• Nenhum resultado encontrado

Não se pode falar das idéias socialistas no Brasil sem destacar a grande influência anarquista no movimento operário e sindical brasileiro durante as últimas décadas do século XIX. Essa influência se revelou através da aproximação com o pensamento socialista libertário de vários teóricos europeus como Bakunin, Kropotkin, Proudhon e Malatesta. Mas o ideário anarquista tinha um posicionamento antipartidário fincado na defesa da autogestão dos trabalhadores o que impedia formas organizativas mais consistentes na luta contra o Estado.

Os anarquistas hegemonizaram o movimento operário por algumas décadas situadas entre o final do século XIX e o inicio do século XX. Participaram da construção da Confederação Operária Brasileira (COB) e das duas maiores greves que paralisaram inúmeros trabalhadores em São Paulo. Defendiam a ação direta como forma prioritária de luta e que os sindicatos fossem independentes frentes aos partidos políticos.

Mas com o grande evento da Revolução Russa de 1917, as idéias de Karl Marx e Friedrich Engels impactaram os meios intelectuais e operários do país fazendo com que muitas personalidades passassem a divulgar tal pensamento. Tanto que nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922 realizou-se o Congresso de formação do Partido Comunista, seção brasileira da Internacional Comunista (ou 3ª Internacional).

O Partido Comunista do Brasil (PCB)144 formado majoritariamente por ex-

anarquistas possuía caráter nacional, fortemente centralizado como todas as organizações marxistas daquele período e também, com certa capacidade de

144 O nome de fundação do partido era Partido Comunista do Brasil com a sigla PCB. Mas para que

se adequasse à conquista da legalidade, seu V Congresso realizado em 1960 decidiu mudar o nome para Partido Comunista Brasileiro. Posteriormente, em fevereiro de 1962 um grupo dissidente resolveu formar outra organização política com o nome anterior, ou seja, Partido Comunista do Brasil alterando apenas a sigla para PCdoB.

propaganda política. Com isso, foi exercendo crescente influência junto ao movimento sindical e operário e derrubando a hegemonia anarquista nesse meio.

O PCB conviveu com a instabilidade política e econômica que caracterizou o Brasil da década de 20 até a de 80. Alternando períodos de legalidade, semi-ilegalidade ou legalidade vigiada145, o partido interferiu como pôde em diversas questões nacionais, inclusive, na reformulação da legislação partidária e eleitoral que impedia a legalização de várias organizações existentes. (FERREIRA NETO, 1988).

Mas a intensa repressão policial e política não permitiam a visibilidade dos comunistas e com isso, o PCB organizou formas alternativas, mas legais, para ampliar seus espaços de atuação. Assim se deu com o Bloco Operário Camponês (BOC), fachada legal para disputas eleitorais que em 1928 elegeu os militantes comunistas Otávio Brandão e Minervino de Oliveira, vereadores do Rio de Janeiro. (Idem).

Organizaram também, já na década de 30 a Aliança Nacional Libertadora (ANL) que incorporará de forma atípica militantes como os militares oriundos dos movimentos “rebeldes” da década de 20. Dentre esses, o lendário Luis Carlos Prestes, fundador da Coluna Prestes que havia percorrido o Brasil durante o governo de Artur da Silva Bernardes (1922-1926) exigindo reformas sociais e políticas.

A ANL inspirada nos moldes da 3ª Internacional para os países ditos subdesenvolvidos se constituiu em uma ampla frente política com caráter antifascista, antiimperialista e antilatifundiária. Organizou-se nacionalmente defendendo um “projeto de desenvolvimento democrático” admitindo um vasto leque de aliados políticos, fato que o levou a fazer enormes concessões aos mesmos.

