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Imagens pós-morte: a santificação do “Amadeu, aquele bom”

PARTE 1. POLÍTICAS DO LITERÁRIO: do bico da pena no tinteiro passadista aos

2. De novos jogadores ao “ouro da sabedoria e da bondade”

2.3. Imagens pós-morte: a santificação do “Amadeu, aquele bom”

Amadeu Amaral morreu no ano de 1929, há treze dias para completar 54 anos. Foi vitimado pela febre tifóide. 69

Mas o centro condutor das imagens que foram elaboradas principalmente na sua primeira década pós-morte já havia sido produzido no ano de 1903, quando publicou na revista Paulópolis este soneto intitulado à época “Voz íntima”:

Fecha-te, sofredor, na alva túnica ondeante dos sonhos. E caminha, e prossegue, embebido muito embora, na dor de fiel celebrante de um estranho ritual desdenhado e esquecido. Deixa ressoar em torno o bárbaro alarido. Deixa que voe o pó da terra em torno... Adiante! Vai, tu só, calmo e bom, calmo e triste, envolvido nessa túnica ideal de sonhos alvejante.

Se, nesta escuridão do mundo, o paradigma

de um desolado espectro, uma sombra e um enigma perpassando sem ruído a caminho do Além.

E só deixes na terra uma reminiscência: a de alguém que assistiu às lutas da existência, triste e só, sem fazer nenhum mal a ninguém. 70

Este mesmo soneto composto por volta dos seus 28 anos foi declamado na ocasião do seu funeral no Cemitério São Paulo no dia seguinte à sua morte, bem como na homenagem que recebeu diante do seu túmulo nos dez anos da mesma. Ele aparece ainda em outras ocasiões nas quais Amadeu foi lembrado e/ou homenageado. É possível assim entender que tal soneto e a imagem que dele decorre se referem ao modo mesmo como Amadeu desejou ser lembrado: “E só deixes na terra uma reminiscência: / a de

alguém que assistiu às lutas da existência / triste e só, sem fazer nenhum mal a ninguém.”

69

DAMANTE, Hélio. “Notícia biográfica de Amadeu Amaral”, in: Revista da A.B.D.E. Número dedicado a Amadeu Amaral. São Paulo: A.B.D.E., Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo, ano I, n.I, maio-junho, 1956, p. 23.

70

AMARAL, Amadeu, “Voz íntima” apud: MIRANDA, Veiga (1930). “Discurso de recepção a Altino Arantes na Academia Paulista de Letras”, in: Revista da Academia Paulista de Letras. São Paulo, ano I, n.3, 12-08-1938, p.103. Altino Arantes ingressou na APL no lugar de Amadeu Amaral no ano de 1930. Sobre o soneto, ele foi publicado em Névoa (1910) com o novo título de “Voz interior” e com mais três mudanças: o terceiro verso “muito embora, na dor de fiel celebrante” foi reformulado como “muito embora na dor de austero celebrante”, portanto sem a vírgula e com troca de fiel por austero. Do sexto verso foi retirada a exclamação. O décimo verso sofreu mudança um pouco maior: de “de um desolado espectro, uma sombra e um enigma” para “da Renúncia e da Paz, uma sombra e um enigma”, ou seja, o verso foi reformulado para dar maior ênfase à idéia de renúncia e de paz que o “desolado espectro” anterior encobria ou tornava mais subjetivo. AMARAL, Amadeu. “Voz interior”, in: Poesias completas. São Paulo: Hucitec, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1978, p.57.

Imagens de pessoa sofredora e boa cujo tal qualidade parece provir de algum mundo passado, perdido, em decomposição ou esquecido pelos homens. Uma bondade passiva, no sentido de que a solidão e a calma fazem-no superar e contornar a maldade do mundo que o envolve. Não sugere um indivíduo engajado em transformar o mundo pela ação, mas certa renúncia e resignação ante as “lutas da existência”. Se Amadeu concebeu nesta imagem sua auto-representação de homem, decorre que a sua poética teria como natureza um lastro engajado predominantemente no desejo de compreensão, educação e denúncia dos dramas humanos, ao contrário do desejo de fornecer ou sugerir mecanismos outros de intervenção que fossem além da palavra/poesia como instituição, literária.

