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Capítulo 4. História da restauração ecológica, seus métodos e heranças

4.3. Exemplos históricos de outros países

4.3.1. Hong Kong

Apesar de situada em outro continente e com uma biota muito diferente da brasileira, a comparação entre esses países é interessante porque ambos foram colônias de países europeus

e, além disto, o clima subtropical úmido de Hong Kong se aproxima do clima em grande parte da porção litorânea das regiões sul e sudeste do Brasil.

A prática da silvicultura em Hong Kong teve início em 1871, com a contratação do britânico Charles Ford por recomendação de Joseph Hooker, diretor do Jardim Botânico Real de Kew e um dos mais importantes botânicos da Inglaterra no século XIX. Ford fora designado para assumir o comando dos jardins públicos e do plantio de árvores, tendo redigido uma série de relatórios sobre suas atividades (Corlett, 1999).

Embora muitas árvores, especialmente Ficus microcarpa, tenham sido plantadas ao longo de estradas e em jardins desde a fundação de Hong Kong como colônia britânica, a arborização de montanhas logo se tornou prioridade do departamento responsável, o “Government Gardens and Tree Planting Department”. A coleta de sementes e frutos em árvores matrizes se iniciou com equipes de homens munidos com “grandes cestas e longos ganchos de ferro” em incursões aos “vales mais protegidos da ilha” (Price, 1877, apud Corlett, 1999).

Inicialmente, Ford determinou a produção de mudas em viveiros, especialmente de Pinus nativos como o Pinus massoniana, por conta de sua alta capacidade de se estabelecer em lugares inóspitos para a maioria das espécies da região. Nos viveiros, as mudas cresciam por até um ano para então serem transplantadas com as raízes expostas (bare-rooted seedlings). Segundo Ford, estas atividades seguiram as práticas comuns, e provavelmente ancestrais, em regiões adjacentes da China continental, para depois serem gradualmente substituídas pela semeadura direta em covas preparadas. Corlett (1999) explica que o custo entre 20 e 25% menor da semeadura direta compensaria as altas taxas de perda das sementes. A dispersão de sementes, sem nenhum preparo prévio do solo além da queima da vegetação preexistente, também foi utilizada, apresentando bons resultados em alguns locais.

Alguns métodos utilizados se assemelham e outros se distanciam do que praticamos em restauração ecológica hoje no Brasil. São semelhantes, por exemplo, as tentativas de plantios com diversidade mediana (por volta de 20 espécies) de mudas arbóreas, nativas e exóticas. Também cultivadas em viveiros e plantadas com idades entre 12 e 24 meses, e mencionadas nos relatos de Ford com grande otimismo, este conjunto de árvores obteve desempenho muito abaixo do esperado. Por exemplo, a substituição Pinus massoniana por Cunninghamia lanceolata, muito mais valiosa, falhou, apesar de dez anos de tentativas.

Entretanto, mudas exóticas de Eucalyptus foram testadas ainda nas fases iniciais da empreitada, escolhidas por suas supostas propriedades antimaláricas. Experimentos anteriores com E. globulus haviam demonstrado desempenho muito abaixo do esperado, levando Ford a

importar sementes novas de Queensland, Austrália, onde o clima era similar ao da ilha chinesa. Das 14 espécies testadas, E. citriodora, E. robusta, foram empregadas nos plantios do século XX. Cinnamomum camphora foi a única espécie de interesse econômico que demonstrou relativo sucesso quando plantada em florestas de pinus já estabelecidas. Dentre as nativas, utilizando-se os mesmos métodos, foram utilizadas Lithocarpus harlandii, Quercus neglecta e Castanopsis fissa, mas apenas esta última foi plantada em maior escala.

Os plantios aqui descritos duraram por toda a fase inicial da arborização de Hong Kong, estendendo-se até o ano de 1900. Ao longo das fases seguintes, até 1997, muitas outras espécies foram incorporadas aos plantios. Outros métodos também foram incluídos após a Segunda Guerra mundial até 1965; por exemplo, a técnica anteriormente utilizada para a produção e plantio de mudas, com raízes expostas, foi progressivamente substituída pela utilização de latas reutilizáveis, tubetes e, finalmente, polietileno descartável. Além disso, foram realizados experimentos com fertilizantes e pesticidas químicos, cujo uso veio a se firmar nos anos subsequentes.

