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CAPÍTULO IV A IMAGEM DO CHEIRO:

4.7 O duplo

A questão do duplo de Morin, apresentada no capítulo II, no item Corpo e

perfume: perfume como mídia, também está presente no anúncio da True Love-Elizabeth

Arden. O corpo e cheiro estão metaforicamente sinalizados pelas rosas que circundam o vidro de perfume e pelas alianças que se entrecruzam na tampa da embalagem, indicando que o produto é capaz de unir e atrair as pessoas. Como observamos também no capítulo I, que se refere à história do perfume, a maioria das fragrâncias equivale a uma flor.

Nesse sentido, pode-se dizer que o perfume exalado pelas rosas nesse cenário publicitário remete a dois corpos atraídos um pelo outro.

No campo do verbal, o duplo se faz presente no anúncio do perfume Burberry: “When we’re apart, I still feel your touch” (Mesmo de longe, sinto seu toque.). Diz-se textualmente que o perfume/cheiro da amada é de tal forma evocativo de sua presença que, mesmo na ausência corpórea dela, seu toque ainda pode ser sentido. Esse toque, que vem por meio do perfume e do ar (portanto, do duplo), torna presente o corpo ausente.

Outra peça publicitária também remete à idéia do duplo. Desta vez, porém, é evocada por meio de um objeto qualquer: um lenço impregnado do perfume da pessoa amada que a torna ainda mais saudosa. Tal como verificamos no capítulo III, nos itens Comunicação olfativa e Por uma arqueologia olfativa, observa-se primeiramente que há uma relação entre o cheiro e o sentimento. Ou seja, um determinado aroma pode ser associado a uma perda, a um amor, ou ainda servir de vínculo social. Cada um de nós pode reconhecer o filho, a mãe ou a pessoa amada pelo cheiro. Nesse sentido, a percepção do cheiro dependerá tanto da sensação que ele provoca como da emoção que resgata.

Na imagem do anúncio a seguir, a atriz italiana Mônica Belucci aparece triste, cabisbaixa, como se sentisse a ausência de uma pessoa amada cuja reminiscência olfativa lhe provoca uma emoção forte. Há ainda a emoção e a explosão tradicionalmente associadas aos italianos, que seriam mais sensíveis que os outros povos do mundo.

De maneira geral, podemos afirmar que as imagens publicitárias de perfume, cuja finalidade última é vender o produto, cumpre seu papel na medida em que elabora em seu plano imagético um discurso que transporta da sensualidade e do erotismo, que representam o mundo do caos, para o mundo do kosmos, da beleza, do sexo sublimado, muito distante da idéia animal. Outro tema abordado é a emoção, sempre vinculada à idéia de perfume/cheiro capaz de evocar uma emoção ou despertar uma sensação. Jogando com a efemeridade do perfume, com o modo como ele se dissipa rapidamente, as relações amorosas encenadas no plano das imagens são passageiras. No entanto, a publicidade também demonstra que os perfumes não despertam só os amores fugazes, mas também os amores eternos ou duradouros, exibindo mãos com alianças ou até mesmo cenas do cotidiano de uma família comum feliz. A relação do perfume com a roupa, com algo que recobre e que veste, está presente na maioria

dos anúncios apresentados, justificando a questão da necessidade do perfume como objeto que torna a outra pessoa “bonita” e “reconhecida” para quem a observa.

A maioria dos anúncios que compuseram essa amostragem tinha em seu enquadramento um corpo que, embora não tenha nenhuma referência real, essas imagens são formadas por pequeninos grânulos que devem ser desejados, tocados e observados pelos leitores. Portanto, podemos lançar a hipótese de que a passagem da linguagem dos cheiros/perfume para o plano das imagens dá-se por meio da exposição de corpos-imagens que evocam o desejo do leitor de tocá-la. À medida que esse desejo simbólico se constrói, surge a falsa idéia de poder sentir o cheiro do perfume, tal como numa fantosmia, que é um distúrbio do olfato em que o indivíduo tem a percepção de um odor que não existe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Da visão saturada ao olfato esquecido

O mundo da visão saturada é o mundo da visibilidade exacerbada, em que há o nítido predomínio da visão. A visão é um sentido de distância que, ao contrário dos sentidos de proximidade (olfato, tato e paladar), não requer a presença, possibilitando sem grandes déficits a substituição pelas imagens, enquanto os demais sentidos exigem sempre a presença e a corporeidade. À medida que das imagens visuais são mais valorizadas, somente assume status de valor aquilo que se pode ver. Esse fenômeno gera um desequilíbrio comunicacional dos sentidos, próprio do tempo da tecnologização dos discursos e, nesse sentido, percebe-se, um empobrecimento da comunicação, pois o equilíbrio comunicacional do homem requer uma certa presença distribuída de distância e proximidade, uma vez que a visão prepara os corpos para a proximidade e os sentidos de proximidade preparam esses corpos para a afetividade.

