: significado positivo 35%,

significado negativo 60%, não sabem 05%. Observa-se que em Imperatriz a rejeição a José Sarney é bem maior do que em São Luís. A cidade também abriga um foco de separatismo, alimentado em grande parte por mandões locais que querem ascender a postos mais altos e vêem o Estado unido com um entrave às suas pretensões.

Entende-se que, nos últimos 40 anos, os setores sociais autodenominados de oposição (ao sarneísmo) no Maranhão (históricos) não conseguiram apresentar-se à sociedade maranhense, pelo menos de forma convincente, como um projeto de mudança e superação ao sarneísmo. Falta um discurso de futuro e propostas que se mostrem viáveis para melhorar a qualidade de vida da população. É notória a estagnação do discurso de ambos os lados. Como se fossem múltiplas bocas e só um discurso.

Oposição fã

A oposição, diante de sua incapacidade de superar tal dominação, recorre a um discurso pautado num hiperdimensionamento da prática de poder exercida pelo grupo Sarney, valorizando e exaltando a extremo as ações do senador José Sarney. O sentido seria que Sarney é muito ardiloso e astuto e não que a oposição seja incompetente na disputa que trava com ele. Na verdade, a maior parte da oposição é partícipe dessa cultura mandonista e em nada difere do sarneísmo; alimenta-se em boa medida dessa forma de dominação exercida, é fã desses gestos de poder e a reforçam ao compartilharem de práticas de atuação política igualmente mandonista.

As oposições que se formaram ao longo desses anos tiveram uma atuação de baixo resultado quanto ao controle e hegemonia estadual, tendo melhor desempenho somente na capital, São Luís. Nas demais cidades e nas de maior volume de voto o desempenho ainda é de regular para ruim. Em grande medida, os partidos de oposição ao sarneísmo concentram sua organização partidária nos cinco maiores colégios eleitorais: São Luís, Imperatriz, Caxias, Timon e Codó. Ao lado disso, há uma pressão de baixos resultados por parte dos movimentos sociais. A chamada sociedade civil organizada no Maranhão é composta, por um lado, de entidades e associações pouco orgânicas e muito aparelhadas. Por outro lado, as orgânicas, mas aparelhadas. Ou as orgânicas e estritamente corporativistas.

As primeiras são os ideais tipos da atrelagem da sociedade civil ao Estado e aos blocos partidários. As organizações desse tipo já nascem sob forte influência partidária ou governamental e são destinadas a colaborar no processo de conquista, de adesão política e captação de votos (muitas associações de moradores são criações de parlamentares em período eleitoral).

A segunda é o tipo que compreende alguns movimentos sociais de trabalhadores e trabalhadoras rurais e redes comunitárias urbanas, tem um enraizamento muito grande na comunidade e, em geral, nascem sob a forma de luta, reivindicação e defesa de direitos reais. Sua origem encontra-se diante da necessidade de se fortalecer frente a uma necessidade coletiva significativa, grave ameaça e/ou tomada de consciência e auto-valorização. Essa tem forte presença política e tendem seus adeptos a exercer maior pressão sobre parlamentares e governantes. Há uma vigilância e filtragem em relação aos apoios e adesões que recebem de governistas ou de algum partido.

A terceira é o ideal tipo de pouca participação política partidária e eleitoral, e sua adesão é circunstancial, conforme a possibilidade de satisfação de alguma necessidade urgente da corporação, sem fazer diferenciação entre os ideários partidários. Já as que são bem estruturadas e financeiramente independentes, em geral, buscam ficar distantes de qualquer vinculação político- partidária, ter perfil a-partidário e até “a-político”.

No Maranhão tem-se observado a predominância dos tipos 01 e 03. Para o sociólogo e cientista político Dr. José Ribamar Caldeira (em diálogo pessoal, em 2002, na biblioteca de sua residência) a sociedade civil maranhense como um todo ainda é muito dependente. Pouca coisa sobrevive longe dos favores dos padrinhos políticos e sem lhes prestar homenagens.

O resultado é que todas as forças que atuam no campo da disputa política no Maranhão não conseguiram, até o momento, efetivar ações eficientes para a prossecução de um projeto de substituição do controle político vigente. Nem desencadearam um processo cultural que alimentasse uma mentalidade contra mandonista. Um contra-ethos mandonista que, na prática, signifique um conjunto de ações que diferem do ethos mandonista. O fazer política é igual em todos os sentidos entre sarneístas e anti-sarneístas. Como notas de um mesmo arranjo.

No fundo não se nota nada de fundamentalmente diferente, tamanha é a força do ethos mandonista no Maranhão. Há um enraizamento cultural do

mandonismo tão grande que todas as demais esferas da vida social reproduzem seu teor. Tal fato resulta numa hierarquização social altamente verticalizada e a um conjunto de privilégios (e não direitos) que em nada lembra a universalização dos direitos, defendida pela tradição liberal.

É comum as posturas revestidas de um ar nobiliário, típico dos estamentos medievos (a História se repetindo como farsa): “Sabe com quem está falando?”, “Sabe de quem eu sou filho?” Não há um exercício de poder político que valorize a afirmação dos princípios de impessoalidade, formalidade como critério universais que possam sustentar igual tratamento e despersonalização. Muito menos alimenta uma cultura meritocrática que, em geral, é suprimida pelo grande mecanismo de clientelismo e nepotismo estatal: os cargos de confiança e os cargos comissionados.

Homogeneização e indiferenciação

Os grupos de anti-sarneísmo têm muito mais traços em comum com ele do que distintivos ou contrastantes. Não diferem substantivamente na forma de fazer política (disputa eleitoral) e de usar a máquina pública (de governar). Comum em partilhar da mesma forma de utilização da máquina pública e dos recursos de governos, a fim de formar clientelas e estabelecer favorecimentos de aliados, a contra pelo do exercício regular dos princípios da administração pública transparente. Isto torna todos esses grupos muito mais homogêneos do que heterogêneos ao sarneísmo.

Houve, na verdade, nos últimos anos, certo encolhimento de parte desse anti-sarneísmo no plano eleitoral. Esse encolhimento pode ser explicado por um revigoramento do sarneísmo, ocorrido por conta da chegada de José Sarney à Presidência da República em 1985 e depois pela eleição e reeleição de Roseana Sarney (sua filha) para governador do Maranhão, em 1994 e 1998.

Nos últimos dez anos (1995-2005), ao invés dos contrastes irem acentuando-se entre essas oposições e o bloco de sustentação do sarneísmo, deu- se exatamente o contrário. Cada vez mais os setores de oposição assumem a condição de forças anexadas ou assimiladas, causando uma indistinção no cenário político maranhense.

A fim de melhor explicitar o processo de homogeneização e indistinção e o encolhimento eleitoral de parte do anti-sarneísmo, será feita a exposição de alguns fatos .

1) Em 1985, o principal opositor do sarneísmo, Epitácio Cafeteira (na

No documento Mandonismo e cultura política pós-1985 (páginas 63-68)