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I NSCRIÇÕES P OLÍTICAS

No documento Inscrições urbanas: abordagem semiótica (páginas 101-106)

2 N ORMAS E V ALORES

2.5 M ODELO NORMATIVO

2.6.1 I NSCRIÇÕES P OLÍTICAS

Provindas do Maio de 68 em Paris, as inscrições políticas são caracterizadas por uma tipografia simples e pela utilização dos muros como suporte. O valor reconhecimento ainda está sendo consolidado em função de valores político-sociais, a reprodução de frases nos muros parisienses busca o engajamento da população, mas ao mesmo tempo emprega recursos poéticos para fazer-se ver. A carência de desenvolvimento visual é compensada pela elaboração no plano do conteúdo e no plano da expressão verbal.

Além de informar ou engajar o enunciatário, as inscrições políticas já atentavam para a sua sensibilização por meio de recursos poéticos. Fazer com que o enunciatário reconhecesse os slogans políticos reproduzidos na cidade é um modo de diferenciar-se das outras comunicações públicas, bem como o nível de desenvolvimento poético de cada inscrição política gerava certa competição entre seus produtores. Mostrar suas habilidades como escritor, comunicador e ativista político sob a forma concentrada de uma frase no muro entrava no escopo da prática.

Figura 42 – Inscrição política parisiense34

(INVENTIN, 2016) ___________________

A transgressão de um espaço público para comunicar-se aproxima as inscrições urbanas parisienses das de Nova Iorque, a forma de fazê-la distingue essas modalidades, pois enquanto estas inscrições exploram a linguagem visual, aquelas são essencialmente desenvolvidas na semiótica verbal e enquanto o valor reconhecimento almejado pelas inscrições estadunidenses é conduzido para uma autopromoção, nas inscrições políticas, ele é buscado para uma conscientização da população. Esse caráter político vai perder sua intensidade ao longo da história das inscrições urbanas, mas será recuperado por alguns artistas como Miss.tic e Banksy.

Na relação entre normas, as inscrições políticas são formadas do mesmo modo que as tags, a saturação dos valores e a extenuação das normas instauram a necessidade de resolução, que vai em direção da exclusão das normas sociais para a inovação endógena determinante. No entanto o contexto social molda as normas de cada região. No Maio de 68, o conservadorismo, nas tags, a exclusão social.

2.6.2 TAG E THROW-UP

Tag, termo em inglês que designa etiqueta, é o nome elaborado em forma de assinatura codificada, com traços simples, de fácil reconhecimento, reproduzida rápida e repetidamente pelo inscritor.

Figura 43 – Metrô de Nova Iorque repleto de tags

Throw-up, que em inglês significa “vômito”, é um estilo entre a tag e o grafite, pois é feito de forma rápida e repetitiva, mas com maior elaboração tipográfica em comparação à tag, ou seja, escrito em duas letras arredondadas e em duas cores, sendo uma o contorno, a outra o preenchimento (ELLSWORTH-JONES, 2013, p. 43).

Figura 44 – Throw-up de Haze, Nova Iorque anos 1970

(SUBWAY OUTLAWS, 2016)

Iniciadores do movimento que se desdobrou nas diversas modalidades de intervenção urbana, a tag e o throw-up, em disjunção com as normas sociais, promovem a seleção de seus valores e marca a inovação endógena pela instauração de valores saturados e normas extenuadas. Na etapa de resolução, normas sociais são adequadas aos valores de concentração ligados ao reconhecimento e a interdição social ganha relevância enquanto limite para transgressão. Rapidamente, as normas sociais são mudadas e novas normas são estabelecidas pelo grupo, caracterizando a inovação endógena determinante.

A conformidade da tag e do throw-up proporcionou sua consolidação pelos valores de concentração e pela triagem tônica das normas sociais, mas durante os anos de 1970, a diminuição de intensidade na triagem conduziu a tag e o throw-up a uma recuperação da intensidade dessa triagem por meio do grafite. O excesso de produção e o estabelecimento de regras rígidas para realização da prática levaram a sua rápida saturação e por consequência, a uma perda significativa do valor reconhecimento. Por exemplo, o estilo padronizado das letras, com uma tipografia arredondada, o uso indiscriminado do suporte e a repetição excessiva homogeneizaram a prática, que

exigia cada vez mais uma maior reprodução da assinatura para alcançar o valor reconhecimento. O caso de IN quantifica o percurso para tornar-se um king:

Os pintores especializados em vagões inteiros, como Lee ou Blade, qualificavam abertamente o throw-up como um “monte de lixo” e lamentaram-se de que a popularidade que estava sendo alcançada por ela supunha a morte do grafite. IN celebrou seu throw-up número cinco mil com a pintura de um vagão inteiro de forma espetacular, coberto de estrelas e de colorido igual a um arco-íris. Como se quisesse demonstrar que ele também podia fazer peças maiores, se assim o fizesse. Em seguida, voltou a seus throw-ups sem graça, e dizem que não parou de fazê-los até alcançar o número dez mil. Nesse momento, segundo Tracy 168, “IN foi declarado rei de todas as linhas” [do metrô]35 (CASTLEMAN, 2012, p. 92-93, tradução

própria).

