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Idosos institucionalizados dependentes que necessitam de apoio, por

Deve ser mencionado que a actividade de cuidar pode vulnerabilizar o estado de saúde do cuidador. Eldenstein (2009, p.2) refere estudos epidemiológicos que demonstram um aumento do risco de cancro entre trabalhadores que fazem turnos nocturnos, nomeadamente tripulações de voo e enfermeiros submetidos a luz natural ou artificial constante. Lockley (2011) destaca ainda o aumento associado à falta de descanso do risco de hipertensão, AVC, ataque cardíaco, obesidade e diabetes tipo 2.

Compreende-se que certas funções na instituição estão mais sujeites a sobrecarga que outras. Ainda que a motivação profissional e o incentivo da formação possam preparar psicologicamente os funcionários para a prestação de cuidados, todo o cuidador, formal ou informal, necessita de “reaprender a comunicar” com o idoso dependente, especialmente num quadro de demência (Sequeira, 2007, p.116). Em lares, a sobrecarga costuma existir em fases iniciais de adaptação ao que Zimmerman et al. (2005, p.103) relatam maiores níveis de stress nos cuidadores de doentes com demência menos experientes. Como em todas as organizações, muitas das dificuldades sentidas podem dever-se apenas a uma má gestão dos recursos humanos, como a falta de pessoal, liderança ou formação. Contudo, as dinâmicas interpessoais nas instituições para idosos são complexas. Perante atitudes recalcitrantes de alguns residentes ou queixas/exigências das famílias, muitos cuidadores vêem os seus esforços pouco reconhecidos.

O cuidador conhece ainda dificuldades em lidar com o falecimento do idoso a quem presta cuidados (Ferreira, 2012, p.79), razão pela qual a separação da vida pessoal e da vida na instituição é apontada como uma necessidade de muitos cuidadores para a manutenção da sua qualidade de vida. Contrariamente aos residentes que procuram um ambiente familiar, o cuidador prefere associar o lar ao objectivo profissional, sem que isto represente um impeditivo para se estabelecerem relações amigáveis e empáticas, sobretudo entre utentes de longa data. Ora, o bem-estar de cada cuidador traduz-se na qualidade dos cuidados prestados em toda a instituição. Um tratamento mais solícito e dedicado germina o à-vontade dos idosos dependentes. Para além disso, o efeito espelho das emoções amplifica-se em ambientes socialmente restritos, ao que se evidenciou o

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fenómeno de contágio da síndrome de Burnout 47 entre enfermeiros de cuidados intensivos (Bakker et al., 2005). Contudo, apesar de contextos onde prevalecem a doença, o declínio cognitivo e comportamentos irregulares potenciarem o aparecimento de distúrbios psicossomáticos e/ou depressivos, a psicologia do cuidador formal não tem sido investigada com profundidade.

De facto, Ferreira (2012, p.78) dá conta da falta de estudos sobre a satisfação dos cuidadores formais de idosos com a sua profissão, em lares de Portugal. Trata-se de uma questão importante que permitiria avaliar o fluxo de trabalho e as expectativas não atendidas no ambiente institucional. Sequeira (2007, p.249) constatou que a maioria dos cuidadores informais não refere fontes de satisfação na prestação de cuidados, ainda que existam aspectos positivos ligados à realização pessoal, à aquisição de novas competências, assim como sentimentos de gratificação, utilidade, apreciação e afecto. A perspectiva dos cuidadores formais aparenta-se mais optimista, mas J. Santos (2013, p.18) aponta a possibilidade de existir um certo comprometimento nas respostas dos inquiridos. Zimmerman et al. (2005, p.103) observaram ainda que os cuidadores mais inexperientes, apesar de menos satisfeitos com a profissão, mostravam-se mais abertos para adoptar iniciativas de CCP.

c. Da família institucional ao cuidador-residente

A transferência dos cuidados da família tradicional para as instituições suscita a ponderação de um novo conceito de família. Uma estrutura residencial para idosos é geralmente uma instituição de convivência, i.e., um espaço que “construído, reconstruído ou transformado, se destina a ser habitado por um grupo numeroso de pessoas submetidas a uma autoridade, ou a um regime comum, ligadas por um objectivo ou interesses pessoais comuns)” (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, 2007, p.5). Neste grupo estão incluídas as Instituições de saúde e de apoio social, como os lares de idosos.

