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2.3 A estrutura e as componentes da Literatura para a Infância

2.3.2 Ilustração

“A ilustração representa imagens que dialogam com o leitor e que dão corpo ao texto” (Rigolet, 2009, p.12).

Esta componente, de acordo com Rigolet (2009), engloba a ilustração da capa, as guardas do livro, a página ou dupla página, o efeito zoom, os planos diferentes, o padrão linguístico da ilustração, cores vivas ou reais e códigos de B.D. Existem quatro níveis de dificuldade na leitura das ilustrações (Rigolet, 2009):

1º nível: ilustrador procede de forma dependente do texto, redizendo em imagens o próprio texto com uma representação fiel do mesmo. Implica que uma criança entenda a história pelas imagens pois tudo é minuciosamente descrito pela ilustração (tamanho, cor, forma, espaços, personagens, etc). O ilustrador não deixa margem à imaginação, pretende deixar uma mensagem clara e estética.

2º nível: O ilustrador tem liberdade ao representar a história ou seja o par autor – ilustrador começa a ganhar significado e surgem designações como: co-autor, co- ilustrador. Com este método podem ser introduzidos por parte do ilustrador elementos tais como ele os imagina e que não estão descritos no texto, podendo também não representar tudo o que está no texto. Este método implica que emerja na obra uma história textual e uma história ilustrada complementando-se, enriquecendo-se mutuamente. A imaginação desta forma é desafiada, o leitor tem de colaborar ativamente para ler, completar e ilustrar o texto ouvido, a mensagem escutada

3º nível: O ilustrador tem total liberdade expressiva, a obra do autor e do ilustrador seguirão caminhos paralelos e distintos, muito pessoais encontrando-se pontualmente

4º nível: Há um acordo entre o autor e o ilustrador, o enredo é um e a ilustração é outra história paralela

De acordo com Florindo (2012), para além de atrair o leitor e de reforçar a compreensão daquilo que é contado pela palavra, a ilustração pode ter diferentes

funcionalidades de acordo com a forma como se articula com o texto, podendo uma mesma imagem englobar diversas funções ao mesmo tempo. Vejamos, de forma sucinta, algumas delas.

- Função economizadora ou de complementaridade em relação ao texto: apresenta informação que não está disponível no texto, como a caracterização de espaços, personagens, ambientes, objetos, etc.

- Função narrativa: conta, visualmente, ações paralelas ou secundárias que não estão presentes no texto verbal, procedendo, deste modo, à sua substituição.

- Função narrativo-dinâmica: a ilustração abandona os limites físicos da própria página, sendo depois retomada/continuada na página ou nas páginas seguintes, criando- se, assim, ilustrações dinâmicas, que refletem movimento.

- Função amplificadora: quando o texto é o ponto de partida para uma série de elementos visuais com um peso a nível descritivo e narrativo muito superior ao da palavra.

- Função expressiva: quando as perspetivas, os planos de enquadramento ou os ângulos criados pelo ilustrador têm a finalidade de destacar determinados elementos, como ações diversas, pormenores, emoções, movimento, etc.

- Função intertextual: a ilustração alude a referências literárias ou artísticas, que podem ou não ser reconhecidas pelo leitor menos experiente, possibilitando, assim, diversos níveis de leitura da imagem.

Num primeiro momento a prioridade educacional era a aquisição do sistema escrito, surgindo três argumentos para a rejeição da imagem: a) imagem como distração-desviaria a atenção do leitor das letras para as imagens; b) imagem como facilitadora da descodificação da escrita- a palavra exigiria esforço e a ilustração era de compreensão inata, tendo em vista que a sua função era retratar a realidade; c) imagem como delimitadora do código escrito- cerceando a imaginação do leitor (Cortez, 2008, p 32)

Entretanto atribuiu-se uma função de diversão atribuída à imagem e apoiada pelos críticos de ontem e hoje, ressaltando qualidades importantes deste tipo de linguagem: acionar no sujeito/leitor a possibilidade de “entrar” na obra pelas vias sensíveis e experimentar o estético. (Cortez, 2008, p 35)

Cortez (2008) dá ênfase à função de observador no sentido em que para além da palavra que traz a condição de expectador ao leitor, a imagem também determina esse

olhar pela janela, ou seja, fora de cena, fora de história. Como texto uno, palavra-imagem estabelece o foco narrativo coincidente sendo a função do observador.