Sob a liderança de Luis Carlos Prestes, a ANL tentará sem sucesso derrubar o Presidente Getúlio Vargas em 1935 através de um golpe, mas o governo além de contornar a rebelião, reprimiu duramente os participantes do movimento, inclusive, mandando prender Prestes e sua família. Tal fato será o estopim e a desculpa para a ampliação e centralização do poder federal que culminará com a decretação do Estado Novo em 1937, fechando o Congresso Nacional, anulando a

145 Na prática, o PCB desde sua fundação até sua legalização em 1985, só terá atuação legal no

Constituição de 1934 e banindo os partidos políticos, dentre os quais o PCB. Apenas em 1945 o PCB retornou à legalidade, embora por curtíssimo tempo. Somente dois anos (1945-1947) de registro eleitoral.

Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) que era apoiado discretamente por Getúlio Vargas se elegeu presidente. O PCB tentando se manter próximo a Vargas, também concedeu apoio ao Marechal Dutra. Contudo, essa proximidade foi curtíssima porque após a 2ª guerra mundial começa o processo de bipartição do mundo (1946) entre os Estados Unidos (EUA) e a União Soviética, fenômeno que ficou conhecido como guerra fria.

Em tal contexto o Brasil posiciona-se ao lado dos Estados Unidos e rompe as relações que mantinha com a União Soviética. Assim, mais uma vez o PCB foi compelido à clandestinidade, porém, muito mais fragilizado do que em períodos anteriores. A repressão que se abateu sobre seus núcleos dirigentes foi devastadora, pois quase o leva a extinção já que vários dirigentes foram presos e muitos exilados. Consequentemente houve uma enorme dispersão de suas bases políticas.

Mas não foi só a repressão que abalou as estruturas do PCB. Em 1956 aconteceu o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) que denunciava os crimes políticos cometidos por Stálin. Tal fato caiu como uma “bomba” na maioria dos partidos comunistas em todo mundo. Não foi diferente no PC brasileiro que viu eclodir inúmeras divergências internas bem como a saída de inúmeros militantes.

Mas é a partir de seu V Congresso realizado em 1960 que as divergências se cristalizarão. Pois o PCB aprovou uma orientação política que já vinha desde 1958 (Declaração Política) que vinculava a construção do socialismo à ampliação dos espaços democráticos, porém em longo prazo. Não aceitando as novas formulações do partido, inúmeros militantes se desligaram e formaram o Partido Comunista do Brasil (PC do B) em fevereiro de 1962. 146

Concretamente, a formação do PC do B foi o primeiro cisma do ‘Partidão’. Defendiam inicialmente o socialismo soviético, porém foram aos poucos incorporando as idéias de Mao Tse Tung referentes a tática político-militar adotada

por ele sobre o cerco do campo às cidades. Posteriormente, passaram a defesa do socialismo na Albânia.

Durante o regime militar (1964–1985) o PCB mais uma vez sofre inúmeras perdas tanto para a repressão que se seguiu ao golpe quanto para a construção de novas organizações políticas que adeririam à luta armada147 já que o partido não concordava com tal forma de luta. Na realidade, há muito o PCB insistia na construção de alianças políticas bem amplas com as chamadas “forças democráticas” constituídas por vários setores dentre eles, a burguesia “progressista”.

Tal política provocaria novas cisões internas resultando em organizações que tentariam dar continuidade à tradição comunista com leituras próprias da realidade social e política brasileira, mas também incorporando idéias advindas dos movimentos políticos e guerrilheiros que se alastravam pela América Latina.

Dentre essas organizações se destacaram a Aliança Libertadora Nacional (ALN), o Partido Comunista Revolucionário (PCR), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), o Partido Popular Socialista (PPS) e o Movimento Revolucionário 08 de Outubro (MR-8) que foram duramente reprimidas durante a ditadura militar na década de 60, perdendo inclusive, inúmeros de seus dirigentes e militantes. 148

Os remanescentes dessas organizações se abrigarão na única legenda permitida à oposição do regime militar: o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que na realidade se constituía em uma grande frente política, pois englobava desde setores das elites dominantes que não concordavam com a política dos militares a setores das camadas médias, intelectuais, camponeses, religiosos etc.