A era da visibilidade fez com que tudo e todos se transformassem em imagens. Em conseqüência, acabamos por inverter o vetor da interação humana. A visão satisfaz-se com a sua própria criação, as imagens visuais. A partir dessa inversão, em que distância se sobrepõe à proximidade, os vínculos comunicativos entram em crise também, pois, quando abandonamos nossos sentidos de proximidade, a comunicação interpessoal, fraternal, fica em crise. São esses os dispositivos responsáveis pelo equilíbrio das tensões e conflitos pessoais que adormecem e são suprimidos paulatinamente pelas relações escravizadoras da era da visibilidade. Não temos nos dado conta do ambiente comunicativo ao qual estamos sendo conduzidos: uma era de violência não somente física, mas também simbólica. É a violência bruta prevalecendo para que haja um contato físico entre os corpos.

Caminhamos para um ambiente comunicativo desfavorável ao abdicar dos sentidos corporais de proximidade e gerar horizontes comunicativos obscuros devido ao

excesso de luzes de holofotes que nos conduzem a um falso presente, sem corporeidade, sem presença. É o corpo transformado em efígie.

Vivemos a era dos superlativos e das megalomanias, daquilo que Harry Pross (1987) chama de “verticalismo”. Como afirma Baitello: “A obsessão da vertical transformada em vida e da vida transformada em vertical impõe a cada um de nós a luta permanente em direção ao mais alto.” (2005, p. 03).

Voltando-nos ao mais alto, buscamos o nada, o vazio, o inóspito, o espaço inabitável, um local inatingível, geralmente reservado aos deuses, seres celestiais, imateriais. Portanto, sem corpo e sem vida (imortais). A transformação da vida em uma linha vertical tem provocado enormes efeitos. Segundo Baitello (2005), o primeiro efeito refere-se à demolição da corporeidade e dos espaços que (a) abrigam, ou seja, a destruição da realidade tridimensional por meio da transformação dos corpos em traços verticais abstratos. O segundo é a perda dos vínculos com o indivíduo ao lado, pois os vínculos que constroem a natureza humana estabelecem-se na horizontal. Isso mostra que o ser humano abdicou da sua capacidade de se comunicar, inaugurando uma escalada rumo à (in)comunicação.

A verticalização da vida leva o ser humano à perda das três dimensões do seu espaço de comunicação. Assim, entende Vilém Flusser que essa escalada da abstração, que nas mais remotas origens da espécie humana, bem como de outras espécies animais, havia uma comunicação com o corpo, seus gestos, seus sons, seus odores, seus movimentos: tratava-se de uma comunicação tridimensional. Ao passar a utilizar objetos como suporte sobre os quais deixava seus sinais, o homem abriu-se para um mundo das imagens, em que ocorre uma comunicação bidimensional. Algumas dessas imagens transformaram-se em pictograma, depois em ideograma, e por fim em letra, inaugurando a escrita, o que se denominou de comunicação unidimensional. E, por fim, com essa escalada, tem-se o desenvolvimento das tecno-imagens. Alcançamos a comunicação nulidimensional, uma vez

que essas imagens técnicas, produzidas por aparelhos eletrônicos, são fórmulas abstratas e algorítmicas, um número (FLUSSER, 2002).

Ao concordar com Flusser quanto à existência de uma crescente perda das dimensões, atamos o pensamento desse pesquisador ao de Kamper (2003), que aponta como grande sacrificado nessa escalada o espaço tridimensional do corpo, pois “em seu lugar entram as imagens bidimensionais, a escrita unidimensional e as tecno-imagens, virtualidades nulodimensionais” (BAITELLO, 2003, p.81).

