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2. DIREITO DO TRABALHO E RELAÇÃO JURÍDICA

2.5. IGUALDADE E JUSTIÇA

Antes de prosseguirmos, e isso se torna fundamental ao considerarmos o objeto tratado neste trabalho, essa ontogênese e subsunção não implica em uma limitação ideal completa ao espírito humano, mas uma determinação baseada nas próprias circunstâncias históricas apresentadas, conforme podemos inferir desse trecho de Engels:

Os grandes homens que, na França, iluminavam as mentes para a revolução vindoura atuavam, eles próprios, de modo sumamente revolucionário. Eles não reconheciam nenhuma autoridade exterior, qualquer que fosse sua espécie. Religião, visão da natureza, sociedade, ordem estatal - tudo era submetido à crítica mais implacável,

148 PACHUKANIS, Evgeni. A Teoria Geral do Direito e o Marxismo e ensaios escolhidos (1921-1929) . Tradução de Lucas Simone; coordenação Marcus Orione. 1ª edição, São Paulo: Sundermann, 2017, p. 177.

149 LUKÁCS, György. Para uma Ontologia do Ser Social II. Tradução de Nélio Schneider, Ivo Tonet, Ronaldo Vielmi Fortes. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2013, p. 235.

150 PACHUKANIS, Evgeni. A Teoria Geral do Direito e o Marxismo e ensaios escolhidos (1921-1929) . Tradução de Lucas Simone; coordenação Marcus Orione. 1ª edição, São Paulo: Sundermann, 2017, p. 177.

151 LUKÁCS, György. Para uma Ontologia do Ser Social II. Tradução de Nélio Schneider, Ivo Tonet, Ronaldo Vielmi Fortes. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2013, p. 239.

152 MARX, Karl. Miséria da Filosofia . Tradução de José Paulo Netto. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2017, p. 84.

153 LUKÁCS, György. Para uma Ontologia do Ser Social II. Tradução de Nélio Schneider, Ivo Tonet, Ronaldo Vielmi Fortes. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2013, p. 236.

tudo tinha de justificar sua existência diante do tribunal da razão ou renunciar a ela. 154

Isso era possível uma vez que o antagonismo de classes dominante na sociedade feudal era outro, os interesses burgueses se imiscuíam aos de outras classes oprimidas 155 exatamente por estarem sob uma dominação que não era feita a sua imagem e semelhança, o que acabava possibilitando uma ampliação do ideal como de libertação humana em geral, entretanto, ao fim, no caminho deste “império da razão” acabou por encontrar uma limitação real devido a suas próprias determinações, vejamos Engels:

Agora sabemos que esse império da razão nada mais era que o império idealizado da burguesia, que a justiça eterna foi concretizada nos tribunais da burguesia, que a igualdade desembocou na igualdade burguesa diante da lei, que como um dos direitos humanos mais fundamentais foi proclamada a propriedade burguesa e que o Estado racional, o contrato social de Rousseau, veio e só podia vir à existência como república democrática, burguesa. 156

Todavia, mesmo assim, e exatamente por esse contexto de não haver uma limitação ideal, mas determinação limitante aos produtos do espírito, a concepção jurídica não deixou de aparecer como arena para construção de uma alternativa para o proletariado , tanto em 157 contextos anteriores aos socialistas utópicos, como durante a ascensão do proletariado enquanto classe cada vez mais consciente de si no século XIX, como demonstram os debates intelectuais travados entre Marx e Engels, de um lado, e teóricos que reconheciam o Direito como arena possível, em certa medida, ou ao menos na medida dos seus princípios , como 158 Proudhon, Lassalle, Dühring, Menger, etc. por outro, debates que nos relegaram obras fundamentais para a compreensão do Direito.

154 ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring: a revolução da ciência segundo o senhor Eugen Dühring . Tradução Nélio Schneider. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2015, p. 45.

155 Isso não impediu que ocorressem movimentações autônomas do que se constituiria enquanto proletariado, conforme explicita Engels em Ibid. pp. 46-47.