Centramo-nos agora nos diferentes momentos do livro em que a ilustração está presente reforçando a sua influência e objetivos junto do leitor.

A) Ilustração da capa - Esta ilustração é a que detém em primeiro lugar o nosso olhar influenciando a vontade de explorar o livro. Esta primeira análise poderá fazer com que surjam, segundo Rigolet (2009) três situações possíveis: a) o leitor identifica-se porque gosta do estilo da ilustração; b) o leitor afasta-se porque considera que a ilustração lhe é indiferente; c) o leitor afasta-se porque a ilustração lhe causa repulsa, vetando o livro ao esquecimento. A ilustração da capa poderá proporcionar uma compreensão do título da obra estando a relação texto – imagem num grau próximo de coerência.

Figura 1. A cadeira azul

Eis uma capa do álbum intitulado: “La chaise bleu”(A cadeira azul) - da autora /ilustradora Claude Boujon (1996) e da editora: l’école des loisirs. Esta capa apresenta claramente a cadeira azul de que fala o título e é referência ao longo de toda a obra, embora todo o contexto narrativo nos leve a interpretar a cadeira com um cariz absolutamente simbólico.

B) Guardas do livro - As guardas do livro, páginas que se encontram logo a seguir à capa e antes da contracapa, asseguram um continente ao conto, guardam o conto. Estas poderão ser iguais apresentando um padrão ou um desenho que seja alusivo à narrativa ou poderão ser diferentes uma da outra apresentando finos fios invisíveis de ligação ténue com a história narrada. As do início acendem-nos a curiosidade sobre o que se segue por vezes permitindo antever o que se vai passar, e as do fim alinhavam de uma

forma sucinta e simbólica o desfecho do enredo, reunindo uma série de elementos que fazem parte da estrutura compreensiva da narrativa. As guardas do livro podem tecer pormenores de interação com a própria narrativa, permitindo esclarecer o âmago da própria história.

Vejamos dois exemplos:

Figura 2. Todos no Sofá

No livro “Todos no sofá” de Luísa Ducla Soares (2009) e ilustrações de pedro Leitão, os próprios personagens assumem posições diferentes na primeira e segunda guarda sendo que na primeira estão a chegar estando também presente um elemento humano e na segunda estão a ir-se embora e já não aparece o elemento humano o qual, de acordo com a história, ficou no sofá adormecido. O eixo esquerda- direita da narrativa está igualmente presente na ilustração aqui representada.

Figura 3. Onda

O álbum puro de Susy Lee (2009)– Onda - trata-se de uma obra onde a narrativa está apenas presente subliminarmente na ilustração, verifica-se o cinza inicial de algo incerto e nublado culminando num polvilhado de descobertas desenhadas a azul, cor adjacente ao elemento mar explorado no livro, símbolo de desafio e de experiências frutuosas.

C) Pagina ou dupla página - O ilustrador pode ilustrar numa só página ou numa dupla página e pode-nos até fazer imaginar uma ilustração num espaço que sai da página contando com a imaginação do leitor para criar o que falta, o “não representado”.

Figura 4. Orelhas de borboleta

No livro Orelhas de Borboleta, de Luísa Aguilar e André Neves (2011), verifica-se o impacto das perspetivas diferentes na dupla página, consegue-se dar uma ideia mais abrangente do espaço físico que ocupam os personagens. A personagem principal, a Mara, que é alvo de comentários jucosos e os personagens secundários que se afastam para a achincalhar e que constantemente se apresentam na página oposta à dela. A dupla página consegue deixar claro a dimensão espaço e como estas personagens se dividem dentro de um mesmo contexto.

