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IV. 1 Sepulturas e indivíduos

IV.1. vi Espólio votivo

Ainda dentro do campo das materialidades, mas fazendo a ponte para a vivência espiritual daqueles que se encontravam enterrados em S. Salvador de Vilar de Frades, encontra-se o espólio funerário que acompanhava os defuntos à sepultura. Daremos aqui, pelo seu especial interesse, conta de algum do espólio com cariz devocional associado aos defuntos ou às sepulturas. Não nos prenderemos, portanto, com algum outro espólio, também ele importante, sem dúvida, como os alfinetes utilizados para prender as mortalhas ou os colchetes, provavelmente relacionados com os hábitos de ordens religiosas nos quais alguns defuntos eram sepultados.

Não se trata de um conjunto grande, mas no qual se incluem as contas de rosário e as medalhas. No que diz respeito às contas de rosário, elas são na sua grande maioria feitas em osso e perfuradas de forma a ser possível passar o cordão que as unia.

Os rosários, utilizados para apoio numa oração tão tradicional do Cristianismo desde tempos medievais e veiculada, sobretudo, pela ordem de S. Domingos, são peças já pouco comuns na actualidade, tendo sido substituídos por aquelas peças a que, vulgarmente em Portugal, denominamos de terços. Na verdade, o “terço” só possui, tal como o seu nome indica, uma terça parte das contas de um rosário. Este, contém as

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contas que permitem seguir a oração completa e, por isso, 15 conjuntos de 10 contas para as Avé-Marias de cada mistério, separados, entre si, por uma conta correspondendo ao Pai-Nosso e, em simultâneo, ao Glória ao Pai. Além destas, 5 contas fazem parte do rosário um pequeno conjunto formado por um Pai-Nosso, três Avé-Marias e um Glória ao Pai158.

Porque nem todos os rosários se encontram completos, fazemos aqui a ressalva de que alguns deles poderão, eventualmente, corresponder às chamadas “coroas franciscanas”. Esta ressalva prende-se, mais do que nada, com o facto de, muito frequentemente, haver uma relação directa entre o ideal franciscano e os enterramentos, relação essa que se nota sobretudo na prática comum de fazer sepultar os defuntos em hábito da ordem de S. Francisco. Ora, a coroa franciscana é, tal como o rosário, um instrumento dedicado a dar apoio a uma oração mariana, semelhante ao rosário tradicional, mas que diverge no tamanho. A coroa franciscana possui sete mistérios e não quinze, como o rosário, ou cinco, como o terço. Assim, se um rosário tem um total de 169 contas e um terço 59, já numa coroa franciscana se contabilizam 82 contas.

Possuímos, ainda, um conjunto de seis medalhas, não tendo sido encontrados paralelos para uma delas, a qual não permite uma leitura correcta. As restantes cinco apresentam, todavia, motivos muito semelhantes. No anverso, têm gravada uma representação da devoção à Sagrada Eucaristia, feita com recurso a uma custódia com resplendor ou a um cálice com a hóstia suspensa sobre ele e, no reverso, a figura da Imaculada Conceição, com coroa de estrelas e resplendor. Não se trata de peças exclusivas de contextos funerários, pois elas podem aparecer noutras circunstâncias, como aconteceu em Guimarães, junto das terras que atulharam uma viela durante o século XIX (Fernandes e Faure, 2009: 196), nem tão pouco de peças singulares, pois a expansão deste tipo de medalhas deve ter sido grande, principalmente a partir da segunda metade do século XVII, chegando a aparecer em contextos africanos como a igreja de Ngombo Mbata, no

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As tradições na forma de rezar o rosário ou apenas o seu terço têm algumas variantes. Ainda assim, o instrumento parece manter uniformidade.

Congo Belga (Tourneur, 1940: 24-25). Um conjunto significativo destas verónicas proveniente de Sta. Clara-a-Velha (Coimbra), com motivos e invocações diversas, foi estudado por Teresa Mourão (2007),

Estas medalhas possuem uma história interessante, traçada por Susanne Stratton (1988). A sua origem enontra-se envolvida nas estratégias levadas a cabo por Filipe II (de Portugal) junto do papado no sentido de conseguir uma declaração dogmática da Imaculada Conceição de Maria. O rei não conseguiu os seus intentos, sobretudo devido às resistências de Paulo V e Clemente VIII em dar um passo que ia muito além do preconizado pelo Concílio de Trento e pelo facto de a Conceição Imaculada de Maria não ser, então, concensual entre os católicos159. O certo é que, por influência sobretudo franciscana, vieram a ser cunhadas, em Roma, uma série de medalhas que procuravam divulgar o culto à Imaculada Conceição, forçando, de alguma forma, através da divulgação do culto particular, a sua generalização. Diz-nos Suzanne Stratton (1988, Cap. III):

