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A IGREJA NO BRASIL, AS IRMANDADES ROMANIZADAS E A PIA UNIÃO DAS FILHAS DE

Nosso objeto central é a Revista Maria, a revista das Filhas de Maria, uma revista feminina, católica, brasileira, de ampla circulação e longa duração, que teve que enfrentar muitos e longos percalços para tornar-se realidade e, principalmente, para continuar em circulação, num país onde as publicações periódicas via de regra não conseguiam superar o primeiro ano, isso quando não sucumbiam na chamada “maldição dos sete números”39

. O fato de ter sido criada para unificar as discussões que eram caras para a orientação das Pias Uniões das Filhas de Maria espalhadas pelo Brasil inteiro nos impele a dedicarmos um pouco do espaço dessa pesquisa para analisarmos a trajetória da Igreja Católica brasileira, ainda que de maneira resumida, posto que a historiografia que envolve tal questão é vastíssima, para finalmente entender como o projeto da Igreja agrega esses grupos de mulheres como parte importante de sua força social.

O termo “irmandade romanizada” que utilizamos aqui parte da compreensão de que as confrarias, uniões pias, apostolados e outros agrupamentos que a Igreja Católica brasileira organizou durante o chamado Processo de Romanização, em fins do século XIX e início do século XX, apropriam-se da imagem das irmandades, muito populares e poderosas nos séculos anteriores, para atrair a população a se associar a esses agrupamentos. O uso do termo “irmandade” não era feito oficialmente pela Igreja, dessa forma outras denominações, como as mencionadas acima, eram utilizadas. E essas agremiações tinham basicamente um fim devocional, muito diferenciado das irmandades de outrora, cujas funções iam muito além do devocional. Entretanto não era esse o entendimento das pessoas que tomavam parte nesses grupos. A população em geral costumava chamar tais grupos

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Falava-se que no Brasil, dificilmente um impresso ultrapassava o sétimo número. Por falta de recursos para manter-se, encerrava as atividades cedo, daí dizia-se que a imprensa brasileira sofria com a maldição dos sete números.

de irmandades, não sendo incomum, até a década de 1960, encontrar pessoas se referindo à Pia União das Filhas de Maria como “Irmandade das Filhas de Maria”40.

A partir disso, optamos por entender a Pia União das Filhas de Maria, bem como outras congregações e confrarias criadas pela Igreja durante o período da romanização, como “irmandades romanizadas”, uma vez que elas se apropriavam da ideia de irmandade muito popular no Brasil, e adaptavam esse modelo aos parâmetros que o processo de Romanização buscava implementar. Para entender esse processo de reorganização da Igreja, apropriação de práticas do catolicismo não ortodoxo, e engendramento de um novo catolicismo brasileiro, é que abordaremos um pouco dessa Igreja e seu percurso até a chegada da Pia União das Filhas de Maria ao Brasil.

As relações Igreja Católica e Estado no Brasil, desde os tempos da colônia, eram regimentadas a partir do Padroado Régio e do beneplácito. É impossível entender a fundo como se configurou o catolicismo em terras brasileiras, sem considerar essas duas instituições.

O sistema de padroado adotado pela monarquia portuguesa remonta os tempos da chamada Reconquista41 da Península Ibérica. A legislação que envolvia a instituição do padroado entre a coroa portuguesa e a Igreja Católica era extensa e intricada. Em termos gerais, tratava-se de uma série de trocas de direitos e deveres entre a Igreja e a Coroa portuguesa, que a partir do estabelecimento do Padroado, tornou-se padroeira da Igreja. Assim, ao chegar ao Novo mundo, como padroeira da Igreja, a coroa tinha para com ela algumas obrigações e também direitos. Segundo Guilherme Pereira Neves, o padroado

Implicava não só a criação de bispados e paróquias, a ereção de igrejas, a designação e manutenção de prelados, cônegos e pastores, que recebiam as chamadas côngruas, como ainda uma infinidade de providências destinadas a garantir o funcionamento desses dispositivos sobre o imenso território. Em troca dessas obrigações, o monarca detinha os privilégios de arrecadar e aplicar as receitas obtidas com o principal imposto direto da época, o dízimo, em principio destinado à Igreja; de indicar bispos, cônegos e párocos para que as autoridades eclesiásticas os investissem em seus

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A esse respeito ver: ANDRADE, Maria Lucelia de. “Filhas de Eva como anjos sobre a Terra”: A

Pia União das Filhas de Maria em Limoeiro-CE (1915-1945). 2008. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2008.

