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4.1 Processos morfológicos em modalidades distintas

4.1.2 Processos composicionais

A expansão do léxico abrange dois processos gerais de formação de palavras: a derivação, já mencionada, e a composição. O estudo desses processos parte de uma perspectiva sincrônica, considerando a existência de palavras simples e compostas. As simples podem ser primitivas e derivadas, e as compostas, formadas a partir das simples.

Petter (2003, p. 72) explica que “a composição distingue-se da derivação por seu próprio mecanismo de estruturação, enquanto que pela derivação expressam-se noções comuns e gerais, o processo de composição permite categorizações mais particulares”. A associação de dois elementos independentes cria formas compostas, muitas vezes desvinculadas do significado particular de cada um de seus componentes, como se vê em ‘amor-perfeito’. Vale destacar que a composição é o processo de formação de palavras atestado em uma extensa variedade de línguas, e assumido como um processo universal (GREENBERG, 1963; FROMKIN et al., 1996; LIBBEN, 2006; DRESSLER, 2006).

Nóbrega (2015) determina imprescindível que qualquer teoria sobre formação de palavras explique como os variados tipos de compostos encontrados nas línguas são gerados, assim como, o porquê, como e em que medida as formações diferem superficialmente. A autora sugere que, embora essas relações gramaticais sejam universais, o modo como as línguas naturais emolduram morfologicamente seus compostos varia de maneira considerável:

Assim sendo, as relações gramaticais caracterizam-se como a propriedade da composição que deve ser abarcada pelo componente gerativo, ao passo que as estruturas morfológicas da composição, bem como os processos fonológicos que definem os compostos dentro de uma língua particular, caracterizam os aspectos variáveis desse processo, translinguisticamente e, portanto, estão a cargo dos componentes morfológico e fonológico da gramática (NÓBREGA, 2015, p. 93).

Para Cunha (2008), o processo de composição consiste em formar novo item lexical a partir da junção de dois ou mais radicais. O produto, por sua vez, apresenta uma ideia única, que pode ser diferente dos sentidos expressos pelos seus componentes. O autor enumera dois tipos de composição: (a) por justaposição e (b) por aglutinação. Enquanto no primeiro tipo os

componentes da palavra são ligados geralmente por hífen, no segundo, eles se unem, tornando-se apenas um vocábulo.

Quanto à forma, os elementos de uma palavra composta podem estar simplesmente justapostos, conservando cada qual a sua integridade, exemplifica Cunha (2008): beija-flor, pé-de-meia, segunda-feira. Do ponto de vista fonológico, na composição por justaposição tem-se a junção dos morfemas lexicais, mantendo-se sua autonomia fonológica. De maneira adversa, na composição por aglutinação, tem-se a junção de dois morfemas lexicais, resultado na perda da autonomia fonológica de um dos componentes. Citam-se, como modelos, as palavras embora (em + boa + hora), aguardente (água + ardente) e planalto (plano + alto).

Semelhantemente, Rodero-Takahira (2015) aponta a ocorrência, em Libras, de sinais formados pela junção de dois itens lexicais sinalizados em sequência com todos seus componentes morfológicos, caracterizando-os como compostos por justaposição. Em contrapartida, verifica-se a formação de sinais em que um ou mais de seus componentes morfológicos são alterados ou não realizados, caracterizando-os como compostos por aglutinação.

Esse tipo de formação foi observado também por Figueiredo Silva e Sell (2009) que consideraram a composição um processo produtivo em LS. Para as autoras, os compostos podem ser classificados conforme a modalidade visual. Os compostos denominados ‘aparentes’ apresentam “ordem variável entre os sinais que os compõem, e cada sinal pode ocorrer isoladamente” (FIGUEIREDO SILVA; SELL, 2009, p. 17).

Citam como exemplo desta classificação a combinação dos sinais independentes de HOMEM ou MULHER com um sinal base. É o que ocorre na formação dos sinais de MENINO e MENINA, formados pela junção dos sinais MULHER + PEQUENO e HOMEM + PEQUENO, respectivamente.

Figura 11 – Sinal de Menina e Sinal de Menino, em Libras.