Figura 5. Ollie

Neste livro, Ollie, de Olivier Dunrea (2006), o personagem passa por diferentes períodos e sentimentos dentro do próprio ovo, é quase como se a descrição fosse

fracionada, ora agora rebola, ora recebe incentivos para sair do ovo, ora fica à escuta, ora para perto de um porco, depois perto de uma cabra, dá a sensação que se pretende fracionar o tempo do Ollie demonstrado os inúmeros sentimentos que afloram nesta pequena criatura.

Fig 6- EU SOU O MAIS FORTE

Figura 6.Eu sou o mais forte

No livro Je suis le plus fort (Eu sou o mais forte) de Mário Ramos (2005), a mãe não aparece totalmente de forma a ser dada uma dimensão de enormidade, neste caso representada pelo facto da personagem não caber na página do livro.

D) Efeito zoom - Através da criação de grandes planos implica criar-se o espectador – leitor (vistas de baixo para cima ou de longe para perto). Com este efeito consegue-se um destaque emocional, um olhar de um personagem, uma perspetivas que nos da uma noção do valor da situação apresentada e até mesmo do valor dos próprios personagens.

Figura 7. Rainha das cores

Figura 7. Rainha das Cores

No livro Rainha das cores, de Jutta Bauer (2007) temos um destaque muito evidente, num momento de clímax da história, no pico emocional desta narrativa, surge um zoom da rainha no seu momento de desespero, de derrota. Vê-se, no canto do seu olho avolumar-se uma lágrima, lágrima promissora, que permitirá fazer o ponto de viragem da narrativa e que vai devolver a esperança e a cor a este ser.

E) Planos diferentes - De acordo com Rigolet (2009) o facto de existirem planos diferentes faz com que o leitor descubra a profundidade do campo, atribui um valor diferente aos elementos representados em função do plano que cada um deles ocupa.

Figura 8. A cabra tonta

No livro A cabra tonta, de Pep Bruno e Roger Olmos (2007), podemos observar como a cabra ocupa um lugar distanciado, está sobre o telhado, com a nítida noção de distância e de superioridade inalcançável. O Miguel e o avô ocupam um lugar que está nitidamente longe daquele mamífero. A ideia de distância fica clara com estes planos diferentes. A cabra é como que um objetivo a alcançar e, para tal, teremos que nos socorrer da sabedoria, da interajuda para conseguirmos conquistar o objetivo.

Padrão linguístico da ilustração -De acordo com Rigolet (2009) a ilustração tem dois eixos que constituem a linguagem escrita da nossa língua, bem como o padrão linguístico da ilustração, a saber: o eixo esquerda – direita (dimensão horizontal) e o eixo cima-baixo (na sua dimensão vertical). Este padrão revela ao leitor (só com as imagens) uma certa sucessão de acontecimentos; sugestões de “como ler” de forma ordenada e lógica através de um sistema de hierarquização de importância e organizando deste modo os acontecimentos selecionados e representados (acontecimentos à esquerda aconteceram antes dos acontecimentos à direita; os de cima dominam os de baixo em termos de importância de tempo)

Figura 9. A cadeira azul

No livro La chaise bleu (A cadeira azul), de Claude Boujon (1996), o caminho destes dois personagens, pelo deserto, em direção à cadeira azul faz-se da esquerda para a direita e no final, quando regressam, faz-se da direita para a esquerda. Já o personagem camelo, figura de castração que vem anular a criatividade que os dois personagens deixaram fluir com o uso de uma cadeira (ver figura 9 a) ocupa um primeiro plano quando surge em cena embora na parte inferior da página e os personagens que brincam com a cadeira estão num segundo plano mas em destaque pelo facto de ocuparem a parte superior direita da página.