Nesse jogo de abstração no qual se insere, esse corpo tridimensional foi transformado em imagem, revestindo-se daquilo que Kamper (2003) denominou “armadura de imagem”, ou seja, uma verdadeira sobreposição de imagens sobre imagens do corpo. A cultura das imagens (transformação de toda a natureza tridimensional em planos e superfícies imagéticas) abre a possibilidade para uma crise da visibilidade, pois a exacerbação da exposição agrega às imagens um desvalor, já que, como entende Baitello (2004), não se trata de uma crise das imagens, mas de uma rarefação de sua capacidade de apelo.

Para que possamos compreender a crise da visibilidade do nosso tempo, primeiramente precisamos entender que, para a nossa sociedade, já não há uma diferença entre o corpo do homem e a sua própria concretude. Parece-nos particularmente instigante o pensamento de Kamper, ao indagar a respeito desse fenômeno. Dessa forma, ao abrir mão daquilo que é concreto, transformamos nossos corpos em imagens, “des/encarnamos” em uma cadeia de imagem e simulação que nada tem a ver com a capacidade simbólica do homem, mas com os modismos do mercado. Esse desencadeamento de imagem revela a obsessão da nossa sociedade pelo o corpo, o que nos faz pensar que faltam situações que solicitem ou estimulem a participação direta do corpo e que o convidem a experimentar sua concretude espaço-temporal.

Apóia-nos o psicólogo J. Hillmam (1993, p.40), que afirma: “Tudo nos olhos e na cabeça. O sentido corporal de orientação está perdido.” Receamos, então, que esse processo de abrir-se e transformar o mundo em imagem seja o próprio corpo e seus sentidos proprioceptivos (o sentido do corpo para a percepção de si mesmo) que são atingidos. Portanto, “quanto mais imagem, menos visibilidade, e quanto mais visão, menos propriocepção, sentido por excelência do aqui e agora” (BAITELLO, 2000, p.81).

Baitello nos convida a pensar que, em nosso tempo, no qual perdura a cultura do olhar, das imagens visuais, não perdemos lentamentema sensação do próprio corpo, do tempo e do espaço habitado pelo nosso eu e, assim, anestesiando nossos sentidos corporais?

Todo nosso encadeamento reflexivo, exposto neste capítulo, é resultado do diálogo com autores de diversas áreas que parecem apontar para uma importante deflagração epistemológica, a perda dos sentidos, do distanciamento do corpo, da privação de experiências sensoriais que sofremos em nossa sociedade tecnológica.

Se nos esquecemos dos sentidos de proximidade, esquecemo-nos também do nosso corpo. O corpo precisa do tempo e do espaço, pois é por meio dessas noções que ele dialoga com o mundo. O corpo sente e tem prazeres e, muitas vezes, muito mais desprazeres, principalmente com os sentidos de proximidade. A era das imagens, ao contrário, não nos proporciona essas sensações, uma vez que uma imagem não tem cheiro, nem sabor, nem pode ser sentida pelo tato. Então, questionamos: se a visão predomina sobre os outros sentidos, não estaríamos deflagrando um corpo que agoniza por não ter mais o prazer e, por fim, também ocorreria um “esmaecimento do afeto”14

14Apropriamo-nos do termo “esmaecimento do afeto” empregado por Fredric Jameson (2004), como a terceira característica que diferencia

a passagem da alta modernidade para a pós-modernidade. Emprega-se esse conceito não no sentido que todos os afetos, todo sentimento ou emoção, toda a subjetividade tenha desaparecido na pós-modernidade. Ocorre a transformação dos objetos em mercadorias, bem como a transformação das figuras humanas, que se transformam em mercadoria e se transformam na própria imagem. O esmaecimento do afeto é “o fim do ego burguês, ou da mônada, sem dúvida, traz consigo o fim das psicopatologias desse ego. (....) No que dizrespeito à expressão de sentimentos e emoções, a libertação de qualquer sociedade contemporânea, da antiga anomie do sujeito centrado (...) libertação de qualquer sentimento porque não há mais a presença de um ego.” (2004, p.43).

Para maiores esclarecimentos sobre a temática, indicamos a leitura da obra: JAMESON, F.. Pós-modernidade: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2004.

