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DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO: DA NEGAÇÃO DA PESSOA

67 cf Idem, ibidem, pp.218-219.

grandes confrontos com os encomienderos. O também jurista Vasco de QUIROGA (1470?- 1565) – licenciado pela Universidade de Salamanca e Bispo de Michoacán (México), em sua Información en Derecho que escreve sobre o México em 24 de julho de 1535, descreve os índios como nobles salvajes.

Já o dominicano Bartolomé de CARRANZA (1503-1576) e o jurista Covarrubias y LEYVA (1512-1577) apesar de não terem tido um envolvimento direto com a questão, repercutiram os debates na Universidade de Salamanca. Segundo HANKE, o historiador Perena VICENTE68 informa que LEYVA, na tese de doutorado que defendeu em Salamanca (1539), teria condenado o uso da suposta inferioridade cultural dos índios como motivo para as guerras justas contra os mesmos, e posto em dúvida a idéia de que os índios seriam “nascidos a obedecer y para servir a otros como bestias y fieros animales”69. Haviam também

aqueles como o pintor e gravador alemão Albrecht DÜRER (1471-1528), que viam nas obras de arte indígenas o “sutil ingenio de los hombres en esas distantes tierras”.70

Das duas correntes de pensamento, as figuras de maior destaque foram sem dúvida Juan Ginés de SEPÚLVEDA (1490-1573), e Barbolomé de LAS CASAS (1484-1566). Sepúlveda, teólogo e jurista erudito, tornara-se o expoente maior da concepção da incapacidade indígena e da defesa de sua escravização em “guerras justas”. Las Casas, dominicano, Bispo de Chiapas, o seu maior adversário. Ambos iriam se confrontar naquilo que TODOROV descreve como o apogeu e a encarnação do debate entre os partidários da igualdade e da desigualdade dos índios: o memorável duelo de Valladolid, em 1550.

Conforme TODOROV a origem dos debates perante a Junta em Valladolid se dá quando SEPÚLVEDA, não obtendo do Conselho das Índias o imprimatur ao seu Democrates alter, recorre àquela para tentar reverter a decisão. LAS CASAS então propõe-se a defender

68 PERENA VICENTE, Luciano.Missión de España em América, 1540-1560. Madrid, Instituto Fco. de Vitória. Consejo Superior de Investigaciones Científicas,1956. Apud HANKE,Humanidad es Una...Op.Cit.p.88.

69 cf. HANKE, Lewis Humanidad es Una... Op. cit. pp.39-42. 70 Idem, Ibidem, pp.100-101.

os argumentos contrários, e Carlos V, convencido da importância do debate, decide pelo confronto das duas posições71. Conforme BRUIT o ambiente político em Valladolid era cheio

de intrigas palacianas e intenso tráfego de influências. Representantes dos encomendeiros e de todos aqueles que tinham interesse na América – advogados, teólogos, doutores, juristas, sacerdotes, autoridades, cortesãos em geral – , circulavam agitadamente pelos corredores da Corte, por mosteiros e casas de pessoas importantes e influentes.72

As pressões sobre a Coroa empreendidas pelos religiosos, sobretudo Las Casas, levaram o Imperador Carlos V a uma decisão radical: paralisar as novas conquistas já autorizadas ou em andamento no Novo Mundo. Na ordem, baixada nas Provisões de 16 de

abril de 1550, o Imperador justificava a paralisação: “porque si se pasase adelante con ellos,

se podrian seguir grãdes daños a causa de no se hazer con los medios convinientes.” Esperava-se que tais “meios convenientes” resultassem dos debates entre SEPÚLVEDA e LAS CASAS em Valladolid perante a Junta dos Quatorze73 – composta por membros veteranos dos Conselhos de Castela e das Índias, teólogos renomados como Domingo de SOTO, Melchior CANO e Bernardino de ARÉVALO, e juristas importantes como Gregório LÓPEZ, comentador das leis das Siete Partidas74. Ali se deveria refletir se seria legítimo à Coroa ordenar guerras contra os índios antes mesmo de terem a oportunidade de ouvir a pregação cristã. Em questão não estava pois nem a justiça do título real de conquista, nem o regime de encomiendas, mas “la justicia de hacer la guerra contra los indios”.75

Assim, em meados de agosto de 1550 iniciaram-se os trabalhos da Junta em Valladolid. Os dois contendores não se encontraram pessoalmente. No primeiro dia, SEPÚLVEDA compareceu com um sumário de seu tratado, expondo oralmente os seus argumentos durante três horas. A réplica de LAS CASAS iniciou-se no dia seguinte, e durou cinco dias, nos quais procedeu à leitura completa de seus manuscritos.

71 TODOROV, Tzvetan, Op. Cit., p.219, passim. 72 BRUIT, H. Hernan. Op. Cit., p.119.

73 cf. ENCINAS, Diego. Cedulario Indiano (reproducción facsímil de la edición de 1596). Madrid: Ediciones de Cultura Hispánica, 1945-46, t.IV. HAi/1706 (IV).

74 cf. HANKE, Lewis. El Prejuicio Racial... Op. Cit., p. 47. 75 cf. Idem, ibidem, pp.47 e 78.

Primeiro a apresentar seus argumentos, Sepúlveda teria tomado como base o Democrates Alter, no qual o tema era abordado na forma de diálogo. Suas idéias acerca das guerras justas, não eram inovadoras, mas tomadas sobretudo de Santo Agostinho.

Para SEPÚLVEDA quatro eram as causas da “justicia de la guerra hecha por los españoles a los bárbaros”. A primeira, a de que “siendo por naturaleza siervos los hombres bárbaros, incultos e inhumanos, se niegan a admitir la dominación de los que son más prudentes, poderosos y perfectos que ellos”. A segunda, a de que serviria ao propósito de “desterrar las torpezas nefandas y el portentoso crimen de devorar carne humana,... dando culto a los demonios em vez de dárselo a Dios...”. A terceira causa, a de “salvar de graves injurias a muchos inocentes mortales a quienes estos bárbaros inmolaban todos los años.” Por fim, a quarta causa de guerras justas contra os índios seria a de deixar “abierto y seguro el camino a los predicadores y maestros de las costumbres y de la religion”, ou seja, a garantia do trabalho de propagação do cristianismo.76

TODOROV vê nessas justis belli causis indicadas por Sepúlveda, as proposições descritivas sobre a natureza dos índios, que levariam a um postulado ou imperativo moral: “os índios são (proposições descritivas) por natureza submissos; praticam o canibalismo; sacrificam seres humanos; ignoram a religião cristã”. Daí (imperativo moral) “temos o direito, se não o dever, de impor o bem aos outros”. Ou seja, na visão hierárquico-dualista de Sepúlveda (bem/mal; superior/inferior; espanhol/índio; homem/macaco; capaz/incapaz ... ), não existiriam outros valores a considerar, que não aqueles possuídos por quem estivesse no topo dessa mesma hierarquia, numa total desconsideração do papel do outro, o que significa a própria desconsideração da alteridade. Assim,

Nós mesmos já decidimos o que é o bem e o mal; temos o direito de impor aos outros o que nós mesmos consideramos um bem, sem nos preocuparmos em saber se é também um bem do ponto de vista deles. Esse postulado