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IV. 1 Sepulturas e indivíduos

IV.1. i Cistas polilíticas

O tipo de sepultura estruturada mais antiga que foi possível constatar em Vilar de Frades é formado pelas cistas de caixa pétra, polilíticas, com cobertura de lajes múltiplas127. “Monumentos modestos”, no dizer de Mário Jorge Barroca, deverão ter sido o tipo de sepultura mais comum, em conjunto com as sepulturas em fossa abertas directamente no solo, entre os séculos XII e XIII, podendo a sua cronologia perdurar, pelo menos no Entre-Douro-e-Minho, entre os séculos X ou XI e o século XIV ou XV (Barroca, 1987: 299-300) chegando mesmo, em casos como o da Sé do Porto, até ao século XVI (Dordio, 2005: 29). Na verdade, trata-se de um modelo que poderá ter uma filiação mais antiga, oriunda do período visigótico, mas para a qual não foi possível, até ao presente, identificar uma continuidade (Barroca, 1987: 289-300).

A pouca profundidade que estas sepulturas costumam atingir, sensivelmente entre os 30 e 40 cm, e a irregularidade das suas lajes de cobertura sugerem que elas deveriam estar cobertas de terra. Não se sabe, neste como noutros casos, como se faria a sua identificação, não tendo, normalmente, quaisquer caracteres distintivos ou possuindo, por vezes, siglas, como acontece na Sé do Porto (Barroca, 1987: 313-316; Dordio, 2005: 29), gravadas numa ou noutra laje. No entanto, se estas estruturas estavam tapadas, deveria haver, quase obrigatoriamente, um elemento que as identificasse à superfície. De facto, pelo menos no caso de Vilar de Frades, as cistas não apresentam uma disposição regular que permitisse, quando tapadas, indicar ao coveiro a sua localização. Como se vê pela disposição das cistas da S. 24, há algumas que se encontram mais afastadas do que as outras ou que se localizam mais a oriente ou ocidente. No caso de ser necessário sepultar um indivíduo numa dessas cistas, caso não houvesse qualquer elemento que identificasse, pelo menos, a sua localização exacta, o “coveiro” teria alguma dificuldade em encontrá-la. Por outro lado, se for certa a utilização destas

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Mário Jorge Barroca (1987: 299-306 e 323-335) cataloga este tipo de estruturas como “sepulturas de pedras avulsas”.

estruturas como local de enterramento familiar, mais natural seria a sua individualização com algum elemento que a associasse àquela família.

Tabela 7 - Análise geral das cistas

Orien- tação Compri mento Largura Máxima Largura Mínima Altura Nº de Lajes de Cober- tura Nº de Lajes de Cabe- ceira Nº de Lajes de Fundo Nº de Lajes Direita Nº de Lajes Esquer- da Notas S. 10 [99] 81º - - 0,24m 0,24m [2] - - [2] [3] S. 12A [19] 107º - - - - [1] - - - [3] S. 12 A2 UE[10] 86º [1,90m] - [0.33m] [2] - - 2 2 S. 12 A2 [19] S. 12 A2 UE[20] 81º 1,90m 0,50m - 0,36m - 1 1 2 [2] S. 12 A2 UE[34] 89º [1.13m] - 0,25m [3] - 1 [3] [4] S. 24 UE[2] 101º 1,92m 0,40m 0,33m 0,38m 2 - 1 4 4 S. 24 UE[3] 84º 1,50m - 0,30m 0,36m 4 - 1 3 1 S. 24 UE[4] 89º 1,96m 0,46m 0,32m 0,36m 5 1 1 3 3 S. 24 UE[8] 92º 0,74m 0,26m 0,14m 0,22m 1 1 - 3 2 S. 25 UE[27] 94º - - 0,24m 0,24m - - 1 [2] [2] S. 26C UE[26] - - [0,40m] - - - [1] [1] S. 28 [15] 92º - - [0,35m] - - - [2] -

No caso de Vilar de Frades, este tipo de estruturas obedece quase sempre a um mesmo modelo, de planta sub-trapezóidal, possuindo uma maior largura ao nível da cabeceira do que ao dos pés. Com excepção da UE[8] da S. 24, que corresponde ao enterramento de um menor, as suas dimensões (v. Tabela 5) variam mais no que diz respeito ao comprimento do que à largura ou profundidade. Assim, se entre as UE[3] e UE[4] da S.

24 existe uma variação de 0,46m no comprimento, já as restantes se encontram com valores iguais ou superiores a 1,90m. A largura máxima, ao nível da cabeceira, tem uma média de 0,45m ao passo que a média da largura mínima, aos pés, é de cerca de 0,30m.