156 Ibid. p. 46.

157 ENGELS, Friedrich; KAUTSKY, Karl. O socialismo jurídico . Tradução Lívia Cotrim e Márcio Bilharinho Naves. 2ª edição revista, São Paulo: Boitempo, 2012, pp. 19-20.

158 Relevante notar como conceitos unilaterais nascidos da sociedade produtora de mercadorias e fundamentais no Direito, como liberdade e igualdade, tomam conta também das formulações dos socialistas utópicos em geral, que, assim como alguns dos sucessores descritos, pensavam em seu modelo de sociedade como achados fruto de um “gênio”, verdades eternas que podiam ser postas em práticas para a libertação de toda a humanidade, e não produtos do desenvolvimento histórico, conforme explicitam Marx e Engels em MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista . Tradução de José Barata Moura. 2ª edição, Lisboa, Portugal: Editorial "Avante!", 1997. Disponível em: http://bit.ly/34nne9u. Acesso em 11/10/2019, pp. 60-62; ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring: a revolução da ciência segundo o senhor Eugen Dühring . Tradução Nélio Schneider. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2015, p. 47-48; e ENGELS, Friedrich; KAUTSKY, Karl. O socialismo jurídico . Tradução Lívia Cotrim e Márcio Bilharinho Naves. 2ª edição revista, São Paulo: Boitempo, 2012, p. 20.

Relevante notar que muitos dos autores não estavam debatendo sobre o âmbito específico do Direito, mas sobre a sociedade em geral, principalmente propondo mudanças amplas no complexo político, que apresenta relevante autonomia frente ao Direito, mas que, invariavelmente, esses autores acabavam por passar por uma colocação a respeito da esfera jurídica mesma, entretanto ao construir seus sistemas utópicos visando amenizar a miséria do proletariado, conforme explicita Marx em Miséria da Filosofia, estavam limitados por uma condição histórica muito específica, que seja: em certos momentos o proletariado não estava desenvolvido para se constituir enquanto classe, até pela impossibilidade ocasionada pelo insuficiente desenvolvimento das forças produtivas. 159

Entretanto precisamos notar a proposição lukacsiana de que:

Ao lado do direito real, efetivamente funcionando, ao lado do assim chamado direito positivo, sempre esteve presente na consciência social dos homens a ideia de um direito não posto, que não brota de atos sociais, considerado como ideal para o primeiro, a saber, o direito natural. 160

Precisamos relembrar, entretanto, que direito em Lukács está diretamente relacionada às formas específicas de regulação em sociedades de classe , não coadunando 161 completamente com a colocação disposta durante o presente texto, seguindo Pachukanis, em identificar a mediação jurídica, ao menos em sua forma mais evoluída , com o modo de 162 produção capitalista.

Todavia tal posição lukacsiana, mesmo que involuntariamente, revela a realidade disposta sob a nascente sociedade burguesa que leva ao surgimento das proposições de “sistemas utópicos” por parte de teóricos socialistas e comunistas. O movimento de criação 163 do Estado burguês com base em uma igualdade aferível não possibilitou, pelo contrário, a completa cegueira em relação a visão unilateral assumida pelas relações sociais, uma vez que estava clara a pauperização real contraposta ao sujeito de direitos e ao cidadão. Todavia,

159 MARX, Karl. Miséria da Filosofia . Tradução de José Paulo Netto. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2017, p. 113.

160 LUKÁCS, György. Para uma Ontologia do Ser Social II. Tradução de Nélio Schneider, Ivo Tonet, Ronaldo Vielmi Fortes. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2013, p. 232.

161 Ibid. p. 230.

162 “A forma desenvolvida e acabada não exclui as formas pouco desenvolvidas e rudimentares, mas, ao contrário, as pressupõe” (PACHUKANIS, Evgeni. A Teoria Geral do Direito e o Marxismo e ensaios escolhidos (1921-1929) . Tradução de Lucas Simone; coordenação Marcus Orione. 1ª edição, São Paulo: Sundermann, 2017, p. 63).