Se tais pressupostos estiverem corretos creio ainda ser possível delimitar a produção escrita das suas imagens pós-morte como divididas entre aqueles que seguiram esta linha e aqueles que a problematizam nalgum ponto (apesar de que nenhuma destas fontes da segunda linhagem carrega nas tintas da dúvida). No que consegui apurar, dentre todos os que conviveram de alguma maneira com Amadeu e depois de sua morte escreveram sobre ele o único que o tripudiou foi mesmo o Mário de Andrade do tópico passado. Todos os outros, de alguma maneira, assinaram o laudo da personalidade de Amadeu como a de um homem solitário, tímido (e por isso às vezes arredio ou assim mal entendido), calado e humilde, algo misantropo, mas enfim um bondoso.

Do funeral à sessão homenagem na ABL

A Revista da ABL permite uma entrada no ambiente do funeral e da primeira homenagem oficial do Amadeu morto. No seu enterro estavam representadas três instituições das quais participou: a ABL, a APL e a imprensa, bem como espectros de outras mais.

Alfredo Pujol discursou em nome da ABL ressaltando as qualidades do caráter de Amadeu. Para ele o companheiro de imortalidade nas letras foi um grande poeta e prosador que conseguiu através do seu talento superar as barreiras provincianas da capital paulista fazendo-se um nome nacional. Um exemplo à mocidade do país, dado o seu patrimônio moral – provável alusão aos trabalhos de Amadeu para a Liga

Nacionalista, principalmente quanto à campanha pelo voto secreto e pelo alistamento

militar masculino obrigatório ventilado por Bilac a partir de 1915. 71

71

PUJOL, Alfredo. “O “Adeus” da Academia Brasileira”, in: Revista da Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXI, ano XX, n.96, dezembro 1929, p.412-413.

O discurso do representante da APL Spencer Vampré aproximou-se das imagens anteriores de Pujol: Amadeu como exemplo ao povo, à pátria, à democracia e à liberdade, exemplo aos moços. Um paladino idealista da bondade, justiça, liberdade e respeito à lei “cuja vida inteira foi uma lição de verdade e de beleza”. 72

Toda uma vida dedicada ao trabalho, à pátria, língua, mocidade, justiça e à poesia (como alusão à Liga Nacionalista, aos estudos folclóricos e dialetais) enquanto homem, poeta, jornalista e evangelizador. Daí o mote para recitar “Voz interior” e depois fechar sua homenagem defendendo que

Toda a vida do grande morto se resume nestes versos, nestas estrofes sublimes, em que sopra o nada das coisas humanas, neste anseio de ascensão para as paragens luminosas que todos sonhamos e que ninguém atinge. 73

Neste “que ninguém atinge” talvez uma derrapada de Vampré ao final da homenagem? Apenas aparente, pois o que o representante da APL desejou demonstrar foi que Amadeu seguia tal soneto como se ele fosse um mote de sua ética e uma espécie de oração, de ideal de educador.

Ayres Martins Torres foi o representante da imprensa (em nome do Diário da

Noite, órgão do qual Amadeu era redator-chefe antes de falecer 74), talvez então o mais político dos representantes, pois com a missão de unir a categoria dos jornalistas sob a rubrica de Amadeu Amaral. Ele saiu-se com o pressuposto de Amadeu como uma figura de exceção, dotado de soberba cultura, com caráter fruto de uma formação moral admirável e por isso tornado rígido, mas com coração, “que era a própria bondade feita

víscera”, 75 conjunto espiritual adequado ao físico varonil, que representava tal conjunto de qualidades.

A imagem do legado de Amadeu aos jornalistas foi a de um Nume protetor que estará sempre chamando os companheiros da imprensa ao

(...) convite eterno ao impossível de te igualarmos, a ti que pela idéia e pela ética foste, como em tudo, também neste aspecto especial de tua atividade – o jornalista – um modelo que teremos como nosso

Tanto no título deste “adeus” quanto no dos outros artigos que seguem se vê que o uso das aspas foi de extrema importância.

72

VAMPRÉ, Spencer. “O “Adeus” da Academia Paulista”, in: Revista da Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXI, ano XX, n.96, dezembro 1929, p.413-414.

