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III / III [Il pleure dans mon cœur]

ANEXO XII – Liberté / Um único pensamento

4. POEMAS TRADUZIDOS DO FRANCÊS AO PORTUGUÊS

4.5. TRÊS POEMAS DE VERLAINE

4.5.3. III / III [Il pleure dans mon cœur]

A terceira e última tradução é do poema III [Il pleure dans mon cœur], da parte “Ariettes oubliées” de Romances sans paroles (1874). Como indica o título da parte onde está inserido o poema, em português “Pequenas árias esquecidas”, os poemas ali reunidos são fortemente marcados pela musicalidade. O poema original traz como epígrafe um suposto verso ou frase de Rimbaud, que não se encontra em nenhum dos poemas reunidos em sua obra completa. Bandeira suprimiu a epígrafe. Vejamos os poemas:

III III Il pleut doucement sur la ville.

(Arthur Rimbaud) 1 Chora em meu coração Il pleure dans mon cœur

2 Como chove lá fora. Comme il pleut sur la ville;

3 Que desconsolação Quelle est cette langueur

4 Me aperta o coração! Qui pénètre mon cœur?

5 Oh a chuva no telhado Ô bruit doux de la pluie

6 Batendo em doce ruído! Par terre et sur les toits !

7 Para as horas de enfado, Pour un cœur qui s’ennuie

8 Oh a chuva no telhado! Ô le chant de la pluie!

9 Chora em ti sem razão, Il pleure sans raison

10 Coração sem coragem. Dans ce cœur qui s’écœure.

11 Se não houve traição, Quoi ?nulle trahison?...

12 Teu luto é sem razão. Ce deuil est sans raison.

13 Certo, é essa a pior dor: C’est bien la pire peine

14 O não saber por que De ne savoir pourquoi

15 Sem ódio e sem amor Sans amour et sans haine

16 Há em mim tamanha dor. Mon cœur a tant de peine!

O poema de Bandeira se estrutura em quatro quadras hexassílabas, com o esquema de rimas abaa, onde a última palavra do primeiro verso se repete no final do quarto verso. O poema se serve da evocação da chuva para investigar o estado de espírito melancólico do sujeito poético. Os elementos chuva e choro são colocados em paralelo e remetem à tristeza. As duas primeiras quadras, à maneira de um ubi sunt, investigam a melancolia sem razão aparente que experimenta o sujeito poético. A terceira quadra esclarece que não há razão para a dor, enquanto a quarta quadra conclui ser justamente a ausência de causa que torna a tristeza mais doída.

O original apresenta a estrutura adotada pelo tradutor. O poema se desenvolve a partir do paralelo chorar e chover, onde o estado de espírito melancólico pode ser uma projeção da chuva ou o contrário, a chuva refletir o choro.

1Il pleure dans mon cœur Chora em meu coração 2Comme il pleut sur la ville, Como chove lá fora 3Quelle est cette langueur Que desconsolação

4Qui pénètre mon cœur ? Me aperta o coração!

A primeira estrofe original opõe claramente o interior do sujeito poético à cidade exterior; na tradução, “Lá fora” traz apenas vagamente a noção do espaço exterior. A pergunta do terceiro e quarto versos anuncia o desconhecimento do sentimento que experimenta o sujeito poético. Bandeira, no entanto, anula o que é a inquietação diante de um sentimento desconhecido e propõe os versos exclamativos. Além disso, trocou o sentido de “pénètre” (penetra) por “aperta”, eliminando a ideia de um processo emocional descrito no momento inicial em que ele acontece.

5Ô bruit doux de la pluie Oh a chuva no telhado 6Par terre et sur les toits ! Batendo em doce ruído ! 7Pour un cœur qui s'ennuie Para as horas de enfado,

8Ô le chant de la pluie ! Oh a chuva no telhado !

Na segunda estrofe, o tradutor deslocou o sentido do quinto para o sexto verso, suprimiu “par terre” (por terra) e repetiu o quinto verso no oitavo, quando o original apresenta uma mudança em direção à harmonia: o quinto verso traz inscrito o doce barulho da chuva e o oitavo o canto da chuva. Nos dois casos a ênfase é dada ao som da chuva, enquanto na tradução esse elemento aparece menos explícito e o oitavo verso repete o quinto, desprezando a progressão presente no original. A supressão do elemento “cœur” (coração), no sétimo verso, enfraquece a estrofe na medida em que fica perdida a associação entre coração e sentimento que é o tema geral do poema.

9Il pleure sans raison Chora em ti sem razão,

10Dans ce cœur qui s'écœure . Coração sem coragem. 11Quoi !nulle trahison ?... Se não houve traição, 12Ce deuil est sans raison. Teu luto é sem razão.

Na terceira estrofe, a tradução observa de perto a original. No décimo verso, o acréscimo da preposição “sem” ecoa e reitera a ideia de

ausência que no original se encontra apenas nos versos 9 e 12. O verso 11, inteiramente novo na tradução, introduz uma ideia de condição, /Se não houve traição,/ que vai ser respondida no verso 12. Os acréscimos do pronome oblíquo “ti” (verso 9) e do possessivo “teu” (verso12) operam uma mudança significativa em relação ao original, que se refere ao coração em terceira pessoa, logo com certo distanciamento. O uso da segunda pessoa, na tradução, ao contrário, expressa uma proximidade.

13C'est bien la pire peine Certo, é essa a pior dor :

14De ne savoir pourquoi O não saber por que

15Sans amour et sans haine Sem ódio e sem amor

16Mon cœur a tant de peine ! Há em mim tamanha dor.

Na quarta estrofe, há o acréscimo de “certo”, no verso 13. O acréscimo deste elemento antecipa e reitera o tom categórico da estrofe. No verso 15, a ordem dos elementos se inverte. E no verso 16, o “cœur” (coração) foi novamente suprimido. Esta é a palavra chave do original e se repete cinco vezes no poema, enquanto na tradução, apenas três vezes, o que representa uma perda do efeito da epímone.

Quanto à forma, a tradução segue o original no que concerne à métrica, versos hexassílabos, com esquema de rimas abaa, a cada estrofe, observando-se que a última palavra do primeiro verso se repete no último. No original, as rimas, seguindo o esquema citado, são agudas em “a” e graves em “b” nas três primeiras estrofes e o inverso na quarta estrofe. Na tradução, a segunda estrofe apresenta apenas rimas graves e a quarta estrofe apresenta apenas rimas agudas; nas demais estrofes, o esquema é o mesmo do original. Logo, quanto à forma, os dois poemas não diferem nos aspectos mais destacados.

No que concerne às imagens, evocações sonoras, elementos lexicais e sintaxe, a tradução reflete o poema original nos seus aspectos mais relevantes, porém há cinco omissões lexicais, dois acréscimos e três alterações leves de sentido.

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