Embora os métodos utilizados em Hong Kong nas fases iniciais se distanciem das concepções atuais de restauração ecológica, os objetivos das políticas florestais da época faziam menção a diversos aspectos ambientais dos projetos. No período pós-guerra, por exemplo, tais objetivos foram explícitos: “a fim de controlar a erosão do solo e melhorar o abastecimento de água; para produzir sustentavelmente e com maior eficiência combustível e madeira; e para estimular as atividades florestais privadas”. Na fase seguinte, as premissas de controle da erosão continuaram, porém, “não apenas, mas particularmente, nas áreas de captação de água” e se juntaram a outras como a “conservação da vegetação e da vida selvagem” e “incentivar o uso recreativo das zonas rurais” (Corlett, 1999).

Poucas espécies plantadas em maior escala alcançaram uma alta sobrevivência das mudas. Três espécies de árvores nativas (Pinus massoniana, Schima superba e Castanopsis fissa) e sete exóticas (Acacia confusa, Lophostemon confertus, Pinus elliottii e quatro espécies de Eucalyptus) conseguiram se estabelecer em toda a ilha. Outras cinco espécies foram bem sucedidas em alguns locais (Casuarina equisetifolia, Cinnamomum camphora, Liquidambar formosana e Melaleuca quinquenervia) e duas espécies de Acacia demonstraram sua aptidão em áreas com alto grau de degradação. No total, 17 espécies permanecem amplamente distribuídas nos plantios realizados e Corlett (1999) compara este número às 149 espécies encontradas nas estradas e às 390 espécies nativas da ilha.

Apesar de estes dados de riqueza de espécies distanciarem as práticas realizadas em Hong Kong da concepção de restauração na maioria dos projetos brasileiros estudados nesta

tese, há, hoje, iniciativas experimentais aplicadas com baixa diversidade (1-3 espécies), pela Universidade Federal do Paraná no município de Antonina (PR) e também pela Universidade de São Paulo na Estação Experimental de Itatinga (SP), indicando a possibilidade de aplicação desta técnica para diminuição de custos e complexidade.

A utilização de espécies exóticas na ilha chinesa também difere da prática brasileira, e segue sendo pesquisada e empregada em restauração nos dias de hoje (Zhang et al., 2013), apesar de inconvenientes como a substituição de espécies nativas e vulnerabilidade a patógenos. Em contrapartida, Bridelia tomentosa, Ligustrum sinense, Macaranga tanarius, Celtis sinensis, Rhus succedanea, Mallotus apelta e Cinnamomum camphora, todas nativas, se tornaram dominantes ao longo do tempo, o que sugere dispersão espontânea facilitada a partir dos plantios iniciais.

Em suma, o histórico de Corlett (1999) sobre Hong Kong, em comparação, com o Brasil mostra que: [1] Os plantios iniciados ainda no século XVIII em Hong Kong tinham motivações paisagístico-urbanísticas e de proteção do solo, diferentemente do ocorrido na mesma época no Brasil, cujas intenções serão vistas adiante; [2] A restauração ecológica em Hong Kong baseou- se principalmente na utilização da espécie nativa Pinus massoniana, o que difere da prática brasileira de utilizar alta diversidade desde o princípio; [3] No Brasil, apesar de espécies exóticas como Eucalyptus terem sido utilizadas, em Hong Kong a mesma opção se deu pela alta adaptação e baixa mortalidade destas mudas. A motivação brasileira, além disto, visava o aproveitamento da madeira; [4] De maneira similar, ambos os países investiram na utilização de mudas arbóreas, mesmo em ecossistemas não-florestais, de fisionomias abertas. Corlett ainda menciona, de forma semelhante ao que expusemos no capítulo 3, que a “silvicultura em Hong Kong parece ter sido guiada mais pela crença fundamental na superioridade das florestas sobre outras vegetações do que por outros objetivos definidos” (Corlett, 1999). [5] Defensivos químicos passaram a ser utilizados na segunda metade do século XX nos dois países; [6] Também em ambos, os recipientes para plantio das mudas foram progressivamente ganhando inovações, indo de raízes nuas ao polietileno descartável, passando por latas retornáveis e tubetes plásticos. Além destes, no Brasil, por muitos anos, utilizaram-se pequenos cestos feitos de bambu enterrados junto com as mudas; [7] Há indícios da incorporação de práticas de silvicultura chinesa ancestral. No Brasil, a herança é mais diretamente portuguesa, mas há indícios, nos documentos investigados por este trabalho, da influência do conhecimento de outros países europeus como a Alemanha.