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20 O nome mais importante é do Dr. Dean Hamer, do Instituto Nacional do Câncer dos EUA, cujo primeiro resultado foi publicado na revista Science de 1993.

Dentre tudo o que foi afirmado até este ponto, o mais importante e fundamental a se ressaltar é que, quanto à orientação homossexual, embora não haja total certeza sobre suas origens,

“é provavelmente o resultado de uma complexa interação de fatores ambientais, cognitivos e biológicos. Na maioria das pessoas, a orientação sexual se forma muito cedo, quando ainda criança [...] os seres humanos não escolhem se querem ser gays ou heterossexuais. A orientação sexual surge para a maioria das pessoas no início da adolescência sem que tenha havido qualquer experiência sexual anterior. Embora tenhamos a possibilidade de escolher se vamos demonstrar ou não os nossos sentimentos, os psicólogos não consideram que a orientação sexual seja uma opção consciente que possa ser modificada por um ato da vontade.”21 (grifou-se)

Assim, a homossexualidade não é doença, mas também não é uma opção do indivíduo, configurando uma característica inerente à sua natureza. Aliás, a sexualidade, de modo geral, é individual e pessoal, compondo um rol de elementos que particularizam e individualizam cada ser humano.

Portanto, o Direito não pode utilizar a homossexualidade como padrão discriminatório, por ser uma característica inerente ao indivíduo. Ao fazê-lo, infringe os princípios constitucionais da igualdade (artigo 5º, caput e inciso I) e da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), além do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de promover o bem de todos sem qualquer forma de preconceitos (art. 3º, IV).

Modernamente entende-se por direitos humanos como aqueles fundamentais e necessários ao exercício pelo homem de sua dignidade enquanto pessoa humana, devendo a sociedade política consagrar e criar meios de protegê-los e observá-los.

Sob a ótica da doutrina mais acertada sobre o tema,

“Uma das tendências marcantes do pensamento moderno é a convicção generalizada de que o verdadeiro fundamento de validade - do direito em geral e dos direitos humanos em particular - já não deve ser procurado na esfera sobrenatural da revelação religiosa, nem tampouco numa abstração metafísica - a natureza - como essência imutável de todos os entes no mundo. Se o direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento não é

21 Texto retirado do folheto “Orientação Sexual e Homossexualidade” da Associação Americana de Psicologia, traduzido por RAMIRES, Luiz e PICAZIO, Claudio. Disponível em: <www.glssite.net/academia/arquivos/orient_lula_picazio.doc>. Acesso em: 28/08/2007.

outro, senão o próprio homem, considerado em sua dignidade substancial de pessoa, diante da qual as especificações individuais e grupais são sempre secundárias.”22 (grifou-se) Como se observa, os Direitos Humanos abarcam todas as formas de proteção da pessoa humana, de sua personalidade, sua individualidade, defendendo sua dignidade e auto-estima, com o fito de proporcionar a cada indivíduo a convivência pacífica com os seus, em uma rede de mútuo respeito e tolerância advinda de uma noção de justiça, Direito e organização social.

O diploma legal que lança as bases de Direitos Humanos a serem observadas por todas as nações do mundo é a Resolução 237/1948 da ONU – Organização das Nações unidas, a consagrada Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. Este pacto traduz em seu bojo a responsabilização dos Estados por garantir a todas as pessoas que convivam em seus territórios o respeito, a liberdade, a vida, a igualdade e a segurança pessoal através de medidas como abolição da escravidão, não-discriminação, erradicação de preconceitos, vedação à tortura, condenação mediante juízo natural competente e investido de jurisdição, dentre outras medidas que protejam a integridade física, psíquica, cultural e social do homem. Tais princípios estão previstos no artigo 5º e incisos da CRFB.

Em sendo a homossexualidade característica inerente ao indivíduo, como são a raça, o sexo, o tipo físico, a herança cultural, etc., sua orientação homossexual independe de regulamentação jurídico-legal, desde que, obviamente, observe-se o decoro e os limites do aceitável, conseqüências lógicas de uma convivência em um Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, é a brilhante lição de Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

“É inquestionável que, à luz do texto constitucional de 1988, a orientação sexual da pessoa é atributo inerente de sua personalidade, merecendo respeito e acatamento por toda a sociedade, que deve ser livre, justa e solidária, preservando a dignidade da pessoa humana, independentemente de suas preferências ou opções sexuais. O afeto existe na maior parte das uniões homossexuais, é idêntico ao elemento psíquico e volitivo das uniões conjugais e companheiris, não há dúvida.”23 (grifou-se)

22 COMPARATO, Fábio Konder “Fundamento dos Direitos Humanos”, Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, p. 10 et. seq. Disponível em: <www.iea.usp.br/artigos>. Acesso em: 27/09/2007.