A primeira e incisiva resposta que vem à tona é positiva. A prova cabal que sustenta nossa afirmação provém de um lide da reportagem de O Estado de S.Paulo sobre os ataques ao reduto do Hezbollah, no sul de Beirute, que adverte: “Para quem entra, um aviso: aguce os ouvidos e a visão e ignore o olfato”. Destacamos um trecho da reportagem:

Quem entra no bairro de Haret Hreik deve aguçar a audição e a visão. E ignorar o olfato. (...) Os objetos no chão coberto de pó, dentro das casas, dos pátios, entre os destroços, são mais reveladores que a destruição em si – que o tempo banaliza. O cheiro de cadáveres exalado dos escombros produz primeiro náusea, depois dor de cabeça, até secar completamente a garganta.” (SANT’ANNA, 2006, p.A9).

Essa reportagem evidencia, sem sombra de dúvida, a fadiga dos sentidos de distância e como eles são sempre evocados e explorados pelos meios de comunicação de massa: as imagens, sejam elas visuais ou sonoras, já não chocam mais, não só pela exacerbada utilização desses sentidos, mas também pela rarefação da capacidade de apelo. Concordamos com Roland Barthes (1978) em sua obra La chambre claire, que afirma que as imagens de grande apelo, com explícita força emocional, já não mais chocam nem comovem, porque já sofreram por nós. O olfato, por mais que queiramos, é o sentido que nos escapa pelo fato de não ser convidado ao banquete dos sabores e dessabores do mundo. Se as imagens já não nos envolvem e comovem, e o sentido do olfato é ignorado, o que nos resta de afetividade do mundo, se os poros fabricadores dessa afetividade estão em crise?

Resta perguntar como fica o sentido do olfato diante da predominância do olhar. A primeira hipótese é a de que ele esteja esquecido, amortecido, lacrado, trancafiado. No pensamento de Cyrulnik, “(...) entre os seres vivos, ao erguer-se, teria podido submeter-se menos ao olfacto, especializar-se num mundo visual (...).” (1996, p.66).

Talvez, e dizemos talvez, pois nesse campo pantanoso somente formulamos hipóteses, a prevalência da visão em detrimento do olfato, além de ser uma questão estratégica biofisiológica do Homo eretus, é também uma questão de estratégia de cativação e

hipnose desse indivíduo. Como afirma Cyrulnik (1996), os odores colocam em movimento, enquanto que a visão (as imagens) hipnotiza e imobiliza.

(...) no homem o odor é uma transmissão de matéria. Aquele que cheira, palpa com o nariz uma amostra da matéria do outro, um indício que o penetra tal como entre os animais. (...) A palpação olfativa que nos penetra provoca uma apetência ou uma aversão, uma intenção de movimento, tal como qualquer penetração. Porém sobretudo, assim que o cérebro do nariz palpou uma amostra do odor do outro, a informação estimulante não é enviada para o córtex, mas de imediato para circuitos da emoção e da memória. À informação que nos põe em movimento, acrescenta-se a evocação de emoções e de recordações. Pode-se influenciar com o odor, atrair, rejeitar ou evocar, mas não pode hipnotizar, imobilizar. O olfacto dá impulsão: palpa-se, evita-se, mentaliza-se, mas não se pode cativar. (1996, p.94)

Mais adiante, acrescenta:

Com o olfato podemos comover e fazer agir sobre o outro. Ao passo que com os outros órgãos dos sentidos o podemos cativar, tomar a sua consciência e pô-lo na expectativa. Se cativar, por uma sonoridade, uma imagem, uma encenação ou uma palavra, concentro as suas actividades físicas e mentais na sensoridade que organizei, em sua intenção, na sua direção....para tomar! E o outro está de acordo com essa intrusão sensorial, porque é delicioso ser cativado. É um acontecimento sensorial e afectivo intenso que nos torna cúmplices daquele que nos cativa. É muito diferente de uma captura, em que o outro se apodera de nós quando nos opomos. (1996, p.95).

As imagens visuais e as auditivas cativam a atenção do outro com mais eficiência, já que:

(...) a molécula move e comove, a pressão física capta tocando, ao passo que a gustação e o olfacto afloram a boca e o cérebro do nariz. Estas estimulações sensoriais imobilizam por um breve instante, exactamente o tempo de provocarem um movimento de atracção ou de fuga, de cheiro ou de mastigação. O que não acontece com as imagens visuais e auditivas que captam e põem na expectativa. (1996, p.98).