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Grosso modo, a chamada Reconquista foi uma guerra travada durante séculos entre Cristãos e Muçulmanos. O objetivo cristão era reconquistar o domínio da península Ibérica que havia sido tomada pelos muçulmanos.

cargos; e de dar o seu beneplácito para que bulas e outros documentos pontifícios circulassem e tivessem validade no reino e domínios.42

Logo, com o beneplácito em voga, muitas das determinações e bulas papais não foram adotadas no Brasil, ou foram apenas parcialmente aceitas. De acordo com Bruneau,

Toda comunicação da Igreja devia passar por Lisboa antes de ser recebida no Brasil. De fato, só depois de 1830 é que as informações do legado papal no Brasil passaram a ser transmitidas diretamente a Roma; e só algum tempo mais tarde é que Roma pôde se comunicar diretamente com o Brasil.43

Desse modo, o catolicismo que foi implantado no Brasil colônia tinha feições próprias que se imbricaram de maneira indelével na forma do povo brasileiro viver sua religiosidade. Para além das questões institucionais da religião, ainda temos a particularidade de uma miscigenação intensa de povos que aqui se encontraram e, com esse encontro, engendraram uma religiosidade sincrética, plural, difícil de ser uniformizada, rotulada como uma só.

Uma religiosidade católica obrigatória, porém pouco ortodoxa desprovida do catecismo da Igreja e que enfrentava entre outras dificuldades a ausência de sacerdotes44 que pudessem colocar em voga o catolicismo clerical proposto pelo Concílio de Trento45, o que favoreceu um “catolicismo barroco” como denominou João José Reis46. Tal catolicismo tinha como uma das principais características “elaboradas manifestações externas da fé”, cujas festas de santos era verdadeiras “festas para os olhos” e para os sentidos, em que “música, dança, mascaradas, banquetes e fogos de artifício alegravam os fiéis em apoteóticas homenagens aos santos de devoção.”47

42

NEVES, Guilherme Pereira. A religião do império e a Igreja. In.: GRINBERG, KEILA & SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial. Volume I – 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2009. p. 383.

43

BRUNEAU, Thomas C. Catolicismo Brasileiro em época de transição. São Paulo: Loyola, 1974. p. 34

44

Thomas Bruneau afirma que em fins do Império, o Brasil contava apenas com 700 padres para os mais de 14 milhões de habitantes espalhados pelo vasto território do Império. Cf.: BRUNEAU, Thomas C. Catolicismo Brasileiro em época de transição. São Paulo: Loyola, 1974. p. 55.

45

Como nos lembra Bruneau, diante dos poderes e práticas do padroado e do beneplácito, pode-se afirmar que “ o que foi decretado no Concílio de Trento, pouca relevância tinha no Brasil”. BRUNEAU, Thomas C. Op. Cit. p. 43

46

Cf. REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX, São Paulo: Cia. das Letras, 1991.

47

Dentro desse catolicismo, que privilegiava o corpo e os sentidos, quem assumia o protagonismo eram os leigos, que se organizavam em irmandades e ordens terceiras e dentro delas vivenciavam suas crenças e também suas sociabilidades em diversos sentidos. De acordo com Martha Abreu,

As festas organizadas pelas irmandades em homenagem aos santos padroeiros, ou outros de devoção, eram o momento máximo da vida dessas associações. Para desagrado de muito as autoridades civis e religiosas, preocupadas com a continuidade da ordem e com o não cumprimento das normas litúrgicas, tais festas costumavam confundir as praticas sagradas com as profanas, tanto nas comemorações externas como nas que eram realizadas dentro das igrejas. Além das missas com músicas mundanas, sermões, te-déuns, novenas e procissões, eram partes importantes as danças, coretos, fogos de artifício e barracas de comidas e bebidas.48

As irmandades leigo-religiosas e ordens terceiras ocuparam um papel primordial dentro do catolicismo brasileiro. A elas, o próprio clero se vinculava mais numa função de dependência do que de autoridade. Mesmo na construção dos templos, foram as irmandades que assumiram o papel negligenciado pelo padroeiro da igreja, o Estado, espalhando templos pelas cidades como forma de devoção aos santos padroeiros das irmandades.