Todavia, muitos que ansiavam por uma ruptura mais significativa com o modelo existente, não aceitavam a condução moderada do MDB, mas permaneciam

147 Entre os anos de 1966 e 1974 surgiram várias organizações que optaram pela linha política

adotada na América Latina por Che Guevara denominada “foquismo” que priorizava a luta armada como meio de conquistar o poder político e da organização de focos de militantes que se dispunham a ser guerrilheiros. Vale ressaltar que algumas dessas organizações também eram provenientes do PCdoB e não apenas do PCB. Foram vários grupos: o Partido Comunista Revolucionário (PCR) e o Movimento Revolucionário em 1966; em 1967, as Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN) e a Corrente; em 1968, a Aliança Libertadora Nacional (ALN), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR); em 1969, o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT); em 1970, o Movimento Revolucionário Marxista (MRM); em 1971, o Movimento de Libertação Popular (MOLIPO); e em 1974, o Movimento Popular de Libertação (MPL). (Cf. PINTO SILVA, Leonardo. Teoria e prática socialista no Brasil, Vitória, 27 de Junho de 2002 (Texto retirado da Internet em abril de 2008).

148 Dentre esses militantes cito em especial Carlos Marighela (ALN), Carlos Lamarca (VPR) e Mario

na legenda como “fachada legal” para continuarem existindo. Ora, nesse ínterim, outros agrupamentos políticos que também enfrentavam a violência do regime militar, começaram a cogitar a criação de um partido mais definido ideológica e politicamente com os segmentos populares e de trabalhadores e, portanto, independente das classes que dominavam o país havia séculos.

Em torno dessa idéia basilar formava-se um movimento abrangente que pretendia ser uma alternativa ao MDB do ponto de vista legal, mas também de ordem programática na qual a opção classista pelos trabalhadores (ou pelos setores populares) fosse o aspecto determinante. Assim, vinha à tona o embrião político que posteriormente se denominará Movimento pró Partido dos Trabalhadores.

Finalmente, após o regime militar o PCB voltou à legalidade, mas em seu X Congresso realizado em 1992, houve nova cisão com parte dos militantes declarando o fim do partido e criando um novo, o Partido Popular Socialista (PPS); o outro grupo, no mesmo dia realizou uma Conferência Nacional de reorganização do PCB lutando pela manutenção da sigla e pelo registro definitivo do partido junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fato que ocorreu em janeiro de 1995.

Esse breve relato sobre a história das idéias socialistas no Brasil em geral e do PCB em particular, evidentemente, não comporta todos os liames da intensa luta pela ampliação de direitos sociais e civis no país, principalmente, pela feroz repressão praticada pelo Estado brasileiro contra todos os que não concordassem com sua política. Além disso, não dá para dimensionar os vários “malabarismos” que o PCB, por exemplo, teve que realizar para sobreviver em conjunturas tão adversas. Ademais, este sintético quadro não dá conta da enormidade de estudos que já foram produzidos sobre o PCB, pois de acordo com vários autores, é uma das organizações partidárias mais estudadas nos meios acadêmicos. E sem dúvida, qualquer análise que se faça sobre ele corre-se o risco de repetir cansativamente tudo o que já foi dito antes.

Todavia, quis registrar essa trajetória pelo fato, como já citei anteriormente, de o PT ter feito um reexame teórico-prático de algumas teses defendidas pela 3ª Internacional, mas que também eram do PCB. Em um primeiro momento, o PT negará essas teses, mas retornará a elas em meados dos anos 80. Principalmente, no campo da tática política do PT como, por exemplo, a formação de uma frente política de ‘amplos contornos’.

No entanto, o retorno das teses pecebistas se dará em outras propostas petistas como na da construção do socialismo em longo prazo, na da política de alianças e da luta institucional como centro da luta política etc.

