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2 CAPÍTULO II – A HIPÓTESE DO EFEITO DE TERCEIRA PESSOA COMO UMA ABORDAGEM DA COMUNICAÇÃO POLÍTICA

2.5 O “ OUTRO ” EM QUESTÃO : O COROLÁRIO DA DISTÂNCIA SOCIAL

Outro fator de influência que não se posiciona dentro das variáveis do receptor, do emissor ou da mensagem é a compreensão de quem é o “outro” em questão. Ao propor esta hipótese, Davison (1983) ofereceu alguns exemplos de tipos diferentes de “outras pessoas”, que se tornariam conhecidas como o objeto da impressão que ele observou e que, por isso, nomeou de “terceira pessoa”. O outro é aquele a quem o entrevistado se refere quando estima o efeito da mensagem.

Nos estudos de ETP a comparação típica inicial é com “outros” entendidos de forma genérica, por exemplo, “eleitores em geral” (DAVISON, 1983), “outros telespectadores” (LASORSA, 1989) ou “a maioria dos americanos” (RUCINSKI; SALMON, 1990). No entanto, as evidências demonstram que a magnitude da discrepância do efeito estimado sobre mim e os outros pode depender, pelo menos em parte, de quem é esse outro com quem o

indivíduo se compara (DUCK et al., 1995). Por exemplo, os efeitos percebidos nos outros são ampliados quando a definição de outro se torna progressivamente mais ampla (COHEN et al., 1988) ou socialmente mais distante (GUNTHER, 1991).

Os exemplos iniciais de Davison (1983) demonstram que esses outros podem ser mais ou menos identificáveis. Isso ocorre de tal forma que se não identificados de maneira semelhante ao entrevistado eles passam a ser percebidos como “diferentes de mim”, o que os relega a um grupo de “outros” generalizado como não sendo eu. Se, por outro lado, o outro formar um conjunto identificável de pessoas, à desvantagem de não ser "eu", soma-se informação suficiente para considerá-las “eles”, o que os difere – ou como preferimos dizer quando se trata do ETP, os distancia socialmente – ainda mais daquele em quem desejamos verificar o efeito. Cabe lembrar que essa identificação do outro é feita no questionário, quando se pede ao entrevistado para estimar o efeito nele e nos outros. Quem descreve o outro sobre o qual se estima o efeito é o pesquisador, dependendo de seus objetivos.

Foram Cohen, Mutz, Price e Gunther (1988) que descreveram os diferentes níveis de outros para introduzir na literatura do ETP a noção de distância social. Desde então, os pesquisadores passaram a examinar a natureza dessas outras pessoas como se elas afetassem a impressão de terceira pessoa; analisando-os desde populações generalizadas a grupos discerníveis. Naquele trabalho, por exemplo, os autores definiram os outros como “outros alunos de Stanford”, o que os torna um grupo geral, porém discernível, assim essa classificação era entendida como generalizante mas não tão generalizante quanto “outros Californianos” (estado americano onde se situa a Universidade de Stanford). Essa última, apesar de mais geral que “outros alunos de Stanford”, ainda era menos abrangente que a última categoria de outros estabelecida pelos pesquisadores: “a opinião pública em geral”, o que se compreende que abranja mais do que a população da Califórnia. É esse tipo de arranjo hierárquico de quem são os “outros” em questão dentro da pesquisa sobre o efeito de terceira pessoa que passou a ser conhecido como distância social ou níveis de distância social.

A distância social se dá, portanto, sempre em comparação. Ela pode ser entendida como o grau de similaridade entre mim e o outro (EVELAND et al., 1999). Essa similaridade pode ser referente a crenças, gostos pessoais, experiências de vida, localização geográfica, idade, gênero, classe social, ideologia política, etc. Ademais, ela deve ser considerada em cada estudo e somente para aquele estudo, já que indivíduos podem ser socialmente próximos relacionados, por exemplo, a ideologia política, mas socialmente distantes quando se trata de localização geográfica. O importante, neste caso, é qual característica é analisada por cada

estudo. Ser socialmente mais distante significa que o indivíduo com quem o entrevistado se compara não faz parte do seu convívio ou não compartilha das mesmas crenças e gostos.