“En octubre de 1619, las monedas ya circulaban por Roma y también se enviaron a España. Por un lado se inscribió un cáliz con la hostia encima con las palabras «Alabado sea el Smo. Sacramento»; sobre el reverso, una imagen de la Inmaculada Concepción con la inscripción «Concebida sin pecado original».”

É este, sem dúvida, o tipo de medalhas que possuímos e é, também, com base nesta descrição que optámos pela definição do anverso e reverso da medalha. Mas há dúvidas que se levantam sobre estas medalhas. Seguindo, ainda, Suzanne Stratton (1988, Cap.

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Na verdade, o Concílio de Trento havia já declarado a isenção de Maria face ao pecado actual, isto é, o realizado por acção individual, mas não tinha chegado a declarar a sua concepção isenta de pecado original, definição dogmática que data, somente, de 1854, e apresentada por Pio IX na Constituição Apostólica Ineffabilis Deus. A tradição de celebrar a concepção de Maria (9 meses antes da festa da sua Natividade) era, no entanto, antiga, e, por vezes, diferente daquela que a ortodoxia preconizava e veio a instituir como dogma. Recorde-se, por exemplo, a concepção de Maria sem que para isso tivesse havido intervenção directa de seu pai, em paralelismo com a concepção de Jesus, no evangelho apócrifo denominado Pseudo-Mateus (Conf. Alonso, 1989)

III), para não se ver obrigado a, implicitamente, declarar a doutrina da Imaculada Conceição, Clemente VIII mandou recolher todas as medalhas cunhadas. Não sabemos quando voltaram a entrar em circulação, mas, se não foi antes, pelo menos deverão ter reentrado em circulação a partir de Dezembro de 1664, altura em que o papa Alexandre VII autoriza, após insistência de Filipe IV, a celebração da festa da Imaculada Conceição em Espanha (Stratton, 1988, Cap. IV).

A proveniência italiana ou, pelo menos, a filiação nas espécies italianas, é evidente nos casos por nós analisados. A inscrição no anverso encontra-se em italiano, tal como já havia notado, para a peça por ele estudada, Victor Tourneur (1940: 24-25), ao passo que, no reverso, a inscrição é latina. Um dos nossos exemplares possui, além do mais, a indicação do local de origem: Roma.

Victor Tourneur atribui a presença da medalha em Ngongo Mbata à evangelização levada a cabo pelos missionários capuchinhos italianos, sob a égide do rei de Portugal (Tourneur, 1949: 25-26). Ora, este facto parece estar em consonância com o facto de as medalhas terem sido, pelo menos inicialmente, ao que sabemos, cunhadas sob influência de franciscanos. Assim, é possível que a sua presença em contextos funerários esteja, de alguma forma, associada à protecção das indulgências que se obtinham através da utilização, em caso de morte, de elementos diversos associados à Ordem dos Frades Menores. Mais ainda, uma das medalhas apareceu junto aos coxais do indivíduo respectivo, razão pela qual cremos que poderia estar associada ao rosário, por exemplo, e não pendurada ao pescoço do defunto. Não temos, todavia, provas materiais que corroborem esta afirmação, constituindo-se, tão só, como uma hipótese.

Medalha 1:

N.º de Inventário VF98/S12A/[12]/107 Tipo e Função Medalha votiva Dimensões Comp.: 2 cm

Larg.: 1,7 cm Comp. máx.: 2,7 cm Matéria-prima: Bronze (?)

Morfologia Plana e de formato octogonal, com ligeiro escalonamento na zona onde se encontra soldada a argola. Esta é, também, aplanada, encontrando-se o seu plano disposto perpendicularmente ao da medalha. Decoração em baixo-relevo.

Decoração Anverso: Ostensório ou costódia sobre núvens. A base é aplanada partindo dela um pé decorado. No cimo, ao centro e entre decoração vegetalista, aparece hóstia circular com a inscrição IHS encimada por crucifixo. De toda a zona superior emanam raios.

Legenda: S . L . IL SS . SAC .

