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2 CAPÍTULO II – A HIPÓTESE DO EFEITO DE TERCEIRA PESSOA COMO UMA ABORDAGEM DA COMUNICAÇÃO POLÍTICA

2.2 I MPRESSÕES + COMPORTAMENTOS ( E COMO OCORREM )

Platão temia que a "ascensão da palavra escrita sobre a palavra falada" (Starker, 1989, p. 7) causasse um grande dano. Críticos do século XIX estavam preocupados com o fato de que os romances levariam à "destruição total dos poderes da mente" (Starker, p. 8). Parece provável que os temores de efeitos dos media acompanhados das impressões de terceira pessoa saudaram o início de todos os novos meios de comunicação37 (GUNTHER; PERLOFF; TSFATI, 2008, p. 185).

No exame do efeito de terceira pessoa distinguem-se dois componentes. O primeiro, chamado cognitivo (perceptual component), tem a ver com a estimativa sobre efeitos, o juízo que sustenta que os conteúdos da comunicação influenciam mais os outros do que a mim. A esse primeiro elemento do fenômeno denomina-se presunção do efeito sobre terceiros (third- person perception). O segundo componente, chamado comportamental (behavioral component), é consequência – mas consequência não essencial – do primeiro. Significa que uma vez que os indivíduos avaliam que os efeitos da mensagem são mais intensos sobre os outros do que sobre eles mesmos tomam atitudes, muitas vezes preventivas, para evitar a realização do efeito esperado.

Aqui é preciso ratificar que os dois componentes estão compreendidos no fenômeno denominado ETP, e apesar da ocorrência do segundo estar condicionada à ocorrência do primeiro, não é sempre que a constatação da impressão de terceira pessoa (third-person perception) leva ao componente comportamental; muitas vezes ele sequer é testado. O efeito é formado por ambos os componentes, mas para ele ocorrer não é obrigatório que se comprove

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Plato feared that the ‘ascendancy of the written word over the spoken word’ (Starker, 1989, p. 7) would cause great harm. Nineteenth century critics worried that reading novels would lead to the ‘entire destruction of the powers of the mind’ (Starker, p. 8). It seems likely that fears of media effects and accompanying third-person perceptions have greeted the initiation of all new media.

os dois elementos. O efeito, de fato, não está na avaliação que se faz sobre o efeito ser maior no outro do que em mim, ou mesmo inexistente em mim. O efeito real se exerce sobre mim, a primeira pessoa verbal, que sou assaltado por preocupações e aflições (quem podem, inclusive, me compelir a tomar providências) uma vez que creio que aquela mensagem irá influenciar os outros, embora esta influência, de fato, não se realizou e, eventualmente, nem se realizará. Isso significa que a própria impressão (perception) já é, em si mesma, um "comportamento", uma atitude; e o efeito que se busca identificar e mensurar é aquele causado pelo efeito imaginado.

Gomes e Barros (2014) descrevem bem o processo heurístico que leva ao efeito de terceira pessoa. O gráfico abaixo, retirado do trabalho desses autores, resume o processo envolvendo etapas de ações e tomadas de decisão, não necessariamente conscientes, que sustentam o juízo sobre o efeito das mensagens. O ETP propriamente dito é descrito na segunda coluna.

Figura 1: Fluxograma do Efeito de Terceira Pessoa

De acordo com Diana Mutz (1998), a impressão de terceira pessoa (third-person perception) é de uma família de conceitos científicos sociais que se concentra nas impressões de outras pessoas ou coletivos de fora do espaço da vida pessoal de um indivíduo. Essa sensação é única por centrar-se na bifurcação entre as impressões dos efeitos de mensagens sobre os outros e sobre si (a primeira pessoa). Outra característica que a torna única é o fato do conceito ser operacionalizado de forma relacional, em comparação. “O foco não é o efeito dos media percebido nos outros ou o efeito percebido no sujeito, mas a discrepância entre essas crenças” 38

A maioria das pesquisas relatadas sobre o efeito de terceira pessoa concebe os efeitos mediáticos em termos de influência geral em si e nos outros. As medidas de influência são aplicadas para avaliar a impressão dos resultados da exposição do indivíduo a uma mensagem, que estão longe do neutro. No entanto, para o entendimento aprofundado da hipótese a distinção dos componentes citados acima (cognitivo e comportamental) é fundamental.