A mutação e construção de novas estruturas familiares são causa e consequência da necessidade de convívio em contexto de apoio social: “o crescimento do número de famílias a viver em instituições de apoio social traduz a resposta da sociedade ao crescimento da população mais idosa” (INE, 2012, p.64). Apesar deste crescimento, a imagem social associada à modalidade asilar ainda é extremamente negativa, percebida como um ambiente opressivo, de condições precárias, onde o idoso é segregado pelos familiares. Verifica-se de facto uma tendência crescente no número de abandonos em lares 48. Marinho (2011, p.90) constatou que um terço dos idosos da amostra entrevistada perdeu a ligação com os familiares após a institucionalização. Deste modo, a pessoa idosa permanece no seu domicílio o máximo de tempo possível e a institucionalização ainda é encarada como uma transição indesejável e acompanhada de sofrimento.

Para garantir numa instituição geriátrica que a intensificação da convivência vá ao encontro da humanização dos cuidados, é necessário que os serviços prestados enriqueçam o relacionamento interpessoal. Entre os cuidadores, deve ser promovido o “trabalho em equipa como factor protector para evitar situações de cansaço quer físico quer emocional” (Ferreira, 2012,p.78). O espírito sinérgico e a partilha colectiva de conhecimentos permitem evitar divergências na equipa e colmatar lacunas no domínio da

47 Transtorno depressivo associado ao esgotamento físico e mental em contextos profissionais.

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informação. Dissipando-se o esforço sobre todos, cada agente torna-se menos susceptível de irritação, negligência ou mesmo de maltratar os residentes. A inserção de profissionais de saúde na rede dos cuidadores formais tem promovido a sua sistematização funcional e a utilização de estratégias de coping 49.

Sequeira (2007, p.244) também sublinhou a influência da relação do cuidador com o idoso dependente para a minimização das dificuldades e sobrecarga sentidas no cuidar. O cuidador deve procurar conhecer em profundidade a pessoa que cuida, para além do seu quadro clínico, e não pode ser nem excessivamente serviçal, nem autoritário, tal que a interacção, mesmo que inevitavelmente intensa, seja agradável para ambas as partes deste binómio. Apesar de caber aos cuidadores primários a responsabilidade de supervisionar, orientar e acompanhar, “é preciso sempre entender que o idoso é um adulto com vontade própria que, evidentemente, deve se sujeitar às regras das instituições, mas que nem por isso deve ser tratado como uma criança” (Corrêa da Costa, 2005, p.62). Em Portugal, tanto os cuidadores como os residentes são essencialmente do sexo feminino, o que pode incentivar um maior à-vontade em certas actividades íntimas. Contudo, prevê- se uma mudança futura deste paradigma, pelo que a adopção de um costume de relacionamentos calorosos e afectivos seria uma mais-valia para as instituições. Sequeira (2007) menciona várias vezes o sentimento de confiança oriundo do contacto físico.

Uma prestação de cuidados de qualidade não se limita à coesão colectiva entre todos

os utentes de um lar, estendendo-se também à reinserção social na comunidade. O apoio dos familiares tem-se revelado mais assíduo do que se pensa, sendo que metade dos idosos institucionalizados recebe visitas diariamente (ISS, 2005, p.59). Em contrapartida, a realização de reuniões formais entre as famílias e os cuidadores é muito menos frequente (graf 7), o que compromete a sua comunicação, exponencia a incompreensão de uma das partes face às decisões da outra e pode estar na origem de insatisfação e queixas. Também é de realçar que existe um horário de visitas, considerado rígido, na esmagadora maioria das instituições (Paquete, 2011, p.66). Note-se que não é raro existirem tensões entre as famílias e as instituições quanto ao que é mais adequado para o idoso dependente, evidenciando-se uma vez mais o problema complexo de ética médica face a situações ambíguas em que, por exemplo, um doente comete auto-agressão ou autonegligência.

graf 7 - Hábito e frequência das reuniões entre os cuidadores