O impacto percebido dos meios de comunicação nos outros, mais especificamente das mensagens, varia de acordo com a proximidade social comigo. Ao analisar um conjunto de 33 bancos de dados que examinaram múltiplos níveis de outros e encontraram evidência da percepção de terceira pessoa (third-person perception), Andsager e White (2007) buscaram determinar se e como a natureza dos “outros” afeta a impressão de terceira pessoa. Nessa jornada teórico-metodológica centrada no corolário da distância social, os “outros” foram operacionalizados de formas bastante diferentes. Para melhor organização e compreensão, os autores agruparam as 34 definições operacionais encontradas em dez categorias, sendo que as cinco primeiras abrangem grupos discerníveis e auto-referentes (self-referent), ou seja, que podem ser identificados pela sua descrição e com o indivíduo questionado. Nesses estudos, a única constante é o conceito do “eu”, o self. Essas categorias são: relações pessoais (amigos, família, etc.); relações educacionais (outros da minha sala, escola, etc.); relação de grupo (outros que fazem parte do meu grupo e outros que não fazem parte do meu grupo); e relações geográficas (outros na minha cidade, estado, etc.)53

O grupo de categoria seguinte condensa aqueles outros que são identificáveis, mas quando se fornece identificação não existe referencial indicado para usar como base. São: relações de idade (outros mais jovens que do que eu, mais velhos, etc.); educação (do ensino médio, universidade, etc.); raça; e gênero

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Personal relationships (friends, family, etc.); educational relationship (others in my class, school, etc.); group relationships (in-group others and out-group others); geographic relationships (others in my city, state, etc.); age relationships (others younger than I, older, etc.).

. A nona categoria foi nomeada targeted others, o que aqui se traduz como outros alvos. Esses são discerníveis por sua relação mais ou menos próxima com a mensagem. É o que Meirick (2005a) chama de corolário do alvo (target corollary), que significa que quanto mais um grupo é percebido como o destino de um tipo de conteúdo mediático, maior será o efeito presumido sobre eles. Se a memória não falha, é fácil lembrar o exemplo. Foi o caso descrito por Davison das tropas afro-americanas definidas por seus líderes como alvo da propaganda; cujo conteúdo havia sido adaptado especificamente para eles. Naquele contexto eles foram definidos pela mensagem. Finalmente, a décima

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Especificamente sobre o gênero, os autores esclarecem que: Of course, a male participant would understand

that a female other is not a member of "my" gender, but that would be a determination the participant would have to make on his own, without having been prompted to consider the self per se. Furthermore, in these studies the identity of the others in question remains constant as one progresses from participant to participant. The population of females is the same group of people, regardless of the gender of the person engaging in third- person perception. Thus, in these studies actually describing some population of others leads to an understanding of who comprises the others (ANDSAGER; WHITE, 2007, p. 88).

categoria de outros inclui aqueles não identificáveis e sem grupo de referência. São os outros em geral ou at-large others. Eles são compostos de coletivos indiferenciados, tais como “a opinião pública em geral” ou “nosso público em geral”.

Além dessa categorização, o resultado desse trabalho foi a comprovação da hipótese de que mensagens nas quais é possível identificar os outros, tendo a mensagem como referencial, esses outros são vistos como mais influenciados do que quando o outro em questão é identificável mas comparado à primeira pessoa. Ou seja, se o outro em questão é identificável, seja comparado com o “eu” (self) ou com a mensagem, há uma escala de influência presumida que tende a ser maior quando a comparação se dá com a mensagem. Se o outro não é identificável, a impressão do efeito é ainda maior do que aquela quando há discernimento do outro referente à mensagem. Em consonância com a pesquisa geral a respeito desta hipótese, existe uma tendência comum dos indivíduos avaliarem o grupo social ao qual pertencem de forma mais favorável do que outros grupos.

Figura 2: Influência persuasiva percebida de acordo com seu referente

Fonte: ANDSAGER; WHITE, 2007, p. 94.

Saindo do nível puramente descritivo, é mais fácil compreender o fenômeno observando resultados de alguns trabalhos. Duck et al. (1995;1998) relataram um efeito de terceira pessoa forte quando o “outro” em comparação era uma pessoa comum, desconhecida do indivíduo; no entanto, quando o outro era um amigo próximo do entrevistado não se verificou discrepância significativa na comparação. No geral, as pesquisas a respeito deste fenômeno (EVELAND et al., 1999; MEIRICK, PATRICK C., 2004; PAEK et al., 2012; SCHIMEL et al., 2000) têm relatado que a magnitude do efeito é bastante atenuada, e às vezes reversa, quando “outro” é um amigo próximo ou parente, ou que de alguma forma faça parte do círculo social do entrevistado.