(GUNTHER; PERLOFF; TSFATI, 2008, p. 186).

De forma geral, a bibliografia permite dizer que se trata de efeitos fortes, sedimentados no tempo, por ele acumulados e capazes de afetar inicialmente e, sobretudo, as convicções individuais sobre o mundo. Nesse ponto, destaca-se o componente cognitivo. Aqui ressaltamos que o pressuposto de que há um superdimensionamento do efeito sobre os outros supõe que o efeito em questão seja especificamente de uma mensagem, e não dos meios de comunicação de forma genérica. Trata-se do dimensionamento que as pessoas dão a efeitos imaginados de um conteúdo específico sobre os outros e sobre si mesmas.

Voltando à importância do entendimento do componente cognitivo, questiona-se: Como ele (o componente cognitivo) se relaciona com os meios de comunicação de forma genérica? A lógica é simples. Já que é através da mediação dos meios de comunicação que os indivíduos se aproximam de realidades que vão além de seus contatos interpessoais, é através desses meios de comunicação que a fonte de conhecimento de mundo individual se expande. Assim, a influência dos media, de forma geral, não pode ser ignorada, mas especificamente tratada como influência no conhecimento do indivíduo.

A bibliografia que comprova o ETP, identificando especificamente a ocorrência do efeito cognitivo, é vasta e se fortalece com o avanço dos estudos a respeito da hipótese (ANDSAGER; WHITE, 2007; PAUL et al., 2000; PERLOFF, 1993). Assim, ratifica-se a importância desse componente tendo como base a constatação de que, em primeira instância,

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The focus is not perceived media effects on others or perceived effects on the self, but the discrepancy between these beliefs.

o ETP é um efeito imaginado, por isso com fundamento essencialmente cognitivo. Imaginado porque de fato não se mensura (ou busca mensurar) diretamente o efeito da mensagem no entrevistado, mas sim o efeito que ele (o entrevistado) imagina que determinada mensagem possa ter sobre outros e sobre ele.

Em contrapartida, é possível dizer que o efeito comportamental é uma possível consequência do efeito cognitivo. O entrevistado imagina o efeito nele e nos outros, e baseado nesse efeito presumido altera (ou não) seu comportamento. Portanto, o efeito mais concreto sobre o qual a hipótese versa está, de fato, na primeira pessoa e é o segundo momento do fenômeno. Isso faz do componente comportamental o mais importante e também o mais difícil de se verificar.

O segundo componente do efeito de terceira pessoa sugere que as expectativas das pessoas sobre o impacto dos media produzem uma reação. Estas reações, embora muitas vezes descritas sob o rótulo genérico abrangente do componente comportamental, pode envolver respostas cognitivas, de impressão, atitudinais e outras39 (GUNTHER; PERLOFF; TSFATI, 2008, p. 187).

Por tratar-se do resultado de um efeito presumido, tudo que se tem sobre o efeito comportamental40

Mas de onde vem esse tipo de impressão e o comportamento que dela decorre? A explicação de como exatamente o fenômeno ocorre ainda está para ser desvendada. Alguns pesquisadores como Gunther (1998) mantêm-se céticos, e afirmam que os modelos teóricos recentes propõem que os media podem influenciar a opinião dos indivíduos sobre o que os outros estão pensando, porém a forma como isso ocorre mantém-se inexplicável. Por outro lado, a maior parte da bibliografia sugere que a resposta esteja na Psicologia.

é a disposição do indivíduo questionado sobre suas atitudes diante de uma situação específica, não a medição da atitude de fato. Apesar de ser a parte mais palpável da hipótese ainda se trata de um comportamento que o entrevistado diz ter, e não do seu comportamento real. É bem verdade que alguns artifícios metodológicos e novas possibilidades técnicas dos media dão indícios de como se avançar na solução deste entrave, no entanto ainda são somente possibilidades, e que serão discutidas mais adiante.