163 MARX, Karl. Miséria da Filosofia . Tradução de José Paulo Netto. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2017, p. 113.

foram por estes mesmos princípios dispostos pela sociedade produtora de mercadorias que esses teóricos buscaram solucionar tal problema , para muitos destes socialistas nada era 164 mais natural que, na mesma medida em que se colocavam contra a miséria em que se encontrava o proletariado nascente, tomar por armas proposições e princípios próprios do Direito Natural, o que implicava em eternizar certas relações sociais 165 e, na medida da manutenção destas últimas, propor construções sistemáticas não resolutivas das próprias contradições presentes na sociedade. Entretanto, conforme o próprio Lukács resume:

Nem a complementação pela moral nem todas as iniciativas reformistas no direito natural e a partir dele foram capazes de elevar o direito acima do nível de generidade que lhe é inerente. Nesse ponto, só podemos apontar para o fato de que o sonho de justiça inerente a todas essas exigências, enquanto ele precisar ser e for concebido nos termos do direito, não poderá levar além de uma concepção – em última análise, econômica – de igualdade, da igualdade que é determinada de modo socialmente necessário a partir do tempo de trabalho socialmente necessário e que se concretiza no intercâmbio de mercadorias, tempo de trabalho socialmente necessário que deve permanecer como base real e, por essa razão, insuperável no pensamento, de todas as concepções jurídicas de igualdade e justiça. 166

Ou seja, justiça e igualdade, conforme já disposto em nossa exposição, são princípios que se ligam muito intrinsecamente a sociedade produtora de mercadorias, e sua própria realização a partir de uma premissa ideal, conforme também já foi explicitado, se subsume às próprias condições estabelecidas pela produção de mercadorias . Não é exatamente a 167 sociedade burguesa que iguala os homens ao considerá-los como potenciais produtores de trabalho abstrato, e, de forma ainda mais indiferente, reduz cada um a igual a todos ao considerar apenas o trabalho socialmente necessário para produzir um determinado produto para remunerar o trabalho por determinado período de tempo, de maneira que “um homem de uma hora vale tanto quanto outro homem de uma hora.” ? Da mesma maneira, é plenamente 168 justo para o mundo burguês o intercâmbio de determinada mercadoria por seu valor, por que 164 Relevante notar que, mesmo mantidas as bases burguesas, algumas destas proposições ainda eram temerosas para a burguesia, não por acaso dispõe Pachukanis: “o passado revolucionário do direito natural começou a suscitar nela [a burguesia] receio, e as teorias dominantes apressaram-se a arquivá-lo.” (PACHUKANIS, Evgeni.

A Teoria Geral do Direito e o Marxismo e ensaios escolhidos (1921-1929) . Tradução de Lucas Simone;

coordenação Marcus Orione. 1ª edição, São Paulo: Sundermann, 2017, p. 176).

165 MARX, Karl. Miséria da Filosofia . Tradução de José Paulo Netto. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2017, p. 113.

166 LUKÁCS, György. Para uma Ontologia do Ser Social II. Tradução de Nélio Schneider, Ivo Tonet, Ronaldo Vielmi Fortes. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2013, p. 243.

167 MARX, Karl. Miséria da Filosofia . Tradução de José Paulo Netto. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2017, p. 78; Id. Crítica do Programa de Gotha. Seleção, tradução e notas Rubens Enderle. 1ª edição, São Paulo: Boitempo, 2012, p. 27.

não o seria da mesma maneira em relação a mercadoria força de trabalho? Conforme bem explicita Pachukanis: “é ridículo ver na ideia de justiça algum critério autônomo e absoluto.”

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Entretanto, mesmo que as propostas de sistemas fechados e utópicos tenham ao pouco esvaecido seu poder de atração dentro do movimento socialista/comunista com o desenvolvimento do proletariado, conforme supracitado , esses princípios encontram seu 170 porto seguro dentro dos movimentos de extração trabalhadora até os dias de hoje principalmente na arena do Direito do Trabalho , conforme buscaremos explicitar. 171

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