Assim, a repetição exaustiva da tag desencadeou uma tentativa de diferenciação plástica para obtenção do reconhecimento: o throw-up. Contudo as normas da tag foram preservadas nessa evolução tipográfica, chegando aos mesmos impasses. Ao longo do tempo, as duas modalidades já não representavam tão bem os valores de reconhecimento exigidos por uma parte do grupo e a alta intensidade da triagem feita pelo enunciador no início torna-se átona, graças ao surgimento de novas modalidades, à manutenção das normas estabelecidas e à tolerância social à prática. Por essa restrição, a prática deixou de ser novidade, diluiu-se na massificação da produção e já não gerava o impacto almejado na cena enunciativa, em decorrência disso, as modalidades tornaram-se estáveis e atualmente suas normas não exigem uma numerosa reprodução.

A falta de adequação aos valores de reconhecimento fez com que a lógica da quantidade fosse substituída pela lógica da qualidade. O reconhecimento deveria ser atingido, a partir de então, pela elaboração plástica de poucas obras, ao invés da multiplicação de obras simples. Surge o grafite.

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35 Los pintores especializados en vagones enteros, como Lee o Blade, calificaban abiertamente la “pota” de

“montón de basura” y empezaron a lamentarse de que la popularidad que estaba alcanzando suponía la muerte del grafiti. IN celebró su pota número cinco mil pintando un “vagón entero” de lo más espectacular, cubierto de estrellas y colorido cual un arco iris, como si quisiera demostrar que él también podía hacer piezas mayores si lo proponía. Luego volvió a sus pálidas y churretosas potas, y se dice que no paró hasta que hubo completado la número diez mil.

2.6.3 GRAFITE

Na busca pelo reconhecimento, parte do grupo social não via mais nas modalidades das inscrições urbanas vigentes (tag e throw-up) um modo de alcançar seus valores. Mesmo partilhando da rejeição às normas sociais, as normas endógenas não eram suficientes. Assim, o grafite era formado de uma necessidade pelo impacto causado não mais por meio da repetição exaustiva da assinatura, mas pela elaboração da peça, colorida, acompanhada de figuras da cultura pop e impressas nos vagões do metrô, que circulavam por toda cidade. Com essa estratégia, a repetição dava-se pela circulação do metrô e como sua passagem pelos bairros era rápida, o desenho deveria chamar suficientemente atenção para se destacar na paisagem urbana tão transitória.

Figura 45 – Grafite United Artists

(CHALFANT; JENKINS, 2014, p. 61)

A inovação endógena determinante marca mais uma vez o surgimento de mais uma modalidade. O valor saturado e as normas endógenas extenuadas na etapa da instauração possuem uma resolução acelerada e novas normas são criadas para ajustarem-se ao desejo de reconhecimento. Porém encontra-se nas normas artísticas um meio eficaz para desenvolver as normas endógenas. A originalidade começaria a reger essa nova produção, ignorada completamente pelo mercado de arte. Uma mistura átona entre as normas endógenas da tag/throw-up e as normas artísticas, somada a uma manutenção da triagem tônica das normas sociais, gerariam as normas endógenas do grafite.

Com o passar do tempo, a modalidade estabelece-se e exclui toda e qualquer interferência de outras normas, inclusive as artísticas, que serviram somente para formar as normas endógenas do grafite. Essa inicial triagem tônica das normas criadas

em prol de sua concentração, perde intensidade e abre caminho para a inauguração de novas normas, pois as determinações de “pureza” do grafite já não refletiam os valores de reconhecimento.

Portanto, o grafite originário dos anos de 1970 avistou nas normas artísticas uma possibilidade de mistura com as normas endógenas da tag/throw-up, preservando a triagem de seus valores em detrimento das normas sociais, que impediam seu reconhecimento devido ao conflito de valores. Porém, ao longo do tempo, essa intensidade na formação das normas do grafite vai diminuindo e abre espaço para outras possibilidades. O grafite segue o mesmo caminho das modalidades anteriores, porque tria suas próprias normas sem considerar o engessamento normativo que desconsidera em parte o valor reconhecimento.

Por exemplo, o tamanho, o lugar e o estilo da piece fundamentam o grafite, que tem como referência a triagem das normas sociais, contudo, a mudança de suporte, o desenvolvimento da técnica e a institucionalização chocam-se com as determinações do grafite e alinham-se às normas artísticas, mais interessada na elaboração pictórica e na utilização do espaço como integrante da obra, que na pura transgressão social do espaço. Dessa forma, o grafite encerra-se em suas normas e abre caminho para a formação da arte urbana. As normas do grafite preservam-se e sua associação ao movimento do hip-hop, que partilha dos mesmos valores de transgressão das normas sociais, contribui para a manutenção de suas normas.

No documento Inscrições urbanas: abordagem semiótica (páginas 101-106)