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1 IDEOLOGIA E PERPETUAÇÃO DA DOMINAÇÃO

1.3 A CONCEPÇÃO ―POSITIVA‖ DE IDEOLOGIA

1.3.1 Lênin e a luta ideológica

Com a revolução proletária de 1917 e a vitória do exército vermelho contra o nazifascismo, o mundo se dividiu em dois pólos concorrentes. No bloco capitalista, as falsificações da realidade do ―outro mundo‖ e a produção e reprodução ideológica eram fortemente presentes. O bloco socialista se apresentava como antiimperialista e trazia uma necessidade de produção autônoma de conhecimento sobre o real. No entanto, também predominou as falsificações grosseiras (COUTO, 2011, p.77).

Nessa época, as teses de Lênin já estavam alteradas devido à falsificação promovida pelo estalinismo. Lênin não teve acesso ao livro Ideologia alemã (1845), de onde Marx iniciou sua teorização sobre a ―falsa consciência‖ e posteriormente trabalhou o conceito de ideologia. A geração anterior ao que Perry Anderson (2004) chama de

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Sobre a qualificação da positivdade e da negatividade nas concepções sobre ideologia, ver em: LÖWY, Michael. Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo .

marxismo ocidental tem como principal característica um engajamento prático determinado pela dinâmica histórica da luta de classes no período, apesar de não abandonarem uma significante perspectiva teórica. Exemplo disso se verifica na obra de Lênin, que está praticamente sempre subordinada a ação política de um projeto societário que requer ações de médio e longo, mas também de curto prazo.

Lênin, apesar de pensar ideologia como o campo simbólico de disputa, não considerava a ideologia como ―uma total abertura para a manipulação de elementos retirados do real por uma cúpula a qual todos deveriam confiar. Couto (2011, p.79) explica que foi Josef Stalin quem deu uma interpretação não dialética à questão da ideologia como embate de ideias e luta por legitimação destas. Stalin e sua versão antidialética do marxismo e, por conseguinte, da ―ideologia‖ tem a ver com o fato de ter herdado da II Internacional uma versão evolucionista, positivista, economicista e anti- historicista da tradição marx-engeliana.

Marx e Engels morreram no final do século XIX, quando surgiu o positivismo e o irracionalismo, e se criou uma euforia entorno do progresso das ciências duras. De acordo com Couto (2011) ―é neste caldo cultural que a dialética parecia dar seus últimos suspiros‖. Desde 1848, Hegel passou a ser tratado como um idealista ultrapassado e Kant (os neokantianos) tomaram seu lugar, como principal base da a ciência (e filosofia).

Observa-se em Lênin uma noção de ideologia num sentido mais dialético. No entanto, inicialmente nas suas construções teóricas, Lênin tinha uma leitura dos fenômenos ideológicos parcialmente diferente da concepção marxiana. Isto porque até 1914 não ter tido um estudo atencioso de Hegel. Mas com a Segunda Guerra Mundial ocorrendo, passou a pesquisar nas obras de Hegel por perceber ―a necessidade de traçar elementos para a atualidade da crítica das inversões do pensamento e da realidade, tratando esta relação como uma unidade‖ (COUTO, 2011, p. 65). Marx trabalha tanto nos Grundrisse quanto em O Capital com a concepção de inversão, demonstrando como que a essência aparece invertida na própria concorrência, no consumo, no trabalho abstrato e no fetiche da mercadoria; em detrimento do uso da categoria ideologia.

Durante o século XX, a leitura leniniana influenciou a noção geral de ―ideologia‖ tanto por parte dos movimentos socialistas quanto do pensamento liberal. Para Lênin não é possível falar de uma ideologia operária independente, ―o problema

coloca-se exclusivamente assim: ideologia burguesa ou ideologia socialista‖ (LENIN, 1979, p.29). A noção de que há sempre pelo menos duas ideologias vêm da concepção de Lênin do fenômeno ―ideologia‖. Muitas vezes se compreende ideologia como visões sociais ou ―pontos de vista‖ de classes ou concepção particular de mundo.

No Dicionário Marxista de Bottomore (1983), ―ideologia‖ está com a seguinte descrição:

Lênin deu a solução, ampliando o significado do conceito de ideologia. Numa situação de confrontação de classes, a ideologia parece estar ligada aos interesses da classe dominante e sua crítica aos interesses das classes dominadas; em outras palavras, a crítica da ideologia da classe dominante é realizada a partir de uma posição de classe diferente, ou – por extensão – de um diferente ponto de vista ideológico. Portanto, para Lênin a ideologia torna-se a consciência política ligada aos interesses de cada classe; em particular, ele dirige sua atenção para a oposição entre a ideologia burguesa e a ideologia socialista. (BOTTOMORE, 1983, p.273)

Esta leitura não é uma abertura para a miscelânea de atributos e definições do conceito, pois não rompeu com Marx. A concepção de ideologia em Lênin de que há duas ideologias, o das duas classes fundamentais do capitalismo, enfatiza a posição, no ponto de vista de classe, ―mas não se limita a isto e o que prova isto são as discussões do papel de quadros externos à classe, que podem participar ativamente de uma direção à luta revolucionária‖ (COUTO, 2011, p.68).

Lênin percebeu que parte do método de Hegel é revolucionário, por permitir a dialética da negação/superação, isto é, do princípio da própria dialética do real, apesar de Hegel aplicar ao espírito ao invés de associar o real à matéria. Lênin foca na análise da categoria da inversão, a qual operará a partir da categoria hegeliana da negação. O

autor buscou identificar as chaves no hegelianismo para o materialismo marxiano, para

compreender o caminho de Marx na ―atualização‖ de Hegel ao transformar a teoria da religião deste em uma teoria da alienação (COUTO, 2011, p.68).

A teoria da ideologia leninista se vincula à teoria da inversão, quando aplicadas às formas que reproduzem a dominação, pois ―a inversão, operação delicada e complexa, deve ser considerada, pois, como momento de um processo ainda mais amplo do pensamento‖ (LÊNIN, 2011, p.14). Portanto, explica Couto, apesar de sob o ponto de vista revolucionário leniniano,

(…) o conceito de ideologia ser um conceito positivo, e o sob o ponto de vista epistemológico do conceito este tratá-lo como neutro, a ideologia negativa está presente na obra do autor, a partir do momento em que este descobre em Hegel (…) a chave para se fazer uma crítica dos valores e ideias burgueses que servem para a dominação de classe. (COUTO, 2011, p.70)

Ressalta Iasi que apesar de para Lênin o conceito de ideologia ser pouco explorado em seu aspecto teórico e seu viés positivo predominar sobre a análise crítica e ao caráter negativo da ideologia, por outro lado autores como Gramsci e Lukács tiveram em Lênin uma inspiração para se opor ou nos dar subsídios contra a vulgarização do conceito.

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