Revendo a discussão que já estava presente no texto seminal de Davison e a partir da noção estabelecida por Cohen e sua equipe (1988), muitos pesquisadores passaram a se dedicar ao estudo da relação entre o ETP e a proximidade do outro com o indivíduo

(ANDSAGER e WHITE, 2007; BRANDT et al., 2009; COHEN et al., 1988; DUCK, 1998; GUNTHER,1991; PEISER e PETER; 2000). Baseado no princípio da distância social e buscando entender como acontece a percepção das diferenças nas relações interpessoais, Duck (1998) buscou averiguar se há mudança na impressão do ETP quando este é testado através da identidade social (identidade de um grupo) e através da identidade pessoal (identificação entre os indivíduos). Os experimentos mostraram que os fatores de maior influência sobre o efeito de terceira pessoa são as semelhanças e diferenças interpessoais, de modo que, quando há similaridade entre os indivíduos, as impressões de terceira pessoa são moderadas.

Resultados semelhantes foram encontrados por Duck e Mullin (1995) na condução de dois experimentos comparando indivíduos distantes e próximos, para testar se a magnitude da impressão do efeito crescia conforme a distância aumentava. Eles notaram que a sensação da diferença entre o entrevistado e o outro é maior quando se pede que a pessoa julgue o impacto dos media na opinião de um grupo maior, mais distante dele em termos sociais.

Em contrapartida, Perloff (1993), Peiser e Peter (2000) chamam a atenção para o fato de que esta relação de linearidade entre o efeito e a distância social observada nas investigações de Cohen, seus colaboradores (1988) e Duck (1998), não foi encontrada no estudo de Cohen e Davis (1991), por exemplo. De acordo com Perloff (1993), as discrepâncias nos resultados relatados pelas pesquisas se devem aos diferentes graus de proximidade entre os indivíduos nas análises da distância social; que, mesmo sistematizada, não tem nada de exata. Nesse sentido, Perloff argumenta que a complexidade do conceito se dá por causa da variação dessa proximidade entre o outro e aquele sobre quem se verifica o efeito (o “eu”), de modo que as pessoas próximas ao indivíduo podem ser muito próximas ou pouco próximas; e quem pode fazer essa avaliação é somente o self, ou seja, o entrevistado. Isso pode fazer com que o indivíduo perceba, por exemplo, que a influência nos colegas de trabalho é menor do que na família, ou vice-versa.

Por outro lado,

enquanto existem situações nas quais as pessoas veem a si mesmas como indivíduos únicos, diferente de todos os outros, há muitos contextos sociais nos quais as pessoas se veem predominantemente como membros de um grupo ou de uma identidade social compartilhada. Nestes contextos um processo de autocategorização despersonaliza a impressão do “eu” e do outro em termos de protótipos relevantes do grupo (normas, estereótipos) (DUCK et al., 1995, p. 198)55

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While there are situations in which people view themselves as individual or unique persons, different from all others, there are many social contexts in which people view themselves predominantly as group members with a

Aqui se cria mais um problema. A partir da ideia de autocategorização de Duck et al. (1995) propõe que a impressão de terceira pessoa (third-person perception) vai ocorrer em diferentes graus, de acordo com o entrevistado (o “eu”) e o outro, em categorias de in-group, pertencente ao mesmo grupo social, ou out-group, que não pertence ao mesmo grupo social.

Neste estudo os autores exploraram os efeitos da participação em grupo sobre a impressão dos entrevistados a respeito do impacto do conteúdo de uma campanha política, incluindo relatos de notícias, pesquisas de opinião, anúncios políticos promovendo políticas de partidos e anúncios negativos atacando candidatos de oposição e suas políticas. Os entrevistados avaliaram o grau de influência dos meios de comunicação em si mesmos, nos membros do seu grupo, nos membros de fora do grupo e nos eleitores em geral. Os resultados demonstraram que os entrevistados viram a si mesmos como menos influenciados do que os membros do seu grupo, os quais, por sua vez, foram vistos como menos influenciados do que os membros de fora do grupo (outgroups). No geral, os resultados oferecem forte evidência para ocorrência ETP no contexto de campanhas políticas. Também indicam que o pertencimento a um grupo afeta a magnitude percebida da influência dos meios de comunicação em mim e no outro, conforme a tendência de pesquisa já vinha demonstrando.

A distância social em si pode ser dividida em várias e diferentes dimensões, como bem explicam Perloff (1993;1996), Andsager e White (2007). Todas essas dimensões da distância social entram em contato com a similaridade percebida, a familiaridade e a identificação (PERLOFF, 1993) entre o entrevistado e o outro. Assim, atribui-se ao chamado corolário da distância social o mesmo valor que se atribui às variáveis de influência no estudo da hipótese do efeito de terceira pessoa. Sem seu reconhecimento e compreensão não há entendimento do fenômeno.