Leitura: Sia Laudato il Santissimo Sacramento (Louvado seja o Santíssimo Sacramento)

Decoração Verso: Imagem da Imaculada Conceição com as mãos colocadas em modo de oração sobre o lado esquerdo (da imagem), com vestido e manto, sobre lua apontando para a base e envolta em nuvens. Coroa de estrelas, sendo visíveis apenas 4 e parte de uma quinta devido à oxidação. Da imagem partem raios luminosos. Legenda: B . VIR . SINE . P . ORIG . CON.

Leitura: Beata Virgine Sine Peccata Originale Concepit (Bem-aventurada Virgem Concebida sem Pecado Original).

Medalha 2:

N.º de Inventário VF99/V.2 PN/[17]/8 Tipo e Função Medalha votiva Dimensões Comp.: 2,9 cm

Larg.: 2,5 cm Comp. máx.: 3,8 cm Matéria-prima: Bronze

Morfologia Plana e de formato octogonal, com ligeiro escalonamento na zona onde se encontra soldada a argola. Esta é, também, aplanada, encontrando-se o seu plano disposto perpendicularmente ao da medalha. Decoração em baixo-relevo.

Decoração Anverso: Ostensório de base plana simulando perspectiva, elevado por dois anjos, um a cada lado. No cimo, ao centro e entre decoração vegetalista, aparece hóstia circular com a inscrição IHS encimada por crucifixo. De toda a zona superior originam-se raios de luz.

Legenda: SIA . L . IL . . SS . SACR .

Leitura: Sia Laudato il Santissimo Sacramento (Louvado seja o Santíssimo Sacramento)

Decoração Verso: Imagem da Imaculada Conceição com as mãos colocadas em modo de oração sobre o lado esquerdo (da imagem), com vestido e manto, sobre lua apontando para a base e coroa de estrelas, sendo visíveis 5 e parte de mais duas. Da imagem emanam raios luminosos.

Legenda: B . VIRGO . SINE . PECC . ORIG . CONC.

Leitura: Beata Virgo Sine Peccata Originale Concepit (Bem-aventurada Virgem Concebida sem Pecado Original).

Medalha 3:

N.º de Inventário VF00/S.35B/[20]/10 Tipo e Função Medalha votiva Dimensões Comp.: 3,9 cm

Larg.: 2,5 cm Comp. máx.: 3,6 cm Matéria-prima Bronze

Morfologia Plana e de formato octogonal, com ligeiro escalonamento na zona onde se encontra soldada a argola. Esta é, também, aplanada, encontrando-se o seu plano disposto perpendicularmente ao da medalha. Decoração em baixo-relevo.

Decoração Anverso: Ostensório de base plana simulando perspectiva sustentado por dois anjos colocados um a cada lado e envoltos em núvens. No cimo, ao centro e entre decoração vegetalista, aparece hóstia circular com a inscrição IHS encimada por crucifixo. De toda a zona superior emanam raios.

Legenda: SIA . L . IL . . SS . SACR .

Leitura: Sia Laudato il Santissimo Sacramento (Louvado seja o Santíssimo Sacramento)

Decoração Verso: Imagem da Imaculada Conceição, com as mãos colocadas em modo de oração sobre o lado esquerdo (da imagem), com vestido e manto. Apenas são visíveis parcialmente duas estrelas da corôa, no lado direito do observador. Da imagem partem raios luminosos.

Legenda: B . VIRGO . SINE . PEC . ORIG . CONC.

Leitura: Beata Virgo Sine Peccata Originale Concepit (Bem-aventurada Virgem Concebida sem Pecado Original).

Medalha 4:

N.º de Inventário VF99/S.12A2/[3]/1 Tipo e Função Medalha votiva Dimensões Comp.: 3,0 cm

Larg.: 2,5 cm Comp. máx.: 3,9 cm Matéria-prima Bronze e banho de Ouro.

Morfologia Plana e de formato oval, com ligeiro escalonamento na zona onde se encontra soldada a argola. Esta é, também, aplanada, encontrando-se o seu plano disposto perpendicularmente ao da medalha. Decoração em baixo-relevo.

Decoração Anverso: Cálice de base plana e pé decorado com a zona do copo simulando perspectiva. Sobre este, paira hóstia da qual emanam raios de luz. Na base do cálice encontra-se um anjo de cada lado, ajoelhado e de mãos postas em posição de oração, com vestido longo e asas.

Legenda: . LA . SI . IL . . SS . SACR .