Figura 9a. A cadeira azul

F) Cores reais, cores vivas ou preto e branco - É interessante verificar que a ausência da cor permite também, segundo Rigolet (2009), a passagem entre um primeiro grau de leitura (compreensão dos acontecimentos da história e sua “trama”) e a mensagem contida no segundo grau de leitura (ultrapassando o próprio texto, incluindo interpretação metalinguística e permitindo uma interpretação simbólica). Este segundo grau de leitura permite que o leitor aceda à capacidade de generalizar a mensagem portadora de um significado individual (experiência do leitor) e coletivo (traços gerais pertencentes todos os leitores), o seu carácter de universalidade, os seus valores de referência.

As cores trazem outro tipo de vida à obra:

- Cores reais. Ao observarmos a formas e cores das imagens do livro “Olá bebé” de Harris e Dmberley (2000) (ver figura 10): A cor próxima do real, segundo Rigolet (2009) favorece a compreensão pois permite o efeito 3D e as cores completamente fantasistas

limitam este efeito. Para além de que liga a criança a uma imagem real, com cores que ela reconhece facilmente porque se ligam mais facilmente às suas imagens mentais.

Figura 10. Olá bebé

Nesta obra o contexto real está ligado aos afetos e à relação familiar projetada nas imagens fidedignas do ilustrador.

- Cores suaves sugerem uma desmistificação dos medos. Se os personagens não são assustadores, se não há nenhuma situação ameaçadora, sem resposta, se os rostos dos personagens são graciosos e simpáticos transporta graciosidade e leveza à própria obra.

- Cores vivas

Tal como se pode observar pela imagem do livro Viva o peixinho, de Lucy Cousins (2009) (ver figura 11), as cores vivas trazem vida e destaques diversos ao livro exigindo já uma capacidade de abstração para não ser engolidos pela distração.

- Tons quentes, com aguarelas de contornos menos nítidos implica uma exploração mais favorável da fantasia.

- Preto e branco implicam um maior nível de abstração pois universaliza a mensagem. No entanto favorece também a saída dos limites do aqui e agora para chegar a um significado mais atemporal e universal, a uma moral mais simbólica e mais perene.

Figura 12. Mas onde se meteu o Milton?

No livro “Mas onde se meteu o Milton?” de Haydé Ardalan (1997) o destaque é evidente. Fica muito claro qual o personagem que se pretende abordar e o enfoque da atenção é manifesto.

- As cores terra implicam que não haja oposição preto e branco, realidade e colorido, fantasia, simbolicamente os tons terra geram a ideia do envelhecido, corroborando o sentido de “ fora do contexto”

Também a textura

é o elemento visual que com frequência serve de substituto para as qualidades de outro sentido, o tato. Na verdade, porem, podemos apreciar e reconhecer a textura tanto através do tato quanto da visão, ou ainda mediante uma combinação de ambos. É possível que uma textura não apresente qualidades tácteis, mas apenas óticos, como no caso das linhas de uma página impressa, dos padrões de um determinado tecido ou dos traços superpostos de um esboço. (Dondis, 2003, p 70, citado por Cortez p 248)

Colomer (2003) destaca a organização em discurso de palavras e imagens como um meio de alcançar aa experiencia estética e fazer com que o recetor reaja diante de um evento.

H) códigos de BD nas ilustrações - Atualmente mesmo nos livros para bebés há ilustradores que utilizam códigos da banda desenhada ex: balões de fala, traços de

movimento. O movimento do pé da rainha (figura 13.) é evidente, através dos traços ali desenhados.

Figura 13. A rainha das cores

Rigolet (2009) sublinha ainda que a interpretação dada pelo leitor torna-se uma recriação, tal como uma leitura se transforma numa co-criação de texto, um pouco como se o leitor fosse também ele à sua maneira e em função da sua experiência de vida, um pouco autor e um pouco ilustrador, participando plenamente no ato artístico, complementando-o com a sua originalidade única e intransponível, dando-lhe “vidas”, através da sua participação, tantas vezes quantas procede à “leitura” da obra. Tudo isto implica um ato tridimensional entre livro – leitor – autor/ilustrador. A criança entre os 3 e os 5 anos está a iniciar o processo de interpretação de textos o que vem dar ênfase à importância do apoio mútuo entre ilustração e texto.