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1 IDEOLOGIA E PERPETUAÇÃO DA DOMINAÇÃO

1.4 IDEOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

objetividade" do que a estrutura do conhecimento por si mesmo.

Resumindo, ideologia para o autor é, portanto, um ato consciente que exerce função nos conflitos humanos. Na sua acepção mais ampla, a ideologia tem origem no cotidiano mais imediato da vida social, servindo à conscientização e operacionalização da prática humana. Em termos gerais, é orientação ideal que se faz presente em todo ato humano. Todo indivíduo age fazendo opções entre seu interesse particular e aqueles que o fazem partícipe do gênero humano. A continuidade do ser social seria impossibilitada se o conjunto dos indivíduos não evitasse ações que se constituíssem em obstáculos ao processo de reprodução social, mediante preceitos que brotam espontaneamente na vida social. A ideologia permite que os homens tomem consciência desse conflito e encontrem a resposta mais adequada para solucioná-lo.

O proletariado tem o potencial pleno para a consciência da totalidade porque tem interesse na destruição do modo de produção capitalista; falta-lhe, porém, desvencilhar- se da falsa consciência tomada emprestada da burguesia, que estruturalmente e ideologicamente submete o todo da sociedade aos seus interesses (LUCKAS, 2003, p. 482).

1.4 Ideologia na contemporaneidade

Alguns autores marxistas que se dedicaram a estudar os fenômenos ideológicos deram ênfase quase apenas a um dos sentidos de ideologia, ou seja, alguns pensaram a ideologia como pura dominação, enquanto outros compreenderam de forma mais ampla. Para o autor contemporâneo Carlos Nelson Coutinho, ideologia possui dois sentidos, um epistemológico e um ontológico. Por essa razão, sugere que seja formulada uma nova palavra que lhe dê maior rigor. Já para Mezsáros, ideologia é o conjunto de ideias capazes de mobilizar amplos contingentes da população, sejam falsas ou verdadeiras, permanecendo diretamente atrelada à luta de classes. Assim, compreende que existe uma ideologia socialista – o que para Marx e Engels não faria sentido – e uma ideologia burguesa – o que para Marx e Engels seria uma redundância.

Mauro Iasi também vê duas acepções ao conceito de ideologia no marxismo, contudo entende haver um sentido negativo e um sentido positivo, e sustenta que na

obra de Marx está presente apenas um destes: um eminentemente negativo, ou seja, associado diretamente à dominação de classe.

Desta forma, Iasi (2011) levanta a seguinte questão: “existe, então, uma

ideologia proletária?” 50

. Autores como Lênin e Gramsci defendem que sim e sustentam a necessidade de uma luta ideológica. A razão dessa defesa está vinculada, segundo Iasi, à não oportunidade dos mesmos lerem a obra ―A Ideologia Alemã‖, visto que só foi publicada, incompleta, em 1932. E, ―a publicação na íntegra aconteceu entre 1962 e 1966, a tradução para o inglês e para o alemão surgiu apenas em 1968 e 1969‖ (IASI, 2011, p.83).

Para Hegel, ideologia não teria relação com as classes sociais. Marx foi quem sustentou a dimensão de luta entre classes e a possibilidade de uma transformação social. A ideologia está relacionada a uma relação de dominação expressa em ideias e ―apresenta-se como justificação dessas relações de dominação, inversão, naturalização, velamento, falsidade‖ (IASI, 2011, p.80)

Se existe uma ideologia proletária, como se daria essa dominação de classe? Sobre quais relações sociais se estruturaria tal domínio? ―O que a ‗ideologia proletária‘ busca velar e inverter, justificar e naturalizar nas relações de seu suposto domínio e com qual intenção?‖ (IASI, 2011, p.81)

O proletariado, de acordo com a concepção marxiana, luta pela extinção das classes, pela superação da atual forma de subordinação do homem à divisão social do trabalho, pelo desenvolvimento dos indivíduos de forma nova e ampla. Iasi (2011, p.81) explica que isso ―supõe que um novo ser social se expresse numa nova consciência social, novas ideias e uma nova ordem de valores‖. Neste sentido, a luta contra o sistema capitalista não tem como objetivo dominar a burguesia, mas eliminar a base da sociedade de classes.

Partilhamos da compreensão, sustentada por Iasi, de que interessa aos trabalhadores revelar as causas e determinações reais das relações sociais, apresentando- as como produto histórico. Como ideologia não é um conjunto de ideias seria um equívoco falar em ―ideologia proletária‖, pois as ideias revolucionárias devem ser anti- ideológicas na medida em que busca desvelar o funcionamento real da sociedade (IASI, 2011, p.84) para transformá-la.

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―Ideologia... quer uma para viver?‖, texto inserido no livro ―Ensaios sobre consciência e emancipação‖, de Mauro Iasi.

Apesar das experiências de revoluções proletárias do século XX, a sociedade continua com profundas contradições e não foram implementadas relações sociais de produção radicalmente novas, capazes de eliminar as classes e o Estado. A forma como se tentou transitar para o socialismo, explica Iasi (2011), resultou num fortalecimento da burocratização. Neste sentido, as ideias revolucionárias também se converteram em ideologia, apesar do distinto sentido: ―não para justificar e reproduzir o poder de uma camada burocrática e parasitária que não tem autonomia nem econômica, nem histórica, mas para perpetuar a ordem capitalista‖ (IASI, 2011, p. 85).

Segundo o autor, isso ocorre porque a classe trabalhadora é moldada para agir passivamente e a identidade da classe ―é substituída por uma de cidadão ou povo; a ação eleitoral, como via principal e, por vezes, única, desorganiza a classe como classe e a prepara para o consentimento‖ (IASI, 2011, p. 86). As ideias proletárias vão sendo enfraquecidas na medida em que seus ―direitos‖ são limitados pela ordem das mercadorias e do capital.

Vemos que a ―ideologia proletária-cidadã‖, como denomina Iasi, é útil ao enfrentamento da intensificação do desemprego, da violência, do racismo, dentre outras razões que atingem a democracia, frequentemente presentes em qualquer país. Apesar de a burguesia ter o interesse de acumulação de capital, também se baseia em relações de dominação, posto que esconde e naturaliza as relações de produção capitalistas. E, o proletariado é uma classe da sociedade capitalista, parte constitutiva da dinâmica do capital, o que leva a momentos de acomodação à ordem do capital. Essa acomodação não é a negação da luta de classes, mas, de acordo com Iasi (2011, p. 114), uma das formas de sua manifestação.

Os limites que impedem o salto revolucionário, explica Iasi (2011, p. 87), são apresentados como naturais. Diante a essa situação, percebe-se a falácia sobre o ―fim das ideologias‖, quando na verdade o que ocorre é um reforço delas ―no disfarce que melhor lhes cabe, como ‗não ideologia‘‖.

Contudo, é sempre importante ressaltar que, apesar da ideologia estar revestida na sociedade contemporânea, ainda tem sua base na dinâmica da extração de mais-valia e o proletariado continua oferecendo força de trabalho capaz de gerar isso. Portanto, cabe ao proletariado romper com isso e construir condições para superar a ordem capitalista baseada numa sociedade de classes.

Neste sentido, Konder (2009, p.52) sustenta que ―nosso problema não é mais, pura e simplesmente, a derrubada de uma determinada classe e do sistema social que ela sanciona; nosso problema é o da própria existência de classes sociais, é o da própria divisão da sociedade em classes”.

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