3 O PT: DA FUNDAÇÃO E DO PENSAMENTO PLURAL

“[...] organizai-vos para a luta decidida contra o

governo autocrático e contra a sociedade

capitalista. Sem esta organização, o proletariado é

incapaz de se elevar ao nível de uma luta

consciente de classe; sem esta organização, o

movimento operário está condenado à impotência

[...]. Nenhuma classe logrou na história instaurar o

seu domínio se não promoveu os seus próprios

chefes políticos, os seus representantes de

vanguarda, capazes de organizar o movimento e

dirigi-lo”. (LÊNIN, 1989)

A reflexão que apresento neste capítulo tem como objetivo estabelecer os nexos entre a história partidária, o ideário socialista e as lutas políticas expostas no capítulo anterior com a dinâmica política e partidária ocorrida no Brasil. Evidentemente, concentro minha análise nos setores da esquerda brasileira que optaram pela construção do Partido dos Trabalhadores como dito anteriormente, saídos da experiência partidária comunista ou de seu entorno.

Para atingir tal pretensão percorro um itinerário metodológico e expositivo que contempla inicialmente, a exposição do contexto histórico e político no qual surgiram as primeiras intenções para construir um partido somente de trabalhadores no Brasil após a fragmentação ocorrida nos Partidos Comunistas das décadas de 70 e 80 do século XX. Nesse sentido, as idéias que foram veiculadas nos documentos do Movimento pró-PT, surgido para organizar os debates da nova organização política foram essenciais.

Contudo, o foco da presente análise, como dito na introdução deste trabalho, recaiu sobre os documentos lançados no ato de fundação do PT, além das resoluções políticas e organizativas dos seus sete primeiros encontros nacionais (1981, 1982, 1984, 1986, 1987, 1989, 1990) e de seu primeiro congresso nacional em 1991. 149 Concomitante a esse processo, ocorre a análise desses documentos

tentando conectá-los com a reflexão sobre o objeto de estudo desta pesquisa, ou seja, a construção e o desenvolvimento do pensamento político petista. 150

A escolha desses sete encontros pautou-se pela importância que os mesmos tiveram para a produção dos textos partidários petistas considerados como direcionadores da política oficial do PT. Do mesmo modo, a escolha pelo último evento analisado nesta pesquisa (1º. Congresso) deveu-se à compreensão de que o mesmo foi o passo central dessa organização rumo à consolidação de seu pensamento político nos moldes como se conhece na atualidade, isto é, bem distinto daquele expresso em sua fundação.

149 Como já disse na Introdução deste trabalho, consultei os textos, documentos e resoluções

oriundos dos principais eventos do PT adquiridos em grande parte da Internet através dos arquivos existentes no

Home Page

da Fundação Perseu Abramo (www.fpabramo.com.br) e do Partido dos Trabalhadores (www.pt.org.br). Mas adquiridos também através de várias publicações dessas duas organizações.

150 É bom lembrar que o recorte temporal para a análise da produção dos textos petistas em todo

trabalho compreende o período entre a formação do Movimento pró-PT (1978-9), a realização dos seus 07 primeiros encontros nacionais (1981-1990) e do seu 1º. Congresso Nacional em 1991, pois entendo que foi nesse período que o pensamento político petista se desenvolveu e se consolidou.

Neste capítulo analiso os documentos do Movimento pró-PT e os dos quatro primeiros encontros nacionais. Isto por entender que os mesmos comportam as categorias iniciais do pensamento político petista e refletiam, minimamente, o debate explicitado no capitulo anterior, ou seja, a questão do Estado, do partido político e da democracia em seus primeiros anos de existência.

No próximo capítulo concentro minha análise nos documentos dos encontros nacionais subseqüentes (5º, 6º, 7º.) e dos surgidos por ocasião de seu primeiro encontro nacional que demonstra as alterações ocorridas nas formulações petistas iniciais. 151 Nesses textos, o foco conceitual gira em torno do pensamento petista

sobre o socialismo pretendido e sua relação com a democracia, a mudança no projeto estratégico petista e a conseqüente alteração da tática partidária na qual, a disputa por hegemonia político - eleitoral assume papel preponderante.

Nesse ínterim não deixei de explicitar o pensamento petista acerca da sociedade brasileira e sobre os problemas detectados pelo mesmo, bem como, nas soluções que apontou para superá-los. Assim, procurei observar os caminhos e possíveis “descaminhos” de sua interpretação e de intervenção na sociedade brasileira.

3.1. O começo da história: repressão, crise econômica e anseio por justiça e