73

VAMPRÉ, Spencer. “O “Adeus” da Academia Paulista”, in: Revista da Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXI, ano XX, n.96, dezembro 1929, p.415.

74

DAMANTE, Hélio. “Notícia biográfica de Amadeu Amaral”, in: Revista da A.B.D.E. Número dedicado a Amadeu Amaral. São Paulo, ano I, n.I, maio-junho, 1956, p. 23.

75

TORRES, Ayres Martins. “O “Adeus” da Imprensa”, in: Revista da Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXI, ano XX, n.96, dezembro 1929, p.416.

estímulo e que saberemos apontar àqueles que vierem para o jornal, na sucessão das gerações... 76

No mesmo número da Revista da ABL foram inclusas duas transcrições de artigos publicados em jornais de outros dois amigos de Amadeu: João Luso e João Ribeiro. O primeiro João descreve um Amadeu que conheceu na juventude, nos primeiros tempos paulistanos, poeta de Urzes e de Névoa do qual tais livros revelam uma sensibilidade de homem melancólico dadas suas raízes interioranas (“O poeta

dizia-se um homem da montanha ou do sertão, um bárbaro...”) que espelham tristeza ao

lado de claridade, melodias graciosas e poesias suaves. Alude ainda ao caso das

Espumas como uma ruptura na sua produção poética (“O monge antigo entrava em pleno paganismo”) que volta à introspecção íntima na sua última obra nesta linguagem, Lâmpada Antiga, de “pura espiritualidade”. 77

Enquanto João Luso optou pelo relato de tipo vida e obra João Ribeiro redigiu pequeno texto no qual buscou certo distanciamento da eloqüência ao analisar mais friamente ou menos sentimentalmente o legado do recém-falecido. Talvez tenha mesmo deixado um pouco de lado o Amadeu bondade para elogiar o Amadeu irônico – criando assim homenagem mais equilibrada. Inicia o artigo com a ironia de que ao mesmo tempo em que se afirma que a ABL seja um “túmulo da inteligência” e uma “casa da

Morte” outros mais já se agitam para a candidatura da vaga recém aberta, pois “há sempre quem prefira esse gênero de suicídio”. Elogia o Amadeu poeta enfatizando que,

se ocupou a cadeira do patrono Golçalves Dias e do precursor Olavo Bilac que o

“excederam no estro”, ele acabou por igualá-los na “sensibilidade”. Passa então ao

lugar comum do perfil psicológico do falecido descrevendo uma espécie de Amadeu prosador de índole caipira, um outro contorno à sua tão aludida timidez, posto que ao Amadeu jornalista reservou a qualidade de “um prosador admirável que tinha a arte de

dizer, sem ênfase, tudo quanto queria dizer (...) qualidade primacial do seu espírito e mais (...) vocação ou (..) fatalidade [que] fizeram-no jornalista sem par”. 78 Se a arte de escrever o que se deseja sem demonstrar tudo explicitamente evoca a natureza da ironia, esta é confirmada logo a seguir quando Ribeiro mescla a imagem do Amadeu bondade

76

TORRES, Ayres Martins. “O “Adeus” da Imprensa”, in: Revista da Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXI, ano XX, n.96, dezembro 1929, p.417.

77

LUSO, João. “Amadeu Amaral”, in: Revista da Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXI, ano XX, n.96, dezembro 1929, p.418-422. Artigo originalmente publicado no Jornal do Comércio de 25-10-1929.

78

RIBEIRO, João. “Amadeu Amaral”, in: Revista da Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil ,volume XXXI, ano XX, n.96, dezembro 1929, p.423. Artigo originalmente publicado no OESP de 29-10-1929.

com o Amadeu irônico ao enfatizar que “Acresciam a esses dotes a sua sedução

pessoal, a modéstia, a ironia, a bondade e certo ceticismo que exornava [sic] a fina sensibilidade de homem culto capaz de medir os valores dos que o cercavam na sociedade.” 79

