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Idéias inatas: são aquelas que não poderiam vir de nossa experiência sensorial porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir de

No documento Unidade 1: A Filosofi a (páginas 87-91)

A razão: inata ou adquirida?

3. Idéias inatas: são aquelas que não poderiam vir de nossa experiência sensorial porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir de

nossa fantasia, pois não tivemos experiência sensorial para compô-las a partir de nossa memória.

As idéias inatas são inteiramente racionais e só podem existir porque já nascemos com elas. Por exemplo, a idéia do infinito (pois não temos qualquer experiência do infinito), as idéias matemáticas (a matemática pode trabalhar com a idéia de uma figura de mil lados, o quiliógono, e, no entanto, jamais tivemos e jamais teremos a percepção de uma figura de mil lados).

Essas idéias, diz Descartes, são “a assinatura do Criador” no espírito das criaturas racionais, e a razão é a luz natural inata que nos permite conhecer a verdade. Como as idéias inatas são colocadas em nosso espírito por Deus, serão sempre verdadeiras, isto é, sempre corresponderão integralmente às coisas a que se referem, e, graças a elas, podemos julgar quando uma idéia adventícia é verdadeira ou falsa e saber que as idéias fictícias são sempre falsas (não correspondem a nada fora de nós).

Ainda segundo Descartes, as idéias inatas são as mais simples que possuímos (simples não quer dizer “fáceis”, e sim não-compostas de outras idéias). A mais famosa das idéias inatas cartesianas é o “Penso, logo existo”. Por serem simples, as idéias inatas são conhecidas por intuição e são elas o ponto de partida da dedução racional e da indução, que conhecem as idéias complexas ou compostas. A tese central dos inatistas é a seguinte: se não possuirmos em nosso espírito a razão e a verdade, nunca teremos como saber se um conhecimento é verdadeiro ou falso, isto é, nunca saberemos se uma idéia corresponde ou não à realidade a

que ela se refere. Não teremos um critério seguro para avaliar nossos conhecimentos.

O empirismo

Contrariamente aos defensores do inatismo, os defensores do empirismo afirmam que a razão, a verdade e as idéias racionais são adquiridos por nós através da experiência. Antes da experiência, dizem eles, nossa razão é como uma “folha em branco”, onde nada foi escrito; uma “tábula rasa”, onde nada foi gravado. Somos como uma cera sem forma e sem nada impresso nela, até que a experiência venha escrever na folha, gravar na tábula, dar forma à cera.

Os empiristas ingleses

No decorrer da história da Filosofia muitos filósofos defenderam a tese empirista, mas os mais famosos e conhecidos são os filósofos ingleses dos séculos XVI ao XVIII, chamados, por isso, de empiristas ingleses: Francis Bacon, John Locke, George Berkeley e David Hume.

Na verdade, o empirismo é uma característica muito marcante da filosofia inglesa. Na Idade Média, por exemplo, filósofos importantes como Roger Bacon e Guilherme de Ockham eram empiristas; em nossos dias, Bertrand Russell foi um empirista.

Que dizem os empiristas?

Nossos conhecimentos começam com a experiência dos sentidos, isto é, com as sensações. Os objetos exteriores excitam nossos órgãos dos sentidos e vemos cores, sentimos sabores e odores, ouvimos sons, sentimos a diferença entre o áspero e o liso, o quente e o frio, etc.

As sensações se reúnem e formam uma percepção; ou seja, percebemos uma única coisa ou um único objeto que nos chegou por meio de várias e diferentes sensações. Assim, vejo uma cor vermelha e uma forma arredondada, aspiro um perfume adocicado, sinto a maciez e digo: “Percebo uma rosa”. A “rosa” é o resultado da reunião de várias sensações diferentes num único objeto de percepção.

As percepções, por sua vez, se combinam ou se associam. A associação pode dar- se por três motivos: por semelhança, por proximidade ou contigüidade espacial e por sucessão temporal. A causa da associação das percepções é a repetição. Ou seja, de tanto algumas sensações se repetirem por semelhança, ou de tanto se repetirem no mesmo espaço ou próximas umas das outras, ou, enfim, de tanto se repetirem sucessivamente no tempo, criamos o hábito de associá-las. Essas associações são as idéias.

As idéias, trazidas pela experiência, isto é, pela sensação, pela percepção e pelo hábito, são levadas à memória e, de lá, a razão as apanha para formar os pensamentos.

A experiência escreve e grava em nosso espírito as idéias, e a razão irá associá- las, combiná-las ou separá-las, formando todos os nossos pensamentos. Por isso, David Hume dirá que a razão é o hábito de associar idéias, seja por semelhança, seja por diferença.

O exemplo mais importante (por causa das conseqüências futuras) oferecido por Hume para mostrar como formamos hábitos racionais é o da origem do princípio da causalidade (razão suficiente).

A experiência me mostra, todos os dias, que, se eu puser um líquido num recipiente e levar ao fogo, esse líquido ferverá, saindo do recipiente sob a forma de vapor. Se o recipiente estiver totalmente fechado e eu o destampar, receberei um bafo de vapor, como se o recipiente tivesse ficado pequeno para conter o líquido.

A experiência também me mostra, todo o tempo, que se eu puser um objeto sólido (um pedaço de vela, um pedaço de ferro) no calor do fogo, não só ele se derreterá, mas também passará a ocupar um espaço muito maior no interior do recipiente. A experiência também repete constantemente para mim a possibilidade que tenho de retirar um objeto preso dentro de um outro, se eu aquecer este último, pois, aquecido, ele solta o que estava preso no seu interior, parecendo alargar-se e aumentar de tamanho.