Thomas Bruneau, ao falar da relação das irmandades com o clero, deixa claro que tais associações não se subordinavam à figura do padre, muito pelo contrário. A constante omissão da coroa para com seu papel de padroeira da Igreja, deixava os padres seculares numa posição de subordinação também junto aos mais abastados da sociedade, que podiam pagar suas côngruas.

Assim como as irmandades construíam as igrejas, elas também as administravam. O padre era pago pela irmandade para servir na sua igreja, embora muito mais tarde viessem a surgir disputas legais em torno dessa questão. Portanto o padre era considerado ou um funcionário público, uma vez que era pago pelo Estado que recolhia os dízimos para isso, ou um membro de uma família fazendeira, servindo na sua capela, ou um empregado da irmandade em cuja igreja trabalhava.49

As confrarias e associações leigas são herança do catolicismo lusitano. As origens dessa modalidade de agrupamento social remontam tempos distantes. Em Portugal, a existência dessas confrarias já é documentada desde, pelo menos, o século XIII. Transferido esse modelo de agrupamento social para os domínios

48 ABREU, Marta. O Império do Divino: Festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro. 1830 –

1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 34.

49

BRUNEAU, Thomas C. Catolicismo Brasileiro em época de transição. São Paulo: Loyola, 1974. p. 41.

ultramarinos, aqui assumiu, como é próprio da dinâmica social, feições próprias. Na colônia e depois no império, as confrarias foram se tornando cada vez mais numerosas e variadas em suas condições sociais. Iniciadas como agrupamentos de indivíduos de classes abastadas, logo começaram a surgir confrarias compostas por outros segmentos sociais, de pretos, de pardos, de ofícios, etc. Em nome da devoção, os irmãos de fé iam se fechando em grupos de identidade socioeconômicas semelhantes. João José Reis, em seu estudo sobre a Bahia do século XIX, afirma que

As irmandades tinham dessa maneira a função implícita de representar socialmente, se não politicamente, os diversos grupos sociais e ocupacionais da Bahia. Na ausência de associações propriamente de classe, elas ajudavam a tecer solidariedades fundamentadas na estrutura econômica, e algumas não fazia segredo disso em seus compromissos quando exigiam, por exemplo, que seus membros possuíssem, além de adequada devoção religiosa, bastantes bens materiais. Mas o critério que mais frequentemente regulava a entrada de membros nas confrarias não era ocupacional ou econômico, mas étnico racial.50

Dentre elas, “Havia irmandades poderosíssimas, cujos membros pertenciam à nata da elite branca colonial”51. À medida que as irmandades cresciam

em número e importância no Império, era também predominante uma religiosidade pouco ortodoxa, que uma igreja estruturalmente fraca não conseguia combater com eficiência.

Logo, dentro da estrutura do Brasil dos séculos XVIII e XIX, as irmandades foram se firmando como promotoras do catolicismo, em especial diante de uma Igreja dependente que se comportava cada vez mais como um departamento do Estado. Caio César Boschi afirma que dentro desse quadro, as irmandades leigas ofereceram para a Igreja

a dupla vantagem de serem, simultaneamente, promotoras e sedes da devoção, como também eficiente instrumento de sustentação material do culto, no primeiro aspecto, substituíram o papel precípuo do clero como agentes e intermediários da religião. No segundo, arcando com os onerosos encargos dos ofícios religiosos [...]52

50

REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Cia. das Letras, 1991. p. 53.

51

Idem. p. 51.

52

BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986. p. 65.

A posição da Igreja católica no Brasil, sob o padroado, a deixava em uma situação frágil em termos de poderes estruturais, ao mesmo tempo em que o beneplácito, de certo modo, a isolava da Sé romana, responsável por traçar os rumos da Igreja católica no mundo. Com uma significativa parcela do clero assumindo uma postura regalista e mais comprometido com seus interesses políticos e sociais, no Brasil, ainda havia muito a ser feito.

Em fins do século XIX, o mundo parecia ter acelerado suas mudanças, e com elas em uma velocidade maior, deveria pensar em novos valores e ideias. Roma, na pessoa do papa Pio IX, assumia uma postura de condenação do mundo moderno e seus males. Na bula papal Quanta Cura de 1864, juntamente com o seu anexo, a Syllabus, a Igreja declarava como inimigas diversas correntes de pensamento e práticas sociais. Trata-se do que ficou conhecido na historiografia como “Ultramontanismo do século XIX”, que, segundo Santirocchi,

se caracterizou por uma série de atitudes da Igreja Católica, num movimento de reação a algumas correntes teológicas e eclesiásticas, ao regalismo dos estados católicos, às novas tendências políticas desenvolvidas após a Revolução Francesa e à secularização da sociedade moderna. Pode-se resumi-lo nos seguintes pontos: o fortalecimento da autoridade pontifícia sobre as igrejas locais; a reafirmação da escolástica; o restabelecimento da Companhia de Jesus (1814); a definição dos “perigos” que assolavam a Igreja (galicanismo, jansenismo, regalismo, todos os tipos de liberalismo, protestantismo, maçonaria, deísmo, racionalismo, socialismo, casamento civil, liberdade de imprensa e outras mais), culminando na condenação destes por meio da Encíclica Quanta cura e do “Sílabo dos Erros”, anexo à mesma, publicados em 1864.53

No Brasil, entretanto, Dom Pedro II não deu o “placet” à Quanta Cura. É lugar comum apontar a condenação da Maçonaria como a razão para a proibição da

Quanta Cura no Brasil, como também o estopim para o conflito da chamada questão religiosa. Mas as razões vão além, embora seja importante lembrar que os padres

mais importantes da Igreja brasileira e o próprio imperador, eram membros de lojas maçônicas. No entanto, Thomas Bruneau chama a atenção para o fato de que se o imperador tivesse aprovado a bula em terras brasileiras, tornaria evidentes as contradições entre as ideias de Pio IX e a situação de igreja no país. Para Bruneau,

Não era de interesse do Imperador tornar conhecidas as contradições, pois elas só poderiam levantar problemas como de fato levantaram, afinal. Das

53

SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Uma questão de revisão de conceitos: Romanização – Ultramontanismo – Reforma. In: Temporalidades. Belo Horizonte: UFMG, v.2. p. 24 - 33, 2010. p. 24.

oitenta teses que compõem o Syllabus, destaco as seguintes: nº 28, que declarou o “placet” ilegal; nº 37, que se opõe às Igrejas nacionais; e o nº 42 que declara ser errônea a predominância, nos conflitos, do direito civil sobre o direito canônico. O Syllabus condena violentamente a Maçonaria, e nessa época, no Brasil, os padres mais importantes e o próprio Imperador pertenciam a lojas maçônicas. A importância e o impacto do Syllabus cresceram quando Pio IX obteve do Concílio Vaticano I, a declaração da infalibilidade papal em 1870; isto é, a centralização institucional da Igreja Universal no papado.54

Não obstante, a Igreja Católica, em nível mundial, estivesse às voltas com os males da modernidade, combatendo-os através do ultramontanismo, no Brasil, as características que o catolicismo assumiu desde a colonização, exigindo-se da Igreja local outras reflexões e ações que iam além daquelas propostas pelo movimento ultramontano.

Com o acirramento do movimento ultramontano, a posição defendida na bula Quanta Cura encontra, no Brasil, eco em alguns prelados que decidem desafiar a hierarquia do padroado e do beneplácito, gerando uma acirrada disputa que termina com a chamada “questão religiosa” de 1874. Para alguns autores55

, esse episódio é tido como o ponto de partida do movimento que culminará com o fim do padroado régio e a separação oficial entre Igreja Católica e Estado brasileiro após a proclamação da República em 1889.

Nesse percurso, e após a separação, a Igreja Católica no Brasil precisou de certo modo se reinventar no processo de reorganização, com avanços e retrocessos, no que diz respeito às ideias ultramontanas. As mudanças pelas quais a igreja católica brasileira passou em sintonia com o movimento ultramontano foram chamadas, na historiografia nacional, como Processo de Romanização, termo que já se tornou clássico nos trabalhos que abordam a Igreja Católica brasileira em fins do século XIX e início do século XX.