Fonte: Acervo pessoal da autora.

Por outro lado, as autoras esclarecem que esta combinação entre sinais não pode ser entendida como verdadeira composição – por isso a nomeação aparente, tendo em vista que a ordenação entre os sinais é variável, embora a ordem mais comum seja [HOMEM + N] ou [MULHER + N].

Já os compostos considerados verdadeiros, para as autoras, são caracterizados pela ordem fixa entre os itens lexicais, isto é, há uma sequência na articulação dos sinais que não pode ser alterada; por exemplo, em VIGIA ou COSTUREIRA seguem a ordem [SUJEITO + AÇÃO VERBAL], necessariamente [HOMEM + VIGIAR], [MULHER + COSTURAR].

Figura 12 – Sinal de Costureira e Sinal de Vigia, em Libras.

Fonte: Acervo pessoal da autora.

A exigência de uma ordem fixa para compostos em Libras é uma propriedade também verificada em compostos de línguas orais, pois é capaz de distinguir os compostos não apenas

de sintagmas da língua, mas ao menos de certas expressões idiomáticas, afirma Katamba (1993). Segundo o autor, enquanto os elementos de um sintagma nominal podem ser separados por certos processos sintáticos, os elementos que integram um composto não podem sofrer tais processos.

Um tipo muito produtivo de formação de compostos em Libras refere-se a itens lexicais que se unem para formar novos vocábulos designando locais. Trata-se do terceiro tipo de composição apresentado por Figueiredo Silva e Sell (2009). Exemplo: compostos são gerados a partir da justaposição dos itens lexicais [CASA + N]. Observa-se que, além da sequência fixa dos itens lexicais, há a obrigatoriedade de dois sinais, existentes como formas independentes na língua, fato que ocorre em ESCOLA e IGREJA, formados pela junção de [CASA + ESTUDAR] e [CASA + CRUZ], respectivamente.

Nas línguas sinalizadas, para a formação de compostos, os itens lexicais incorporam- se à língua seguindo as limitações de seus articuladores. Sobre a questão, Aronoff et al. (2004) explicam que, em virtude da modalidade das línguas sinalizadas, há a possibilidade de ocorrência de um tipo de composição impossível de ser verificada em línguas orais: a composição simultânea. Isto se justifica porque tal modalidade utiliza dois articuladores – as duas mãos; assim, os compostos podem ser criados, em princípio, por articulação simultânea de dois sinais diferentes, um em cada mão.

Dentro desta ótica, Liddell (1984), ao investigar compostos em ASL, verificou que mudanças predicáveis ocorrem no composto pelo fato de estar sujeito à aplicação de regras que concordam com a especificidade das LSs. O autor observou que na formação de sinais compostos, partes de um ou de ambos os sinais eram apagadas em favor da preservação de determinadas organizações sequenciais. Sobre o assunto, Liddell (1984) especifica regras de formação dos sinais compostos, resultando na alteração dos sinais integrantes da composição em relação a cada um dos sinais individuais, a) regra do contato; b) regra da sequência única; c) regra da antecipação da mão dominante.

A regra do contato diz que, se a mão entra em contato com o corpo na articulação de sinal, quando o mesmo integrar uma composição, envolverá apenas o segmento de suspensão, excluindo os demais. Em consonância, Quadros e Karnopp (2004) argumentam que quando dois sinais ocorrem juntos para formar um composto, caso o primeiro sinal apresente contato, este tende a permanecer; se o primeiro sinal não apresentar, mas o segundo, sim, o contato permanece na composição.

A regra da sequência única demonstra que quando sinais compostos são formados, o movimento interno ou a repetição do movimento de um sinal é eliminado. Por sua vez, a

regra da antecipação da mão não dominante, aponta que, frequentemente, a mão passiva do sinalizador antecipa o segundo sinal no processo de composição.

Sob essa perspectiva, os compostos formados por três ou mais itens lexicais parecem ser mais complexos. Aronoff et al. (2004) assumem a possibilidade de os compostos derivarem de longas sequências de palavras não estruturadas e, com o uso frequente na língua, tendem a ser reduzidos, culminando em unidades de duas ou três palavras.