Esse esquecimento do olfato revela, então, que a cultura judaico-cristã convenceu- nos da impureza e do pecado que o corpo representa. Cada vez mais, acatamos os valores

apregoados pelo sistema, negando o corpo e suas formas, em favor de um corpo-imagem, que já não quer e não precisa mais sentir. Como demonstra Restrepo, “o interdito que separa a intelecção da afectividade parece ter origem em que, frente a uma percepção mediada pelo tato, gosto ou olfato, o Ocidente preferiu o conhecimento dos exteroceptores, ou receptores à distância, como são a vista e o ouvido. Nossa cultura é uma cultura audiovisual.”(1998, p.32). Quando expulsamos a problemática dos sentidos, queremos demonstrar o que o nosso tempo tem feito com o corpo e seus sentidos. Em nenhum momento pretendemos pregar um regresso, um retorno à condição humana mais arcaica, mas compreender um tempo em que a visão foi extremamente explorada. Há uma exacerbação da visão e, assim, uma fadiga do olhar, que já não vê mais, uma vez que essas imagens perderam muito da sua capacidade de apelo.

Nesse jogo de linguagem, fica sempre o gosto amargo de um corpo que não é suscitado por inteiro, um corpo em que a razão se torna pilastra de sustentação. Não se requer os sentidos de proximidade para si, na angústia primeva de não ter que sentir em si aquilo que está impregnado no outro. É um corpo que padece de uma patologia e ainda não há um nome que se possa atribuir às deficiências contemporâneas: padecemos de uma cegueira, apesar dos olhos; de uma falta de tato, apesar dos dedos, mão e pele; uma inexpressiva olfação, apesar do nariz para farejar ou cheirar.

O que realmente salta aos olhos é que a mídia primária, o corpo, está em plena agonia. Somos seres que não conseguimos lidar com a mídia primária, embora nos vangloriemos de ser uma das mais competentes e complexas máquinas que medeiam a comunicação humana.

Pode-se dizer que essa deficiência recai sobre a mídia primária, e, neste trabalho, concentramo-nos na olfação. Essa é a forma de nos tornarmos anósmicos15, denominação que

vem da combinação greco-romana “sem + cheiro.” (ACKERMAN, 1990, p. 65).

Restrepo (1998) embora construindo seus conceitos calcados e voltados para a educação, oferece uma brecha para pensar e aplicá-los aos fenômenos midiáticos contemporâneos, em que há a clara predominância da ambiência comunicacional, nitidamente voltada à comunicação vertical (verticalismo). Quando se deflagra esse direcionamento vetorial da comunicação, crê-se que a ausência e a não-solicitação do olfato fazem pensar que já nenhuma ou muito poucas escolhas são realmente feitas pelos sentidos; escolhe-se por meio de um conceito estabelecido segundo a razão de nosso tempo, que se apresenta bondosa e soberana. “Ao excluir o tato e o olfato do processo pedagógico, nega-se a possibilidade de fomentar uma intimidade, uma proximidade afetiva com o aluno, perpetuando-se uma distância corporal que reforça a posição de poder do mestre, que agora se torna verdade incontestável.” (1998, p.34).

Diagnosticamos, neste momento, que é preciso reposicionar essa mãe soberana do nosso tempo, a razão, pois:

Esta razão universal, incapaz de perceber a singularidade, não entende que aprender é sempre aprender com o outros, pois as estruturas de pensamento são mais do que relações entre corpos que se interiorizam, afeições que, ao se tornarem estáveis, nos impõem um certo modelo de fechamento ou de abertura para o mundo. (RESTREPO, 1998, p.33).

15 Aplicando uma outra denominação médica ao fenômeno midiático, no que se refere principalmente aos anúncios publicitários de perfume, não nos tornamos anósmicos, mas sofremos de fantosmia, que é a percepção de um odor que não existe. O que fazem os meios de comunicação, como aponta Susan Sontag (2004), quando se refere a compulsão de fotografar, ou seja, “a necessidade de confirmar a realidade e de realçar a experiência por meio de fotos é um consumismo estético em que todos, hoje, estão viciados. As sociedades industriais transformam seus cidadãos em dependentes de imagens; é a mais irresistível forma de poluição mental. (...) Que nos impeliu em “transformar a experiência em si em um modo de ver.” (SONTAG, 2004, p.35).

Para maiores elucidações sobre o assunto, recomendamos a leitura das seguintes obras: LALWANI, A. K.; SNOW Jr., J. B. Distúrbios do olfato, da gustação e da audição. In: KASPER, D. L.. et al... Harrison: medicina interna. v. 2. Rio de Janeiro: Mc.Graw-Hill 2006.

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