Leitura: Sia Laudato il Santissimo Sacramento (Louvado seja o Santíssimo Sacramento)

Decoração Verso: Imagem da Imaculada Conceição, com as mãos colocadas em modo de oração sobre o lado direito (da imagem), com vestido e manto. A imagem está assente sobre lua apontando para cima e possui coroa de 7 estrelas. Da figura partem raios luminosos e toda a gravação se encontra emoldurada por cordão.

Medalha 5:

N.º de Inventário VF98/S.12A/[2]/64 Tipo e Função Medalha votiva Dimensões Comp.: 2,4 cm

Larg.: 1,8 cm Comp. máx.: 3,1 cm Matéria-prima Bronze.

Morfologia Plana e de formato oval, com ligeiro escalonamento na zona onde se encontra soldada a argola. Esta é, também, aplanada, encontrando-se o seu plano disposto perpendicularmente ao da medalha. Decoração em baixo-relevo.

Decoração Anverso: Ostensório assente sobre linha de terra, com pé bastante decorado e estilizado, com lúnula mostrando hóstia, da qual emanam raios de luz. De um e outro lado do ostensório um anjo de perfil, ajoelhado e de mãos postas em posição de oração, com vestido longo, asas e coroado com auréola.

Legenda: L . S . IL . SS SACRA .

Leitura: Sia Laudato il Santissimo Sacramento (Louvado seja o Santíssimo Sacramento) Sob a linha de terra vê-se, ainda, a seguinte inscrição: ROMAE

Decoração Verso: Imagem da Imaculada Conceição, com as mãos colocadas em modo de oração sobre a frente, com vestido e manto caindo sobre os ombros. A imagem está assente sobre lua apontando para cima e possui, sobre a cabeça, auréola e coroa de 7 estrelas. Da figura partem raios luminosos e uma moldura delimita lateralmente o conjunto.

Medalha 6:

N.º de Inventário VF00/S.32/[19]/20 Tipo e Função Medalha votiva Dimensões Comp.: 2,3 cm

Larg.: 1,9 cm Matéria-prima Bronze.

Morfologia Plana e de formato oval. Decoração em alto-relevo. Decoração Anverso: Figura de Bispo a abençoar.

Decoração Verso: Ilegível. Obs:

Crucifixo 1:

N.º de Inventário VF00/S.35C/[12]/62 Tipo e Função Crucifixo

Dimensões Comp.: 2,7 cm Comp. máx.: 3,4 cm Larg. máx. nos braços: 2,0 cm Matéria-prima Bronze.

Morfologia Plana, com argola também aplanada, encontrando-se o seu plano disposto perpendicularmente ao do crucifixo. Decoração em baixo-relevo.

Decoração Anverso: Imagem de Jesus Cristo crucificado, com as pernas ligeiramente flectidas para o lado direito do observador. Sob os pés, caveira com ossos longos cruzados na diagona.

Decoração Verso: Imagem da Imaculada Conceição com as mãos em posição de oração sobre o peito. Sob os pés, lua apontando para cima e sobre a cabeça corôa de 7 estrelas. A perna direita da imagem encontra-se ligeiramente flectida.

Legenda: V. I. / (…) C R Z Leitura:

Crucifixo 2:

N.º de Inventário VF99/V.C.1-V.C.1A Tipo e Função Crucifixo

Dimensões Comp.: 5,5 cm

Larg. máx. nos braços: 3,5 cm Matéria-prima Bronze.

Morfologia -

Decoração Anverso: Legenda: INRI

Leitura: Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum (Jesus nazareno, rei dos judeus) Decoração Verso: Legenda: SOUVENIR DE MISION

Leitura: Souvenir de Mission (Recordação de Missão)

Obs.: Não nos foi possível fazer uma revisão desta peça. Conf. Erasun e Faure (2000: 54).

Anel:

N.º de Inventário VF98/S.12A/[2]/59 Tipo e Função Anel

Dimensões Diâmetro do aro: 2,0 cm Diâmetro da área gravada: 1,2 cm Matéria-prima Bronze.

Morfologia Anel plano, circular, com aro levemente ovalado pelo exterior. No arranque do aro notam-se 4 ressaltos. Decoração: Cercadura rebaixada em torno do anel. Inscrição iconográfica apresentando a sigla “I H S”, com cruz

arrancando da haste do “H”. Leitura: Iesus Hominum Salvator Tradução: Jesus Salvador dos Homens. Obs: