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A Igreja Presbiteriana Renovada: uma esperança para o presbiterianismo brasileiro?

2 O PENTECOSTALISMO NEOCLÁSSICO – UMA ANÁLISE DA IGREJA

2.3 A Igreja Presbiteriana Renovada: uma esperança para o presbiterianismo brasileiro?

Simonton, mesmo ligado ao Board de Nova Iorque, trazia consigo uma forte influência da teologia conservadora presente na Igreja do Sul. Seu discurso era polido em relação à Igreja Católica Romana, entretanto carregado de um pietismo, fruto do avivamento que ocorrera nos Estados Unidos no Século XVIII11; ele chega a escrever no seu diário: “O mundo apela para o que é sensual... Para viver é necessário elevar-se a outra atmosfera, absorvendo todo o poder de um mundo desconhecido da vista, e de Jesus, o Salvador invisível”. (SIMONTON, apud MENDONÇA 1995, p. 180).

11 Durante o Século XVIII ocorreu na América do Norte um despertamento espiritual, chamado de reavivamento.

Segundo Walker (1967, p. 216): “O Despertamento não só levou à tremenda ativação da vida cristã, mas ainda transformou os conceitos sobre a maneira de entrar nessa vida, e de tal modo que afetou profundamente a maioria das igrejas americanas”.

A chegada de ventos renovados no Brasil, a partir da segunda metade do Século XX, foi suficiente para animar os protestantes históricos, em especial os presbiterianos. Lima (1996), ao se referir ao cisma renovado na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, diz que o movimento não sofreu um assédio externo, de algum grupo pentecostal, mas havia um “crescimento da população simpática ao pentecostalismo dentro da própria IPI” (LIMA, 1996, p. 247). Ele justifica este crescimento à formação dos pastores que, devido a sucessivas crises institucionais, o Seminário da denominação não possibilitou o devido preparo a sua liderança, que possibilitasse uma compreensão do fenômeno pentecostal que ganhara força no Brasil, a partir de 1950.

Além deste despreparo denominacional, Lima (1996, p. 248) diz que “a própria linguagem pietista e avivalista corrente na Igreja favorecia uma aproximação com a pregação pentecostal, especialmente no que toca à santidade cristã”.

Este misto de avivamento nos moldes norte-americanos, que enfatizava a “moralidade estrita e ardente piedade” (WALKER, 1967, 216), chegara ao Brasil. E o pentecostalismo foi confundido com avivamento. Como na prática diária, os pentecostais tinham comportamento e mensagem que condiziam com o discurso avivalista; a confusão entre avivamento e prática pentecostal foi inevitável.

Carvalho (1985) demonstra que, mesmo com as orientações da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, através de seus concílios (Supremo Concílio e Sínodos), que buscaram alertar a liderança da igreja para os perigos da “penetração do ideário pentecostal nos arraiais independentes” (CARVALHO, 1985, p. 67), a igreja, em alguns lugares do Brasil, deixou-se levar pelo anseio de uma vida avivada.

Alguns líderes, pastores e leigos procuraram se organizar para ocuparem cargos de destaque na Igreja Presbiteriana Independente, com o objetivo de direcionar as decisões conciliares favoráveis ao movimento avivalista. O que gerou uma divisão interna entre os

tradicionais (defensores da ordem da Igreja) e os avivados (desejosos de mudanças).

Os defensores de uma renovação espiritual propunham uma nova prática no dia-a- dia da igreja. Práticas que influenciavam na vida pessoal dos cristãos das comunidades locais. Carvalho (1985), em seu trabalho que discute o movimento divisionista na Igreja Presbiteriana Independente de Assis (SP), diz que esta influência

[...] se caracterizava pelo controle e combate a algumas condutas externas, que eram consideradas como influenciadas pelos “modismos” da época, tais como cabelos curtos para as mulheres, pinturas pronunciadas nos olhos, lábios e unhas das mãos, vestidos decotados e curtos, “que tiram a naturalidade e os movimentos comuns e naturais à mulher, bem como o uso de calças compridas no recinto do templo”. Quanto aos homens, combatia-se o uso de cabelos compridos e “roupas não condizentes com a sobriedade própria do cristão”, controle e combate ao uso de bebidas alcoólicas, do cigarro e “outros vícios condenados pela moral cristã”. (CARVALHO, 1985, p. 82-83).

As celebrações passaram a ter um caráter mais informal, com a introdução na prática litúrgica de cânticos de fácil assimilação e que traziam letras que apontavam para elementos doutrinários do movimento pentecostal. Outra mudança na prática litúrgica adotada por igrejas locais favoráveis ao avivamento eram as orações. Segundo Carvalho (1985), os crentes eram orientados a fazerem orações rápidas, objetivas, que falassem diretamente de suas necessidades imediatas. Aceitou-se a prática das palmas durante as celebrações e a introdução de testemunhos de vida, intercalados com expressões: aleluia, glória a Deus, amém, típicos das igrejas pentecostais.

Carvalho (1985) afirma ainda que, quando os membros da igreja de Assis tomaram conhecimento de que práticas semelhantes também ocorreram em igrejas presbiterianas do norte do Paraná, e que as mesmas tiveram um nível de mudança no que se

referia à dinâmica da igreja e da participação dos crentes na vida da comunidade, a busca pela implementação destas práticas aumentou na vida daquela igreja.

O impulso tomado pelo movimento de “Renovação Espiritual” foi tão forte, com um envolvimento tão incomum da comunidade, que posições contrárias a ele se diluíam, controladas ou ignoradas pelos líderes, de forma que não chegaram a provocar uma reação a ponto de por em risco o movimento.

Os valores adotados do pentecostalismo de certa forma preenchiam os espaços vazios entre o crente e a “posse” e o “exercício” das tarefas sagradas que, em uma organização tradicional, ficam restritas aos seus dirigentes, personificados pela autoridade do pastor. Essas “funções”, desenvolvidas pelos valores pentecostais, não criaram obstáculos, ou melhor, até proporcionaram uma participação mais intensa dos membros da comunidade. A simplificação da liturgia dos cultos, o uso de instrumentos musicais mais populares, a linguagem direta das pregações e das orações em público, colaboraram sobremaneira para tal participação, elevando as pessoas frente à comunidade, obtendo esta última um prestígio nunca tido antes. (CARVALHO,1985, p. 89-90).

Era a busca por uma prática cristã realmente renovada, não só no sentido de renovação espiritual, considerando a doutrina pentecostal do Batismo com o Espírito Santo e a evidência de falar em línguas estranhas, mas, acima de tudo, de uma vida cristã renovada, no que se refere à piedade cristã. “Os crentes, através de uma diligente e diária busca de ‘renovação’ de suas atitudes, procuravam atingir o modelo perfeito, Jesus Cristo, configurando-se assim uma das únicas formas que a comunidade poderia se apropriar de uma posição no todo da sociedade” (CARVALHO, 1985, p. 95). Desta forma, os crentes se sentiam verdadeiramente cidadãos, no entanto separados para uma ação específica; e para isso não poderiam medir esforços.

Entretanto esta, que na visão dos renovados deveria ser o verdadeiro caminho da igreja, sofreu por parte da instituição maior retaliação e censura. A confusão entre avivamento e pentecostalismo e a busca dos renovados de levar a renovação pelo viés político foram os vilões de sua derrota institucional. Na reunião do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, em 1972, o grupo não alcançou êxito. “Além de não conseguir fazer o presidente, [...] foram tolhidos oficialmente por decisões do próprio Supremo Concílio, que resolveu agir duramente para coibir o avanço pentecostal na Igreja”. (LIMA, 1996, p. 248).

Gini (2010) relata a decisão do Supremo Concílio da IPIB e a reação imediata dos renovados:

O Supremo Concílio, por votação unânime, condenou todas as práticas consideradas pentecostais, como unção com óleo, ósculo santo, cumprimentos com a Paz do Senhor, manifestação de línguas estranhas, profecias, atividades de curas divinas, acompanhamento de palmas nos cânticos, entre outras. Também deu plenos poderes à Mesa Administrativa para funcionar como Assembleia Geral, no sentido de advertir, disciplinar e tomar todas as medidas necessárias à manutenção da ordem e fidelidade à IPI do Brasil em todas as suas igrejas. [...]

Cerca de duas semanas depois da reunião de Brasília, pastores e igrejas começaram a receber um documento, espécie de carta-aberta, intitulado Manifesto à Igreja Presbiteriana Independente, assinado por seis presbíteros da 1ª IPI de Bauru. [...] A Mesa havia recebido, além do Manifesto de Bauru, documentos para revisão da matéria e protestos por partes das seguintes igrejas: 1ª, 2ª, 3ª e 4ª de Assis (SP), 1ª de Maringá, Arapongas, Campo Mourão, Paranavaí, Canaã, Itambé, Faxinal, Jaguapitã, 2ª e 3ª de Londrina e de Campina da Lagoa, estas todas do Paraná. (GINI, 2010, p. 154-155).

Os renovados ainda encaminham à Mesa Administrativa o chamado Documento

de Arapongas, que tem como base uma reunião ocorrida nesta cidade do Paraná, onde

funcionava um Instituto Bíblico da denominação. No documento, os signatários não aceitavam serem chamados de praticantes de doutrina pentecostal e afirmavam que o grupo iria descumprir a decisão conciliar, por entender que suas práticas condiziam com as Escrituras Sagradas.

Até junho de 1972, pelo menos 10 pastores haviam deixado a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (GINI, 2010) na cidade de Assis – SP e no dia 8 de julho organizaram a Igreja Presbiteriana Independente Renovada – IPIR. “Respeitando como limite cronológico o ano de 1975 quando se dá a constituição da Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil - IPR, fruto da união da IPIR com dois presbitérios da Igreja Cristã Presbiteriana (Brasil Central e Cianorte)”. (GINI, 2010, p. 158-159).

Assim, em 08 de janeiro de 1975, é oficialmente organizada a Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil (IPRB), com 34 pastores oriundos da IPIB e 25 da Igreja Cristã

Presbiteriana. A IPRB, na atualidade, é a segunda maior denominação presbiteriana do Brasil, com 131.972, segundo dados de 201112.

Em abril de 2005, na celebração dos trinta anos da IPRB, o presidente, Rev. Advanir Alves Ferreira, em fala na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, afirmou:

A Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil, que ora completa trinta anos, conta hoje com mais de 800 pastores trabalhando de uma maneira efetiva e realizando o seu trabalho com ardor. Temos quase 1.500 trabalhos neste país, entre igrejas e congregações. Estamos em todos os estados desta nação. Temos chegado a cada Estado para realizar a obra que o Senhor nos tem ordenado e Deus tem sido fiel para conosco.

...

Então a nossa Igreja tem crescido, tem tido grande desenvolvimento e glorificamos ao Senhor por isso. Deus tem sido maravilhoso, Deus tem sido fiel para conosco, como Ele sempre foi. É um Deus de poder, é um Deus que faz acontecer. Assim, a Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil veio para marcar uma presença importante nesta nação e em outras. Tudo isso realmente é motivo para glorificarmos o nome do Senhor. A IPRB é uma igreja que começou pequena e hoje já tem quase cem mil membros, o que não é um número pequeno, é significante. E temos crido que o Senhor haverá de multiplicar essa Igreja, tudo com o objetivo de fazer com que o Evangelho alcance multidões. (FERREIRA, 2005, s/p)

O ramo presbiteriano brasileiro sofre mais uma divisão. A Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil surgia então como uma retomada de ideais pietistas, presentes no fundador do presbiterianismo brasileiro. Mas com um novo elemento, a doutrina pentecostal como fonte inspiradora da renovação espiritual proposta pelos membros fundadores da denominação.

Nos domínios da religião, bem como nos da história, mais notadamente nos da religião, várias vezes o homem se defrontou com situações semelhantes. A crença, somada à confiança nas lideranças, leva o adepto a seguir inovações propostas, provocando muitas vezes rupturas e modificações nas instituições. Se por um lado o movimento de “Renovação Espiritual” cindiu o presbiterianismo independente e fundou para si uma nova organização com características próprias e fins precisos, não menos marcada ficou a instituição de origem. Esta guardaria para si as lições aprendidas de “duras provações”, de ver a comunidade dividida e com ela um certo esvaziamento de todo um trabalho [...].(CARVALHO, 1985, p. 166)

O que se percebe em toda a discussão sobre o avivamento e as práticas pentecostais na IPIB é a busca pela manutenção ou pela ascensão ao poder. Líderes que, desejosos de verem suas ideias sobressaírem, constroem em volta de si mesmos todo um aparato que justifica o surgimento de novos grupos, em nome da verdade por eles defendida. Foi assim com os independentes em 1903, com os conservadores em 1940 e com os renovados em 1972.

2.4 A Igreja Presbiteriana Renovada de Aracaju – o início de um projeto ético-