Em meio às mudanças propostas pelo papa, com seu ultramontanismo fortalecido e as mudanças internas no Brasil, onde a monarquia estava enfraquecida, até que veio a cair por meio de um golpe em 1889, a Igreja Católica no Brasil se viu em meio a muitos dilemas e dificuldades. Primeiramente, era necessário considerar que os séculos de Padroado Régio e de Beneplácito fizeram dela uma igreja com características próprias, mais nacionais do que propriamente

54

BRUNEAU, Thomas. Op. Cit. p. 58.

55

Podemos citar: Riolando Azzi; Caio César Boschi; Thomas C. Bruneau; Guilherme Pereira Neves; Pedro A. Ribeiro Oliveira, entre outros.

romanas. Para uma significativa parcela do clero nacional, extremamente regalista, pensar numa igreja católica nacional era mais conveniente e viável do que pensar numa reestruturação a partir dos moldes romanos.

A ideia de uma igreja nacional, nos moldes anglicanos não era ideia nova, e a forma como a igreja fora organizada durante a colônia e o império favorecia isso. No entanto, as ideias ultramontanas parecem ter tido forte ressonância entre parte importante do clero, e a opção por voltar-se a Roma, retomando suas determinações acabou prevalecendo, quando a separação oficial entre Igreja e Estado ocorreu.

Entretanto, essa opção não era algo simples de ser posto em prática. A fraqueza institucional da Igreja, a “ignorância religiosa” da grande maioria da população, associada à indiferença religiosa das classes mais abastadas, mostravam aos nomes de maior destaque da Igreja, que longa seria a jornada e árduo o trabalho a ser feito para reestruturar a Igreja brasileira. Dom Sebastião Leme, um dos nomes mais importantes do processo de romanização e do pensamento ultramontano nacional, em sua histórica Carta pastoral de 1916, apontava as dificuldades que a Igreja deveria enfrentar para se fortalecer no país. Logo no sumário de sua carta pastoral, D. Leme aponta “o grande mal e suas causas” da situação religiosa do Brasil56.

As formas de vivenciar o catolicismo eram vistas como fruto da ignorância religiosa e as irmandades leigas, com seus festejos e devoções, eram representantes desse mal.

As irmandades leigas prevaleciam na vivencia religiosa do país, inclusive arrecadando, junto aos fiéis, substanciais contribuições financeiras, enquanto o clero carecia de apoio material para sobreviver. Os templos, em grande parte de propriedades das irmandades, ainda eram poucos, se considerarmos a numerosa população e menos numerosos ainda eram os seminários e as dioceses. O Estado

56

Em sua carta Dom Leme aponta: O grande mal e suas causas

I - O mal - A situação religiosa do Brasil

A grande maioria é catholica, a quase totalidade, mesmo – falta-nos, porém o cumprimento dos deveres religiosos e sociaes – Catholicos de nome, por tradição, apenas – Somos uma força colossal, mas força que não actúa – O Brasil-nação – não é catholico.

II - As causas do mal - Quaes são ellas?

Respeito humano, paixões, preocupação da vida material e principalmente a ignorancia da Religiao. A ignorancia religiosa é a causa ultima da descrença e do catholicismo por metade. – A falta de acção

catholica social é a causa da nossa pouca influencia nos destinos sociaes do paiz. In.: LEME, Sebastião. Carta pastoral de Dom Sebastião Leme saudando a sua Archidiocese. Petropolis: Typ. Vozes de Petropolis, 1916. Summario.

brasileiro foi negligente com a organização da igreja, impedindo, ao máximo, a criação de dioceses e outras circunscrições eclesiásticas57, evitando, assim, maiores gastos com a manutenção do aparelho eclesiástico, ao mesmo tempo em que impedia uma presença eficiente do clero junto à população nacional, que em sua maioria, vivia sua religiosidade sem a orientação direta do clero católico.

Por seu turno, a Igreja Católica, com o fim do Padroado, mantinha-se numa postura ambígua, uma vez que não podia combater com violência as práticas do chamado “catolicismo popular” e das irmandades leigas, mas também não podia continuar legitimando as práticas e relações que antes mantinham. Assim, aos