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1 ARETE E CATARSE: DOIS CONCEITOS PRESENTES NA FORMAÇÃO DO

2.1 SER HUMANO: SÍNTESE DAS RELAÇÕES HUMANAS

Falaram-me os homens em humanidade, Mas eu nunca vi homens nem vi humanidade.

Vi vários homens assombrosamente diferentes entre si. Cada um separado do outro por um espaço sem homens. (PESSOA apud LOPES, 1990, p. 336).

Newton Duarte (2013), em sua obra A individualidade para si: contribuição a uma teoria histórico-crítica da formação do indivíduo, afirma, com base na teoria marxiana, que a atividade vital corresponde àquela que toda espécie animal, inclusive o gênero humano, necessita executar a fim de existir e reproduzir a si própria. No caso do ser humano a atividade vital assume uma forma específica: o trabalho. Nesse caso, tal atividade, além de garantir a sobrevivência física dos indivíduos, garante a existência da sociedade, pois, como atesta Duarte, permite a reprodução do gênero humano cujas características são historicamente constituídas.

Duarte (2013) expõe que o trabalho possibilita que haja história, uma vez que assegura as condições materiais de existência do gênero humano produzindo a imprescindível base material da vida em sociedade e, consequentemente, configura a dinâmica basilar do processo histórico de desenvolvimento desse gênero – a relação entre objetivação e apropriação. “As características do gênero humano foram criadas e

desenvolvidas ao longo do processo histórico de apropriação da natureza pela atividade social e de objetivação dos seres humanos na natureza transformada”. (DUARTE, 2013, p. 37).

O trabalho, portanto, é a atividade através da qual o homem domina as forças naturais, humaniza a natureza e a si mesmo. “O trabalho é a atividade pela qual o ser humano [...] transforma o mundo e se transforma”. (KONDER, 2002, p. 35). É importante esclarecermos aqui que nesse primeiro momento estamos tratando do conceito fundamental de trabalho, ou seja, da atividade que, segundo Heller (1987), produz valor de uso e não valor de troca como ocorre na sociedade capitalista. Esta última concepção será abordada adiante quando analisaremos o conceito de alienação e seus efeitos no processo de humanização do ser humano.

Segundo Duarte (2013), a categoria de objetivação é o processo por meio do qual a atividade do sujeito se converte em propriedades do objeto, o qual pode ser material ou não material. O processo de objetivação cria o mundo dos objetos humanos, ou seja, redunda em produtos sociais. Esse autor conceitua também a categoria de apropriação e sustenta que esta é o processo inverso do de objetivação, isto é, diz respeito à transferência, para o sujeito, da atividade encerrada no objeto. A relação entre objetivação e apropriação, segundo Duarte, resulta, como já dissemos, no desenvolvimento histórico-social do gênero humano, na formação do indivíduo, portanto, na sua humanização.

O trabalho, portanto, é a categoria fundante das objetivações, pois permite que o homem produza os meios capazes de satisfazer suas necessidades de sobrevivência e, a partir dessa satisfação, desenvolver historicamente a sociedade. Dessa forma, o ser humano, a fim de saciar suas necessidades, origina uma realidade humana, fato que denota tanto a transformação da natureza exterior quanto a do homem. Duarte (2013, p. 26)esclarece o que significa a criação de uma realidade humana:

O ser humano, ao produzir os meios para a satisfação de suas necessidades básicas de existência, ao produzir uma realidade humanizada pela sua atividade, humaniza a si próprio, posto que a transformação objetiva é acompanhada da transformação subjetiva.

Para Duarte, então, o trabalho gera uma realidade humanizada tanto objetiva quanto subjetivamente, uma vez que o homem objetiva-se nos produtos do trabalho transformando a si mesmo ao se apropriar da natureza transformando-a em meios

empregados na atividade produtiva. Entretanto, o suprimento das carências nunca se esgota, isto é, os processos de objetivação e apropriação fazem surgir sempre novas necessidades e forças humanas, consequentemente, novas atividades. Eis aí um processo infindável, eis aí a história como transformação constante da natureza humana.

Portanto, a atividade humana, cuja especificidade é a relação entre objetivação e apropriação, produz os instrumentos de satisfação das necessidades humanas. Geram-se, por meio dessa produção, necessidades humanas qualitativamente novas, o que nos revela a historicidade dessa atividade, e, consequentemente, do desenvolvimento humano, da humanização da natureza e do próprio gênero humano.

Se a atividade humana é histórica e, como já dissemos, gera as características do gênero humano, concluímos obviamente que tais características não são transmitidas biologicamente aos homens, o que implica a necessidade destes de se apropriarem da significação social dessa objetivação para que possam se introduzir no seguimento da história das gerações, pois, como atesta Duarte (2013, p. 37) “o indivíduo precisa se inserir na história para se objetivar como ser humano”. Tomando como base a nossa interpretação das palavras de um dos heterônimos de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, concluímos que os homens têm a necessidade de se apropriarem da humanização do gênero humanopara que “ao falarem em humanidade, vejam nos homens a humanidade e não homens assombrosamente diferentes entre si, separados por um espaço sem homens”. (PESSOA apud LOPES, 1990, p. 336).

A atividade humana edifica, pois, as objetivações, nas quais está acumulada experiência histórica de muitas gerações e, assim, o indivíduo precisa se relacionar com a história social apropriando-se de objetivações. A atividade humana engendra a humanização do indivíduo, ou seja, a sua formação, a qual, segundo Duarte (2013), se dá como relação entre os processos de apropriação das forças essenciais humanas, geradas social e historicamente, e de objetivação mediada por tais forças.

Não podemos deixar de dizer que, como alerta Duarte (2013, p. 105), as condições sociais podem funcionar como barreiras inibidoras e repressoras do desenvolvimento e da expressão do ser “autêntico” do indivíduo quando a formação da individualidade humana se realiza por meio de relações sociais de dominação, ou seja, pela alienação, como é o caso, sobretudo, da sociedade capitalista.

Então, com base nos estudos de Duarte (2013), podemos concluir que a apropriação pelo indivíduo do mundo das objetivações do gênero humano, isto é, de uma socialidade concreta não possibilita necessariamente sua plena objetivação como

ser genérico, apesar de a forma concreta de existência da genericidade ser a socialidade. Tal fato ocorre porque, como já dissemos, a relação entre o indivíduo e o gênero humano se efetiva no interior de determinadas relações sociais e, sendo assim, a objetivação do gênero humano se dá em meio à história da luta de classes, o que faz com que grande parte da humanidade se realize limitadamente, isto é, abaixo do nível de desenvolvimento alcançado pelo gênero humano.

Estamos diante de um processo de alienação quando os indivíduos são impedidos de se apropriarem das forças essenciais humanas, isto é, daquelas que distinguem o homem das outras partes da natureza. Criam-se barreiras à apropriação, pelos indivíduos, da riqueza material e intelectual produzida socialmente e incorporada ao ser do gênero humano, limitando-se enormemente as possibilidades de desenvolvimento dos seres humanos.