• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II A NOÇÃO DE PENSAMENTO IMPLÍCITO NA REFLEXÃO DE

2. Desenvolvimento do conceito na teoria do conhecimento

2.3. Probabilidades convergentes

Em matéria de conhecimento nocional, o pensamento lógico e silogístico é suficiente e a inferência basta para nos permitir chegar a conclusões das quais podemos estar certos. O problema surge quando queremos alcançar o mesmo objectivo noutras áreas (em especial em matérias concretas), nas quais não nos podemos deter com o mesmo tipo de raciocínio, porque exigem de nós uma resposta mais imediata e rápida82.

81 «a force and [they make] an impression on the mind which nothing abstract can rival. That is, I have

argued that, because the object is more powerful», IBIDEM, 36.

82 «The discussions now turns to the question of how in fact certitude is normally attained. Newman

begins by contrasting informal reasoning with formal inference, of which the most logical form is the syllogism. The perfection of strictly logical reasoning lies in the fact that words which denote things and which have innumerable implications are stripped of their concrete meanings precisely in order to be abstract and notional. But the abstract cannot reach the concrete. Logical inference cannot produce proofs in concrete matters […]», I. KER, John Henry Newman, a biography, 644-645.

64 A mente humana visa não só atingir a compreensão das coisas, mas também que esse entendimento seja verdadeiro e certo. Por outro lado, só uma compreensão que seja verdadeira e certa para o sujeito é capaz de o mover para a acção. Como procede a mente humana em questões concretas para chegar a conclusões que sejam certas? Retomando e desenvolvendo o pensamento de Joseph Butler83, formulado em Analogy, Newman afirma que estas atingem-se da seguinte forma:

«A conclusão, numa questão real ou concreta, é mais prevista e predita do que propriamente atingida; ela é prevista no número e direcção das premissas acumuladas, as quais convergem todas para ela; é também prevista no resultado da combinação das premissas; o qual se aproxima da conclusão e a toca não de uma forma lógica, em virtude da natureza do assunto e do carácter delicado e implícito de, pelo menos, uma parte dos pensamentos dos quais depende. É, pois pela força, variedade ou multiplicidade das premissas, que são apenas prováveis, e não pela evidência de invencíveis silogismos; é vencendo objecções, neutralizando teorias contrárias, clarificando pontos obscuros, pelas excepções que passam a regra, por meio de correlações espontâneas com verdades aceites por todos; é, pois, por meio de todos estes caminhos, e muitos outros, que a mente, treinada e experimentada pela prática, é capaz de fazer uma adivinhação segura de que uma determinada conclusão é inevitável, embora ainda não efectivamente possuída e “tocada” como uma evidência. É a isto que eu chamo uma proposição “tão boa como se tivesse sido demonstrada”, uma conclusão tão inegável quanto “se tivesse provada”, porque as razões que para ela apontam, são indícios que se amontoam a ponto de equivaler a uma demonstração, já que esta é o limite de probabilidades convergentes.»84 Ou seja, é pela acumulação de probabilidades e pela junção de várias provas que se vão aglomerando num determinado sentido, confirmando-se umas às outras, que nós atingimos, em questões concretas, conclusões podendo ter a certeza da sua veracidade. Por esta razão, o nosso autor pode dizer que uma conclusão, em particular em matérias concretas, é prevista, predita e antecipada. Newman utiliza mesmo a expressão

83 Bispo e grande teólogo inglês do século XVII, teve grande influência sobre Newman

84 «the conclusion in a real or concrete question is foreseen and predicted rather than actually attained;

foreseen in the number and direction of accumulated premisses, which all converge to it, and as the result of their combination, approach it more nearly than any assignable difference, yet do not touch it logically (though only not touching it) on account of the nature of its subject-matter, and the delicate and implicit character of at least part of the reasonings on which it depends. It is by the strength, variety, or multiplicity of premisses, which are only probable, not by invincible syllogisms,—by objections overcome, by adverse theories neutralized, by difficulties gradually clearing up, by exceptions proving the rule, by un-looked-for correlations found with received truths, by suspense and delay in the process issuing in triumphant reactions,—by all these ways, and many others, it is that the practiced and experienced mind is able to make a sure divination that a conclusion is inevitable, of which his lines of reasoning do not actually put him in possession. This is what is meant by a proposition being "as good as proved," a conclusion as undeniable "as if it were proved," and by the reasons for it "amounting to a proof," for a proof is the limit of converging probabilities», J. H. NEWMAN, GA, 321.

65 “adivinhada”, isto é, aquela a que se chega ainda antes de se ter formalmente concluído. Neste sentido, neste tipo de raciocínio a conclusão mais do que inferida explicitamente é alcançada implicitamente. Ou seja, a certeza é, acima de tudo, um ponto de chegada para onde convergem, como para um limite, probabilidades de variadas origens. Ela é o ponto para o qual confluem linhas de pensamento probabilístico procedentes de diferentes áreas da nossa experiência85.

Assim, a certeza é, como dizíamos, o resultado de um agrupamento ou “montagem” – para usar uma expressão do autor – de várias razões, argumentos, indícios e sinais que tomados individualmente, não passam de probabilidades. Ou seja, estes indícios, argumentos, sinais e razões, tomados separadamente até poderiam levar a concluir outra coisa completamente diferente. No entanto, quando olhados em conjunto e montados por uma razão com experiência, acabam por orientar o sujeito numa direcção determinada; e consequentemente para uma inferência que resulta ser a única possível e verdadeira 86.

No entanto, segundo o nosso autor as probabilidades convergentes apesar de serem suficientes para alcançar a certeza, não chegam para lhe dar a sua característica mais própria, a saber: a absoluta segurança, ou seja, uma certeza sem falhas. Por outro lado, a convergência de probabilidades implica que exista na mente humana a capacidade de entender que todas convergem no mesmo sentido, que se confirmam umas às outras, e que, todas juntas, formam uma prova suficientemente convincente

85 «It is in fact, Newman argues, the cumulation of probabilities, which cannot be reduced to syllogism,

that leads to certainty in the concrete. », o mesmo autor chama a atenção para o facto: «Newman’s theory of probability has been insufficiently understood. It has nothing to do with any kind of mechanical procedure for counting probabilities in some sort of numerical scale […]. And so mind in concrete matters progresses from probable antecedents to sufficient proof, and finally to certitude», I. KER, John

Henry Newman, a biography, 645 e 648.

86 «My argument is in outline as follows: that that absolute certitude which we were able to possess […]

was the result of an assemblage of concurring and converging probabilities […]. In the first chapter of this narrative I spoke of certitude as the consequence […] of the accumulative force of certain given reasons which, taken one by one, were only probabilities […]», J. H. NEWMAN, Apo, 20 e 199.

66 para suscitar, no sujeito, a certeza87. De seguida, vamos precisamente debruçar-nos sobre a existência ou não desta faculdade, tentando destacar o seu conteúdo e desvendar a sua natureza.