À cabeceira e aos pés, as sepulturas possuem, via de regra, apenas uma pedra. Nalguns casos, como o da UE [2] da S. 24, a cabeceira encostava a um grande bloco granítico informe que ali deveria estar antes da implantação da cista. Por outro lado, se a sepultura identificada no perfil Este da S. 26C (UE [26]) se encontrava completa e não truncada pelo muro que dividia o corpo da igreja sensivelmente a meio, como nos parece, ela aproveitaria este muro como cabeceira. Note-se que, neste caso, a distância interior entre as pedras que faziam parte dos lados da cista era de 0,40m e, nesse sentido, muito próxima das medidas das cabeceiras das demais. As paredes laterais deste tipo de sepulturas, por seu turno, variam entre as 2 e as 4 pedras sendo que aquele menor valor corresponde às sepulturas mais recentes da S. 12A2 (U.E.’s [10] e [20]). O número de pedras que davam forma à sepultura deveria ser, no entanto, variável e não respeitar uma regra específica chegando, tal como acontece na S. 24, a adossar-se umas sepulturas às outras.

No que concerne à orientação das sepulturas polilíticas (v. Gráfico 1), todos os casos estudados apresentam uma orientação Oeste-Este que ronda, em média, os 90,58º. Os valores mais afastados da média encontram-se nos 81º, verificados nas UE[99] da S. 10 e UE[20] da S. 12A2, assim como, já num limite superior, nos 107º da UE[19] da S. 12A. A orientação da igreja actual, que em grande medida deverá corresponder, pelo menos, à orientação da igreja gótica, é de 88º. Estas medições deverão ser lidas, no entanto, com alguma precaução, visto que, estando algumas das sepulturas adossadas a outras, como é o caso das UE [3] e [4] da S. 24, este fenómeno acaba por se constitur, automaticamente, como gerador de desvios. Por outro lado, há que ter em atenção que, como afirma Mário Jorge Barroca acerca das necrópoles escavadas na rocha, “as sepulturas que se abrem nas imediações de templos religiosos encontram-se, normalmente, alinhadas pelos muros deste” (Barroca, 1987: 134). Apesar disso, deverá destacar-se a grande uniformidade de orientação que a necrópole medieval mantém, face a soluções mais tardias.

Em Vilar de Frades verifica-se a utilização de duas técnicas distintas de construção de cistas. Por um lado, temos as cistas formadas com pedras avulsas, não trabalhadas e irregulares. As UE[34] da S.12A2 e [8] da S. 24 são, para este caso, os melhores exemplos. Por outro lado, temos as estruturas construídas com material pétreo trabalhado em pelo menos duas das faces, a superior e a lateral interior, eventualmente reaproveitados de construções exteriores e apresentando, pelo menos num caso, siglas de canteiro, como acontece na UE[2] da S.24. É de crer, como já foi anteriormente constatado (Erasun e Faure, 2000: 88) que este segundo tipo de cistas, mais cuidado, corresponde a enterramentos mais tardios. Para isso indicia de imediato o facto de a UE [19] da S. 12A2 se sobrepôr à UE [34].

Orientação das Cistas Polilíticas

107 86 81 89 101 84 89 92 94 91 81 70 80 90 100 110 S. 10 [99] S12A UE[19] S12A2 UE[10] S12A2 UE[20] S12A2 UE[34] S24 UE[02] S24 UE[03] S24 UE[04] S24 UE[08] S25 UE[27] S28 UE[15] Cistas G ra us Orientação Média

Gráfico 1 – Comparação da orientação das cistas polilíticas em Vilar de Frades

Ao contrário do que sucede em sepulturas mais tardias (Barroca, 1987: 303; Dordio, 2005: 28-29), não nos aparecem em Vilar de Frades cistas com cabeceira mais evoluída, nomeadamente as formadas por uma pedra trabalhada de maneira a dar o contorno da cabeça do defunto e, portanto, evidenciando algum antropomorfismo. Na UE [2] da S. 24, contudo, foram colocadas duas pequenas pedras irregulares a cada lado da cabeça do defunto e um fragmento de telha na sua zona superior criando, desta forma, uma espécie de caixa enformando a zona onde se localizava a cabeça.

Um último aspecto importante no que diz respeito às cistas polilíticas prende-se com o facto de possuirem, sensivelmente na zona correspondente ao seu terço inferior, pequenos buracos de forma tendencialmente rectangular mas estrangulando em direcção à base, abertos no solo base. Por vezes, estes buracos continham vestígios de ossos longos, facto que aponta para a sua utilização como ossários. É possível que a presença deste tipo de ossários, assim como depósitos simples de crânios ou ossos longos (Barroca, 1987: 302-303), indique algum grau de familiaridade entre aqueles que ocuparam estas sepulturas, podendo falar-se, então, de monumentos destinados a constituir-se como panteão familiar (Erasun e Faure, 2000: 88).