Experiências desse tipo, à medida que vão se repetindo sempre da mesma maneira, vão criando em mim o hábito de associar o calor com certos fatos. Adquiro o hábito de perceber o calor e, em seguida, um fato igual ou semelhante a outros que já percebi inúmeras vezes. E isso me leva a dizer: “O calor é a causa desses fatos”. Como os fatos são de aumento do volume ou da dimensão dos corpos submetidos ao calor, acabo concluindo: “O calor é a causa da dilatação dos corpos” e também “A dilatação dos corpos é o efeito do calor”. É assim, diz Hume, que nascem as ciências. São elas, portanto, hábito de associar idéias, em conseqüência das repetições da experiência.

Ora, ao mostrar como se forma o princípio da causalidade, Hume não está dizendo apenas que as idéias da razão se originam da experiência, mas está afirmando também que os próprios princípios da racionalidade são derivados da experiência.

Mais do que isso. A razão pretende, através de seus princípios, seus procedimentos e suas idéias, alcançar a realidade em seus aspectos universais e necessários. Em outras palavras, pretende conhecer a realidade tal como é em si mesma, considerando que o que conhece vale como verdade para todos os tempos e lugares (universalidade) e indica como as coisas são e como não poderiam, de modo al gum, ser de outra maneira (necessidade).

Ora, Hume torna impossível tanto a universalidade quanto a necessidade pretendidas pela razão. O universal é apenas um nome ou uma palavra geral que

usamos para nos referirmos à repetição de semelhanças percebidas e associadas. O necessário é apenas o nome ou uma palavra geral que usamos para nos referirmos à repetição das percepções sucessivas no tempo. O universal, o necessário, a causalidade são meros hábitos psíquicos.

Problemas do inatismo

Se os princípios e as idéias da razão são inatos e por isso universais e necessários, como explicar que possam mudar?

Por exemplo, Platão afirmava que a idéia de justiça era inata, vinha da contemplação intelectual do justo em si ou do conhecimento racional das coisas justas em si. Sendo inata, era universal e necessária.

Sem dúvida, dizia o filósofo grego, os seres humanos variam muito nas suas opiniões sobre o justo e a justiça, pois essas opiniões se formam por experiência e esta varia de pessoa para pessoa, de época para época, de lugar para lugar. Por isso mesmo, são simples opiniões.

Uma idéia verdadeira, ao contrário, por ser verdadeira, é inata, universal e necessária, não sofrendo as variações das opiniões, que, além de serem variáveis, são, no mais das vezes, falsas, pois nossa experiência tende a ser enganosa ou enganada.

Qual era a idéia platônica da justiça? Era uma idéia moral ou uma idéia política. Moralmente, uma pessoa é justa (pratica a idéia universal da justiça) quando faz com que o intelecto ou a razão domine e controle inteira e completamente seus impulsos passionais, seus sentimentos e suas emoções irracionais. Por quê? Porque o intelecto ou a razão é a parte melhor e superior de nossa alma ou espírito e deve dominar a parte inferior e pior, ligada aos desejos irracionais do nosso corpo.

Politicamente, uma sociedade é justa (isto é, pratica a idéia inata e universal de justiça) quando nela as classes sociais se relacionam como na moral. Em outras palavras, quando as classes inferiores forem dominadas e controladas pelas classes superiores.

A sociedade justa cria uma hierarquia ou uma escala de classes sociais e de poderes, onde a classe econômica, mais inferior, deve ser dominada e controlada pela classe militar, para que as riquezas não provoquem desigualdades, egoísmos, guerras, violências; a classe militar, por sua vez, deve ser dominada e controlada pela classe política para impedir que os militares queiram usar a força e a violência contra a sociedade e fazer guerras absurdas. Enfim, a classe política deve ser dominada e controlada pelos sábios (a razão), que não deixarão que os políticos abusem do poder e prejudiquem toda a sociedade.

Justiça, portanto, é o domínio da inteligência sobre os instintos, interesses e paixões, tanto no indivíduo quanto na sociedade.

Ora, o que acontece com a justiça moral platônica, isto é, com a idéia de um poder total da razão sobre as paixões e os sentimentos, os desejos e os impulsos, com o surgimento da psicanálise? Freud, seu criador, mostrou que não temos esse poder, que nossa consciência, nossa vontade e nossa razão podem menos que o nosso inconsciente, isto é, do que o desejo. Como uma idéia inata, afinal, perdeu a verdade?

O que acontece com a justiça política platônica quando alguns filósofos que estudaram a formação das sociedades e da política mostraram a igualdade de todos os cidadãos e afirmaram que nenhuma classe tem o direito de dominar e controlar outras, e que tal domínio e controle é, exatamente, a injustiça? Como uma idéia inata, afinal, perdeu a verdade?

Tomemos, agora, um outro exemplo, vindo da filosofia de Descartes.

Descartes considera que a realidade natural é regida por leis universais e necessárias do movimento, isto é, que a natureza é uma realidade mecânica. Considera também que as leis mecânicas ou leis do movimento elaboradas por sua filosofia ou por sua física são idéias racionais deduzidas de idéias inatas simples e verdadeiras.

Ora, quando comparamos a física de Descartes com a de Galileu, elaborada na mesma época, verificamos que a física galileana é oposta à cartesiana e é a que será provada e demonstrada verdadeira, a de Descartes sendo falsa. Como poderia isso acontecer, se as idéias da física cartesiana eram idéias inatas?

Os exemplos que propusemos indicam onde estão os dois grandes problemas do inatismo:

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