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5 REALIDADES E DESAFIOS DA JORNADA AMPLIADA NAS ESCOLAS

5.3 IDIOSSINCRASIA

Entende-se por idiossincrasia aquela característica que é peculiar a um grupo. Nesse viés, esta pesquisa em educação em tempo integral, assinalou uma idiossincrasia, ou seja, um elemento para discussão que apareceu de modo particular para apenas uma escola e que se refere a educação em tempo integral na escola do campo.

5.3.1 Educação em tempo integral na escola do campo

A escola G é a única escola municipal do campo e atende os estudantes do pré ao 9º ano do ensino fundamental em tempo integral.

Em conversa com a gestora sobre a implantação da proposta na escola, ela relatou a grande dificuldade que tiveram em relação à aceitação das famílias para que os filhos permanecessem o dia todo na escola.

Gestora Escola G - "É, a gente teve uma certa resistência das famílias, porque... até no dia que foi implementado, que foi apresentado a proposta a gente sentiu uma resistência dos pais que estavam presentes porque a nossa realidade é interior, e as crianças e os adolescentes já, os maiores principalmente, de alguma forma ou outra colaboram com as atividades em casa, auxiliando os pais né, e alguns sentiram essa questão né, e que seria uma questão de tirar eles de casa, que aqui não [pausa na fala] não teria problema em relação a vulnerabilidade social, nesse sentido, e [pausa na fala] e eles sentiram essa questão da gurizada sair de casa pra ficar o dia inteiro na escola. Teve um menino que a mãe optou por transferir eles porque não concordava com a educação integral, no primeiro ano. E esse ano também teve uma mãe que transferiu porque alegou que o menino tinha problemas de saúde e não poderia ficar o dia inteiro na escola. [...] mas também a gente teve ganhos, porque a gente tem vários estudantes que saem de Erechim pra estudar aqui, tem 5 ou 6 estudantes que moram em Erechim e descem todo dia pra estudar aqui. A gente teve algumas perdas, mas também teve alguns ganhos, então acho que se compensa no caso, assim sabe."

Devido a realidade onde a escola está inserida, uma área rural, com o cultivo de vários grãos, com a produção de leite e criação de animais, muitos pais necessitam da ajuda dos filhos na lida do campo, no cultivo da lavoura e a permanência deles na escola estaria impedindo esta ajuda em casa, conforme relato da gestora:

Gestora - [...] Até a gente tava comentando antes, chega esse período do ano ou época que tem colheita ou plantação, eles fazem atividade da manhã, que nós temos o ensino regular pela manhã, e quando é meio dia ou vem uma autorização da família na agenda ou vem uma autorização do pai que diz "profe tu libera ele pra ir pra casa porque vai chegar frango, e eu preciso que alguém fique me ajudar" ou vai [pausa a fala] sei lá, "a gente vai plantar e eu preciso de alguém que fique em casa pra não deixar a casa sozinha ou que me ajude pra fazer outra coisa", e daí a

gente fica de mãos atadas às vezes né, porque a gente não quer se indispor com essas situações das famílias né, e querendo ou não, eles ajudam né, os maiores, tem o pessoal do oitavo e nono ano que, que meu Deus, ajudam bastante em casa. Os pequenos não, os pequenos é tranquilo, do pré ao 5º ano, 4º ano por aí, é tranquilo, eles ficam na escola o dia inteiro, fazem atividade, super tranquilo, agora os maiores devido esse auxílio em casa eles chegam nesse período do ano normalmente depois da metade do ano e assim foi desde o início, eles começam a pedir pra ir pra casa né. A gente tem controle da frequência, a gente cuida a questão dos horários e tal, mas tem períodos que é inevitável, a família precisa, então...

Diante desta situação, a gestora apontou alguns questionamentos a respeito da educação integral em tempo integral na escola do campo da maneira que está configurada. No seu entendimento seria mais viável que os estudantes pudessem vir para a escola o dia todo por apenas alguns dias da semana, em função de que moram longe, passam muito tempo fora de casa, longe do convívio familiar e ajudam nas tarefas do campo:

Gestora Escola G:"[...] Só que por outro lado eu, na minha visão a nossa realidade é totalmente diferente da realidade da cidade, então, a minha visão seria de repente assim, talvez não seria todos os dias da semana, poderia se reduzir de repente essa carga horária, que [pausa na fala] que essas crianças, esses adolescentes possam ter um contato maior com as famílias, porque têm crianças que saem de casa 6 da manhã e voltam às 6 da tarde pra casa. Então, claro que não importa a quantidade e sim a qualidade do tempo que tu passa com teu pai, com tua mãe, e tal, mas às vezes tem valores familiares que a escola não substitui. E a gente percebe algumas mudanças de comportamento e tal, por mais que a gente trabalhe que... acabam trazendo problema pra escola. Mas em relação a aprendizagem acredito que deve, que tenha melhorado, só [pausa na fala] só que como a nossa realidade é diferente da cidade eu acredito que deveria se repensar um pouquinho essa proposta em relação a nossa escola que se localiza no campo né, porque a gente [pausa na fala] não tem casos assim [pausa na fala] expressivos em relação a vulnerabilidade social, essas questões né, e daí tu acaba como que, como eu disse antes, tirando a criança de casa, isso pros maiores principalmente, os menores eles, eles já têm outra visão de que a escola é diversão, é coisa boa, esses pequenos que já

iniciaram nessa fase da educação integral, eles apresentam mais progressos que os maiores né,"

A partir desse relato foi possível compreender as especificidades da educação no campo. Ela precisa dialogar com a educação integral no sentido de problematizar o sujeito e a sua realidade, para que ele se sinta agregado ao contexto em que vive e busque atender aos seus anseios, de acordo com as vivências que já possui.

Uma escola do campo não é, afinal, um tipo diferente de escola, mas sim é a escola reconhecendo e ajudando a fortalecer os povos do campo como sujeitos sociais, que também podem ajudar no processo de humanização do conjunto da sociedade, com suas lutas, sua história, seu trabalho, seus saberes, sua cultura, seu jeito. Também pelos desafios da sua relação com o conjunto da sociedade. Se é assim, ajudar a construir escolas do campo é, fundamentalmente, ajudar a constituir os povos do campo como sujeitos, organizados e em movimento. Porque não há escolas do campo sem a formação dos sujeitos sociais do campo, que assumem e lutam por esta identidade e por um projeto de futuro. (CALDART, 2003, p.66)

Nesse sentido, uma educação em tempo integral no campo, precisa proporcionar aos estudantes, atividades que sejam de interesse e úteis à sua realidade que é do campo. Não existe um modelo único de educação integral, sendo necessário realizar um diagnóstico das demandas do contexto local para assim intervir de maneira formativa e substancial.

A educação em tempo integral no campo exige uma visão diferente da educação da cidade. São situações diversas, são realidades diferentes e, em consequência, as necessidades são outras. É preciso rever essa proposta respeitando as características desta escola, a sua realidade, adequando o tempo às necessidades dos estudantes e das famílias.