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CAPÍTULO I A POSSIBILIDADE DO PENSAMENTO IMPLÍCITO

2. Teorias do conhecimento que não admitem a hipótese do pensamento implícito

2.3. Hume

Hume é, de todos os filósofos que estudámos, aquele que parte de um ponto de vista menos expectável ou mais original. Para ele, a filosofia ou a ciência não é tanto a busca da verdade, da felicidade, de certezas, da compreensão da realidade, mas, antes de mais, o estudo da natureza humana. Ora, este ponto de partida vai pré-estabelecer o método de Hume, pois, diz ele, para estudar o Homem não há outro caminho se não o da experiência. Assim, o filósofo será, de todos os empiristas britânicos, aquele que vai levar mais longe e até às últimas consequências o empirismo.

Em química ou biologia o método experimental é facilmente aplicável. Contudo, quando se trata do ser humano o caso é diferente, pois não se pode observar a mente humana de fora. Assim, diz Hume, devemos contentar-nos com os dados que se conseguem extrair da experiência comum e da introspecção analítica que o homem é capaz de exercer sobre a sua “psyche”49. Segundo o nosso autor, o homem pode ser visto conforme se considera ter nascido para a acção ou nascido para pensar. Para provar que o homem nasceu para a acção e então estabelecer uma ciência do estudo da natureza humana em firmes alicerces, é necessário, diz Hume, começar por estabelecer as capacidades e os limites da mente humana. Assim, de facto, o ponto de partida da epistemologia deste filósofo é a descoberta dos princípios que regulam o conhecimento humano e a compreensão da extensão desse mesmo conhecimento.

Para Hume, as percepções humanas dividem-se em impressões, que são as

49 «His point is that the experimental method which has been applied with such success in natural science

should be applied also in the study of men. That is to say, we ought to start with a close observation of man’s psychological processes and his moral behavior and endeavor to ascertain their principles and causes. We cannot, indeed, make experiments in this field in precisely the same way that we can in, for example, chemistry. We have to content with the data as they are given to us in introspection and in observation of human life and conduct», F. COPLESTON, A History of Philosophy, Hobbes to Hume, Vol. V, London, Search Press, 1976, 261.

44 representações obtidas quando percepcionamos qualquer realidade física, e em ideias, que são as imagens mais fracas que nos ficam, de antigas impressões e ideias. Existe, pois, uma clara relação entre impressões e ideias50. O filósofo distingue também as percepções simples das complexas. As percepções simples são compostas pelas impressões e ideias simples, por exemplo, a cor encarnada. As percepções complexas são compostas pelas impressões e ideias complexas, por exemplo, a impressão da cidade de Lisboa e a ideia da cidade de Lisboa. Como é evidente, a cada ideia complexa pode não corresponder uma impressão complexa; por exemplo, à ideia de unicórnio não corresponde nenhuma impressão complexa. No entanto, diz o autor, a uma ideia complexa podem corresponder um conjunto de impressões simples.51

A reflexão do nosso autor, sobre as percepções, ideias e impressões da nossa mente é importante, porque Hume deseja compreender como algumas ideias presentes na mente podem ser obtidas a partir das impressões sensíveis. Ou seja, existem na mente ideias, como as de “substância”, “causa”, “efeito”, “eu”, que pelo facto de serem universais, parecem não ter qualquer correspondência com as impressões singulares e contingentes, às quais Hume chama impressões sensíveis. Neste sentido, parecem ser inatas, pois não têm uma impressão que lhes corresponda da qual possam ser derivadas.

Pois bem, para o nosso filósofo, esse tipo de ideias não equivale, pelo menos não no sentido que lhe deram os filósofos até então, a nenhuma realidade existente. Aliás,

50 «The difference between these [impressions, ideas] consists in the degrees of force and liveliness with

which they strike upon the mind and make their way into our thoughts or consciousness. Those perceptions which enter with most force and violence we may name impression; and, under this name, I comprehend all our sensations, passions and emotions, as they make their first appearance in the soul. By ideas I mean the faint images of these in thinking and reasoning; such as, for instance, are all the perceptions excited by the presence discourse, excepting only those which arise from the sight and touch, and excepting the immediate pleasure uneasiness it may occasion […].

In sleep in a fever, in madness, or in very violent emotion of soul, our ideas may approach to our impressions; as, on the other hand, it sometimes happens that our impressions are so faint and low that we cannot distinguish them from our ideas», D. HUME, Treatise of Human Nature, Oxford, Clarendon Press, 1896, 1-2.

51 O autor resume assim a sua teoria: «I venture to affirm that the rule here holds without any exception,

and that every simple idea has a simple impression which resembles it, and every simple impression a correspondent idea», IBIDEM, 3.

45 Hume pretende sobretudo provar que muitas destas ideias são noções sem conteúdo, vazias, são elaborações complexas a partir de um conjunto de impressões52 e ideias complexas. Por isso, ele sente-se na missão de libertar a filosofia de um jargão inócuo, mas que impossibilita o avanço desimpedido da metafísica53. Hume é um dos mais formidáveis críticos das ideias básicas da metafísica aristotélica e tomista. Assim, todos os conceitos, em que assentavam aquelas filosofias, são explícita ou implicitamente rejeitados como radicalmente não existentes.

Desta forma, Hume nega qualquer possibilidade de existir um pensamento

implícito na mente humana. Com efeito, para ele, esta nem sequer é uma tábua rasa

onde se imprime o conhecimento. A mente humana é apenas um “fluxo” de impressões, que, pela repetição e o costume, se vão fixando tornando-se ideias, a partir das quais a mente humana pensa e raciocina.