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Iconicidade e descrição imagética

4.1 Processos morfológicos em modalidades distintas

4.1.6 Iconicidade e descrição imagética

Finalmente, devido à peculiaridade da modalidade visuoespacial, é possível observar outro processo morfológico, a iconicidade. Felipe (2006) afirma que devido à característica gestual-visual, pode-se introduzir a mímica em um contexto discursivo; um objeto, uma qualidade de um objeto, um estado, um processo ou uma ação pode mimeticamente ser representada em conjunto com a estrutura frasal.

Esse processo forma novos sinais e se mostra altamente produtivo porque tais expressões faciais e corporais podem enriquecer os itens lexicais, estabelecendo contextos discursivos. O processo mimético, segundo a autora, credencia a mímica como forma linguística que representa iconicamente o referente a partir dos parâmetros de configuração sígnica e da sintaxe da língua. Nota-se que não se faz mímica simplesmente, a mímica é incorporada pela língua e se estrutura a partir dos parâmetros das LSs, como acontece com as onomatopeias nas línguas oral-auditivas.

Klima e Bellugi (1979) se propuseram a analisar as diferenças entre a representação mimética espontânea de mera pantomima e os sinais regulares em ASL, concluíram que muitos dos sinais regulares exibem traços de propriedades miméticas, apesar de essas serem características da pantomima. Perceberam ainda que, nas línguas de sinais, há níveis de iconicidade, levando-os a associar essa noção a um referente. Na opinião dos autores, existe uma relação icônica na qual os elementos da forma de um sinal são relacionados a aspectos visuais daquilo que é denotado, apesar de a iconicidade não determinar os verdadeiros detalhes da forma propriamente dita.

Strobel e Fernandes (1998) enfatizam que a possibilidade de se incorporar à Libras signos representados por meio da iconicidade não se opõe ao caráter arbitrário das línguas sinalizadas.

A modalidade gestual-visual-espacial pela qual a LIBRAS é produzida e percebida pelos surdos leva, muitas vezes, as pessoas a pensarem que todos os sinais são o “desenho” no ar do referente que representam. É claro que, por decorrência de sua natureza linguística, a realização de um sinal pode ser motivada pelas características do dado da realidade a que se refere, mas isso não é uma regra. A grande maioria dos sinais da LIBRAS são arbitrários, não mantendo relação de semelhança alguma com seu referente (STROBEL; FERNANDES, 1998, p. 5).

Luchi (2013) apresenta a discussão em torno do caráter icônico nas LSs, sendo quase impossível dissociar o conceito de arbitrariedade. Isso se dá por várias implicações, sendo uma delas o status linguístico das línguas sinalizadas. Há a crença de que se um sistema de comunicação possuir mais signos icônicos e menos arbitrários descaracterizaria este como não sendo realmente linguístico, não sendo língua. Sobre essa questão, Luchi (2013) nos traz uma compreensão dos conceitos signo e significante, apresentados por Saussure (1916), aplicáveis às LSs:

“O significado não é o objeto concreto em si, mas sim a representação mental que constituímos do objeto. Assim também, o significante desse signo não é a articulação do sinal, mas a representação mental que os sinalizadores têm da imagem desse sinal, que os permite reconhecer o signo ‘mesa’ quando é sinalizado e reproduzi-lo, o que nos leva a concluir que ambas as partes do signo são abstratas por se encontrarem no plano da representação mental” (LUCHI, 2013, p. 32)

Ao apresentarem a diferença entre sinais icônicos e arbitrários, Strobel e Fernandes (1998, p. 7) pontuam que sinais icônicos na Libras são: “gestos que fazem alusão à imagem do seu significado. Isso não significa que os sinais icônicos são iguais em todas as línguas. Cada sociedade capta facetas diferentes do mesmo referente, representadas através de seus próprios”.

Cuxac (2001) salienta que a LS tem sua estrutura gramatical distinta da língua oral pelo efeito visual que abrange a iconicidade, a corporeidade, as representações relevantes da imagética, a analogia, a característica não discreta das unidades significativas, as manipulações espaciais e a pertinência do espaço de realização das mensagens gestuais, o caráter impreciso das distinções verbal/não-verbal e semântico-sintático. Assim, a percepção visual cria novo signo de acordo com o mundo que se vê.

Para Campello (2008) no que se refere à representação do ‘ver’ linguístico na Libras e da estratégia do uso da imagem para construir um conceito, vale observar que nem sempre o que se quer transmitir é feito a contento, podendo acontecer a perda de seu sentido. Explica a autora:

“É preciso considerar com Vygotsky, que os signos são produzidos pelos sujeitos ao mesmo tempo em que estes últimos são produzidos como sujeitos “pensantes” pelo próprio signo. Não se pode, portanto, considerar somente a relação de perceptivas e interpretação numa comunicação visual. Assim, o próprio percepto como signo está prenhe de sentidos e significados construídos pelo pensamento visual de quem se constitui pela visualidade, diferenciando-se, da forma marcada, do sujeito não-surdo que se constituiu pelas palavras/signos da oralidade”. (CAMPELLO, 2008, p. 157)

A natureza bidimensional, tridimensional e até quadridimensional e seu canal visuoespacial criam novos tipos de estruturas, chamados de classificadores, e estas estruturas estão sempre atreladas a novos conceitos e descrições imagéticas (CAMPELLO, 2008). A seguir, exemplos de dois sinais criados por motivação icônica em Libras.

Figura 15 – Sinal de Casa e Sinal de Árvore, em Libras.

Fonte: Acervo pessoal da autora.

O sinal CASA é feito através da união das mãos, formando, de maneira icônica, o telhado de uma casa. O sinal ÁRVORE apresenta o braço como o tronco da árvore e os dedos como os galhos, enquanto a outra mão funciona como base.

Nesse sentido, Campello (2008) afirma que por meio da iconicidade do signo visual são construídas relações prováveis que permitem o surgimento de signos mais elaborados a partir das representações das informações registradas e visuais, e da construção mental da imagem. De forma que a descrição imagética constrói e é desenvolvida por uma espacialidade entre a elaboração perceptiva e reflexiva das marcas visuais que ultrapassam o recorte icônico para serem flagradas em sutis indícios (FERRARA apud NAKAGAWA, 2006).

A autora avança na discussão ao demonstrar que nas línguas de sinais é possível duas formas de produção de significado, uma pelo léxico padrão e apontamentos manuais e outra por descrições imagéticas que são compostas por tipos de transferências. Amparada nos estudos iniciais feitos por Cuxac (1996), propõe cinco tipos de transferências7, a saber: 1) Transferência de Tamanho e de Forma (TTF); 2) Transferência Espacial (TE); 3)

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Para compreensão dos tipos de transferências que compõem ‘descrições imagéticas’ recomenda-se a leitura da tese de Campello (2008): “Pedagogia Visual na Educação dos Surdos’.

Transferência de Localização (TL); 4) Transferência de Movimento (TM) e 5) Transferência de Incorporação (TI).

Finalizamos esta seção com a reflexão trazida por Castro Júnior (2011), se a LS for considerada icônica só por causa da sua forma ou da representação visual do objeto, ela não é considerada língua. Faulstich (2006) acrescenta, para ser uma língua é preciso ter construção mental, porque nenhuma língua é só forma, é também conteúdo.