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The second component of the third-person effect suggests that people’s expectations regarding media impact produce a reaction. These reactions, although often described under the umbrella of the so-called behavioral component, can involve cognitive, perceptual, attitudinal and other responses.

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Como efeito comportamental entenda-se o resultado exclusivo do componente comportamental. Como já dito, a impressão do indivíduo já gera, por si só, alguma atitude, que não está necessariamente vinculada a esse efeito comportamental.

Para Peiser e Peter (2001), a impressão de terceira pessoa41

Eles acreditam que, de forma geral, os indivíduos tendem a se considerar superiores aos outros, e isso é demonstrado nas suas impressões sobre si e sobre o outro. Essa tendência na opinião social tem sido explicada em termos motivacionais pela necessidade do que os autores chamam de self-enhancement, uma espécie de autoafirmação, que é o desejo de manter uma concepção positiva do “eu” (self) ou de se sentir bem consigo mesmo (BROWN, 1986 apud PEISER e PETER, 2001). Na bibliografia a respeito da impressão de terceira pessoa parece haver consenso sobre o fato de esta motivação explicar essa tendência perceptiva em particular (DUCK, J. M. et al., 1995; HOORENS; RUITER, 1996; PERLOFF, R., 1999).

(a third-person perception) explica-se porque se superestima o efeito de uma mensagem sobre terceiros em virtude de fatores cognitivos. A grande contribuição destes autores para melhor compreensão de como ocorre o fenômeno do ETP está exatamente na explicação através de conceitos e teorias cognitivas e motivacionais.

Já a explicação cognitiva oferecida por Peiser e Peter pressupõe que as impressões sociais individuais estão sujeitas a constrangimentos da realidade, dados pelo conhecimento das pessoas sobre suas características pessoais. Combinadas, tais tendências podem ser vistas como esclarecimentos complementares à explicação de como ocorre o efeito de terceira pessoa. Ou seja, a tendência individual da impressão de terceira pessoa (third-person perception) é provavelmente dirigida pelo aumento da motivação individual em se autoelevar (fator motivacional que explica porque o fenômeno ocorre) e o quanto o indivíduo demonstra sua opinião a respeito dele e de terceiros, o que depende de fatores cognitivos trabalhando como inibidores (fator cognitivo explicando a extensão do fenômeno).

De forma semelhante, Perloff (2002), Andsager e White (2007) buscam na bibliografia da Psicologia a explicação por que ocorre o efeito de terceira pessoa. Dessa bibliografia destacam-se quatro possíveis respostas.

A primeira delas, chamada efeito better-than-average, traduzido como “melhor do que a média”, entende que os indivíduos que avaliam o efeito sobre os outros se consideram melhores do que terceiros e, portanto, menos influenciáveis no caso das mensagens negativas. É uma impressão que faz parte da natureza humana de entender-se, de alguma forma, como superior aos outros. A segunda, definida como downward comparison, vai no caminho inverso; não é uma perspectiva positiva do eu, mas uma perspectiva negativa dos outros. Uma

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terceira possível explicação é conhecida como ego-deffensive mechanism, segundo a qual quando se trata da exposição a conteúdo entendido como negativo ou inapropriado, o indivíduo tende a, através de um mecanismo de defesa do ego, não se deixar influenciar ou não se sentir influenciado.

Por fim, a quarta e última hipótese retoma Peiser e Peter (2001) e funciona como uma combinação do que há de melhor nas hipóteses anteriores. A razão de autoafirmação, ou self- enhancement motivation, sugere que quando é benéfico não ser influenciado por determinado tipo de mensagem os indivíduos vão reportar que de fato não são influenciados; ao contrário, percebem o efeito nos outros, sobretudo nos mais distantes socialmente. Essa hipótese, como já indicado, fundamenta-se no desejo individual de autoafirmação e na manutenção de uma concepção positiva de si mesmo.