23 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da “A união civil entre pessoas do mesmo sexo”, in “Revista de Direito Privado”, Vol. II, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2000, p. 170.

Apesar do brilhantismo do pensamento acima esposado, este respeitável doutrinador, embora defenda que, em sendo a homossexualidade inerente ao ser humano e por haver o elemento afeto para unir as famílias homo e heteroafetivas, ambas seriam detentoras dos mesmos direitos, conclui suas considerações afirmando que entre os homossexuais não se pode falar juridicamente em família, porque sua homossexualidade não é

“considerada natural – ou normal (sic), somente sendo possível a sua prática entre um homem e uma mulher, permitindo inclusive a perpetuação da estirpe [...], há obstáculo a que outras práticas sexuais - ainda que presentes na realidade fática, possam ser consideradas justificadamente”24.

Os argumentos são inverossímeis e incoerentes, porque em sendo a homossexualidade semelhante à heterossexualidade, como o próprio autor reconheceu, não há que se falar em “diferenças”, “naturalidade” ou mesmo em “controle estatal das relações sexuais”. Repise-se, a Constituição não permite preconceito e discriminação, além das relações sexuais pertencerem à esfera da intimidade. O que se veda é exatamente a subversão dessa liberdade. A observância e o respeito à liberdade sexual são tão importantes para a configuração da dignidade da pessoa humana que o Código Penal a protege, notadamente entre os artigos 213 a 216-A.

Quanto à filiação e perpetuação da espécie humana, vale lembrar que a dinâmica constitucional consubstanciou o instituto da adoção como ficção jurídica através da qual menores tornam-se filhos dos adotantes, como se os laços de sangue existissem. Assim, uma família homoafetiva pode ter uma prole em conjunto através da adoção. Basta boa vontade dos operadores do Direito em reconhecer, legislar e regulamentar tal situação.

Há que se observar também o princípio da igualdade dentro dessa sistemática hermenêutica. A partir do momento em que se configura a homossexualidade como característica inerente ao indivíduo, esta não pode ser tida como padrão para que se confira ou não direitos aos cidadãos, sob pena de se infringir o princípio da isonomia, pois entre homossexuais e heterossexuais não há diferenças jurídico-axiológicas, posto que ambas orientações sexuais são

provenientes de um mesmo processo psíquico, cujas variáveis apontaram para um ou outro lado.

Em nosso ordenamento jurídico “o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas”25. O tratamento não-isonômico só se justifica quando há infração a princípio legal, tornando-se o transgressor desigual em relação aos indivíduos não infratores, justificando a aplicação de penalidades. Pode ocorrer também quando o padrão discriminatório visa à proteção de grupos notadamente hipossuficientes, como consumidores em negócios jurídicos com fornecedores, trabalhadores nas relações de emprego, crianças, adolescentes e idosos nas questões de família e proteção de seus direitos, entre outros, sendo aplicação pura e simples do princípio da equidade.

Então, dizer, por exemplo, que um consumidor é parte mais fraca em relação ao fornecedor e por isso em seu favor deve ser invertido o ônus da prova é perfeitamente aceitável, pois o Estado cria bases jurídicas para equalização desses dois grupos antagônicos e notadamente desproporcionais. Porém, concluir-se, como muitos teóricos o fazem, que um casal homoafetivo não pode viver em união estável ou que não pode adotar porque simplesmente sua orientação sexual é destinada a pessoas do mesmo sexo, configura-se preconceito e discriminação, pois, como já comprovado, a homossexualidade é característica inerente ao indivíduo, e utiliza-la como padrão discriminatório implica absurdo, inconstitucionalidade incomensuráveis e um ataque pungente às instituições jurídicas democráticas e de Direitos Humanos.

Se é verdade que os Direitos Humanos objetivam tutelar a dignidade da pessoa humana, em via indireta, protegem a felicidade, pois seu arsenal jurídico garante uma vida pacífica e segura do m,erro alvedrio do Estado e das outras pessoas.

Destarte, a liberdade para o exercício pleno e desimpedido da sexualidade é condição ínsita da natureza humana, merecedora da proteção jurídica em conjunto com seus outros bens imateriais tutelados pelo ordenamento, como o direito à diversidade, à privacidade, à igualdade, à individualidade e ao respeito.

Conforme José Carlos Teixeira Giorgis:

“A relação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação homossexual é direta, pois o respeito aos traços

constitutivos de cada um, sem depender da orientação sexual, é previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição, e o Estado Democrático de Direito promete aos indivíduos, muito mais que a abstenção de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais, a promoção positiva de suas liberdades.”26 (grifou-se)

Embora infindável a discussão sobre o que é e qual é a finalidade do Direito, aqui nos arriscamos em dizer que este decorre da eterna necessidade dos grupos humanos de se organizarem, como forma de se garantir uma convivência equilibrada. Tradicionalmente, porém, a História nos revela que sua aplicação sempre foi no sentido de reprimir organizações e/ou manifestações não previstas ou não aceitas juridicamente.

Ainda que a realidade contemporânea do Direito não tenha se afastado totalmente de suas origens, a evolução dos Direitos Humanos, notadamente os chamados da Quarta Geração, aponta no sentido que ordenamento jurídico tem por fim, ainda que ideal, a convivência igualitária, solidária e fraterna entre os homens.

Por isso, não seria completamente errado ou tolo afirmar que o humano tem como objetivo perseguir a felicidade. E, para sua efetivação, o Estado deve munir-se de todos os meios que garantam a vida, liberdade em todos os sentidos, proteção ao trabalho, dignidade da pessoa humana, vedação à discriminação e ao preconceito, proteção das famílias, dos menores e dos idosos, do meio-ambiente, respeito às diferenças, dentre outras.

Ou seja, a análise do direito de ser homossexual ou heterossexual é o mesmo que se falar em direito de ser homem ou mulher, no direito de ser branco ou negro, no direito ter essa ou aquela cor de olhos, de cabelos, certa altura e tipo físico: é o direito de ser respeitado por sua natureza.

Portanto, diante do exposto, não há diferenças de quaisquer naturezas entre indivíduos hetero e homossexuais, não podendo haver padrões de discriminação entre ambas classes por sua orientação sexual. Afinal, ter essa ou aquela orientação sexual está compreendida pela liberdade sexual, construindo direitos que compõem e configuram a dignidade da pessoa humana, não sendo esta um prêmio ou uma conquista, mas uma garantia constitucional.

Assim, às famílias homoafetivas também devem ser conferidos o direito à união estável, ao pacto antenupcial, à sucessão, a alimentos, à pensão por morte ou 26 GIORGIS, José Carlos Teixeira “A natureza jurídica da relação homoerótica” in Revista AJURIS, n.º 88, Tomo 1, Porto Alegre, 2002, p. 244.

invalidez permanente do companheiro, à adoção, dentre muitos outros, derrubando diferenças práticas entre as classes de famílias hetero ou homoafetivas.

3 DA ADOÇÃO

Após o estudo da família brasileira contemporânea, de suas características, de seus requisitos formadores e dos aspectos jurídicos que a envolvem, somada ao estudo multidisciplinar sobre a homossexualidade, passa-se a dissertar sobre o instituto da adoção para melhor entendimento do tema global do presente trabalho.

Verifica-se pelos capítulos anteriores que o ordenamento jurídico atual expurga, ao menos em tese, o preconceito e a discriminação injusta, tendo o Estado brasileiro como pilares a igualdade, a liberdade e a dignidade da pessoa humana.

Nesse ínterim, a Constituição de 1988 reconheceu as ditas famílias alternativas, promovendo profundas alterações na família convencional, constituída pelo casamento, relegando à legislação infraconstitucional sua regulamentação. Dentre essas modificações, buscar-se-á tratar neste capítulo daquelas atinentes à adoção, seu conceito, seus requisitos e seus efeitos.

A adoção é ficção jurídica através da qual o adotando torna-se filho do(s) adotante(s), surtindo todos os efeitos jurídicos decorrentes da filiação natural, razão pela qual este instituto também é conhecido como filiação civil.

Diferem-se a filiação civil da natural única e exclusivamente pela origem: enquanto aquela decorre de laços biogenéticos, gerando efeitos no mundo jurídico, esta constitui-se por sentença judicial. Entretanto, em ambos os casos estão presentes os requisitos de amor e de afeto para constituição da família, bem como são conferidos os mesmos direitos aos dois tipos de filhos, inexistindo qualquer diferenciação jurídica.

A adoção tem papel social importante e fundamental, pois busca proporcionar a menores abandonados a convivência saudável em uma família, bem como garantir-lhes efeitos sucessórios e alimentares a que não possuem acesso. Verifica- se, portanto, a presença da questão de ordem pública envolvendo o estudo em comento, razão pela qual há um controle estatal através do Poder Judiciário sobre a constituição do vínculo civil de filiação.

Entretanto, antes de adentrar no estudo da adoção sob a luz do atual ordenamento jurídico brasileiro, é interessante conhecer a evolução deste instituto através dos tempos e a modificação de seu significado e natureza jurídica.