Há ainda outras duas explicações que tentam justificar o fenômeno da impressão de terceira pessoa. A primeira delas é a teoria da atribuição (Attribution theory), que, no seu sentido mais amplo, se refere ao estudo do processo usado pelas pessoas para inferir as causas dos seus comportamentos (PAUL; SALWEN; DUPAGNE, 2000). Paul, Salwen e Dupagne também recorrem à psicologia social nesta empreitada e, baseado em alguns autores, afirmam que é como se os indivíduos agissem como psicólogos ingênuos, procurando entender ações e eventos que são relevantes para eles e formar crenças baseadas nessas observações. Ainda segundo seu relato, a teoria da atribuição possui quatro grandes hipóteses:

1)As pessoas percebem o comportamento como sendo causado e intencional; 2) as pessoas possuem propriedades relacionadas a suas disposições (por exemplo, características, habilidades, intenções); 3) as pessoas avaliam o comportamento como sendo causado por uma combinação de fatores internos ou relacionados às suas disposições (por exemplo, motivações, conhecimento, atitudes, humor, necessidades, opiniões dos outros) e fatores externos ou situacionais (por exemplo, dificuldade da tarefa, sorte); 4) as pessoas percebem que os outros têm características semelhantes as delas42 (PAUL; SALWEN: DUPAGNE, 2000, p. 59).

Ao primeiro olhar, os princípios contradizem a premissa teórica básica do efeito de terceira pessoa, que postula que as pessoas percebem os outros de forma diferente, não similar, o que as torna mais vulneráveis às influências dos media. Entretanto, no seu

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1) People perceive behavior as being caused and intentional; 2) people posses dispositional properties (e.g., traits, abilities, intentions); 3) people assess behavior as being caused by a combination of internal or dispositional (e.g., motivations, knowledge, attitudes, moods, needs, opinions of others) and external or situational (e.g., task difficulty, luck) factors; 4) people perceive that others have similar characteristics as themselves.

desenrolar, os autores argumentam que os estudos da psicologia a respeito da teoria da atribuição, sobretudo aqueles de Fritz Heider, reconheceram que há situações em que as atribuições ao ego (self) e aos outros podem ser diferentes. Gunther (1991) descreveu a importância da teoria da atribuição aplicada à impressão de terceira pessoa:

A teoria da atribuição é pertinente para o efeito em terceira pessoa simplesmente por causa da tendência consistente para estimar a resposta situacional. Pode ou não pode haver atributos relacionados às disposições específicas atribuídas à maior capacidade de persuasão dos outros, mas o ponto relevante é que os observadores veem os outros como mais ou menos suscetíveis à situação43 (p. 357).

Por último, o otimismo tendencioso (biased optimism), sustenta que os indivíduos julgam a si mesmos como menos suscetíveis a experiências com consequências negativas do que os outros. Esta hipótese tem dois pressupostos subjacentes: (1) que as pessoas são capazes de distinguir níveis de um efeito social nos outros de um nível de efeito pessoal em si (societal-others and personal-self level effects); e (2) que as mensagens dos meios de comunicação influenciam as opiniões dos indivíduos sobre risco ou dano (GUNTHER; MUNDY, 1993; TYLER;COOK, 1984). Assim como em explicações já oferecidas, o otimismo aqui descrito tem sido elucidado por tentativas de reforçar a autoestima do indivíduo questionado.

É fato que várias explicações têm sido utilizadas para esclarecer as diferenças da forma como ocorre a impressão do efeito das mensagens em si e nos outros, essas são mais algumas delas, na verdade aparentemente as mais divulgadas nos estudos encontrados. Outras menos populares na bibliografia da área incluem a ignorância pluralista (Pluralistic ignorance) (O’GORMAN; GARY, 1976), a comparação construtiva social (Constructive social comparison) (PARK; SALMON, 2005), a explicação da expertise pessoal (Personal expertise explanation) (LASORSA, 1989); e o impacto diferencial (Differential impact) (TYLER; COOK, 1984).

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Attribution theory is pertinent to the third-person effect simply because of the consistent bias in estimating the situational response. There may or may not be specific dispositional attributes assigned to the greater persuability of others, but the relevant point is that observers see others as more or less responsive to the situation.