João Ribeiro parece inaugurar ou germinar então a segunda linhagem dos textos pós-morte, aqueles que evocam a bondade e modéstia de Amadeu Amaral sem esquecer que o mesmo homem que escreveu poesias foi o que escreveu O elogio da

mediocridade (mencionada no artigo). Talvez tenha mesmo usado deste espírito para

reprovar ou caçoar um pouco do Amadeu que desejou em duas oportunidades o cargo de deputado estadual acreditando ingenuamente na possibilidade de romper com os rigores daqueles que manejavam as eleições: “Não quero falar do político, que ele o foi,

com todas as suas ilusões generosas como só podiam fluir da sua grande alma. Adeus! meu caro amigo!” 80

Na ABL

O mesmo João Ribeiro que assinou este artigo publicado no jornal do qual Amadeu mais dedicou sua força de trabalho, o OESP, compareceu à sessão de homenagem na ABL. E talvez seja possível, ao inspirar-me no talento de “fina

sensibilidade de homem culto capaz de medir os valores dos que o cercavam na sociedade”, que ele acabou de localizar em Amadeu, descrever um percalço que a

referida sessão comportou.

A sessão não visava homenagear apenas Amadeu, pois ao seu lado estava outro poeta imortal morto: Luiz Murat. Realizou-se no dia cinco de dezembro de 1929 e provavelmente a ordem dos textos da revista corresponde à seguida na homenagem. Tem-se assim que Medeiros e Albuquerque a abriu não sem antes verificar que as estatísticas afirmavam que em média falecia um acadêmico a cada dez meses, e, quando tal fenômeno passava em branco num ano, no seguinte vinha a compensação a confirmar tal regra. Posto que se tratava de honrar com palavras dois acadêmicos falecidos a estratégia do autor foi a de fundir num mesmo texto as duas homenagens. Por isso comparou o perfil de Murat ao de Amadeu, resultado no qual o segundo adquiriu feições de homem “elegante fisicamente, intelectualmente e moralmente” não sem lembrar da timidez, complemento mesmo da elegância, pois Amadeu não era da

79

RIBEIRO, João. “Amadeu Amaral”, in: Revista da Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXI, ano XX, n.96, dezembro 1929, p.424.

80

RIBEIRO, João. “Amadeu Amaral”, in: Revista da Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXI, ano XX, n.96, dezembro 1929, p.424.

turma dos derramados, daqueles que abrem confidências mesmo sem o menor sinal da compreensão alheia, pelo contrário, Amadeu era sujeito “fechado, esquivo, arredio”. Mas logo a seguir Medeiros e Albuquerque enfatiza que isto não significava misantropia. E acaba então por sintetizar uma imagem parecida com a qual João Ribeiro já o havia definido - como homem de poucas mas precisas palavras: “Excelente

companheiro, fazia gosto lidar com ele. Firme nas suas crenças sociais, políticas, estéticas, dizia o que era preciso para defendê-las; mas só o que era preciso.” 81

Segue a sessão com Alberto de Oliveira (aquele da dedicatória de “A palmeira e o raio”) numa estratégia similar a de Medeiros e Albuquerque, mas na qual trocou a escrita de um breve artigo pela homenagem em forma de poesia – que afirmou não ser da sua lavra, mas de amigo que desejava não ter o seu nome declinado na sessão:

AD IMMORTALITATEM

De Murat e Amadeu foram-se as Musas uma após outra, dentro em breve tempo. Ondas uma no oceano turbulento

atrás deixando, outra deixando Espumas. Encontram-se no espaço, errando, as duas; - “Horas felizes – dizem – recordemos...” E são lembrados, claros e serenos, os dias de triunfos e venturas. Acode-lhes a Casa de que sócias

foram, e os nomes de outras Musas nossas, tantas! – idas também... “Ah Glória assim - comentam com tristeza – pouco vale! Essa acadêmica Imortalidade

É coisa vã... Morre-se muito ali!” 82

Tal como João Ribeiro sugerirá no desfecho deste tópico acredito que o soneto seja mesmo da autoria de Alberto de Oliveira. Como Medeiros e Albuquerque ele estava recordando a estatística das mortes acadêmicas e estava desgostoso ao pensar quando o seu dia chegaria, ou estava desgostoso com a necessidade de realizar eleições a cada dez meses, ou, porventura, estava cabisbaixo com a tristeza decorrente dos dois recentes falecimentos – ou todas as hipóteses anteriores.

81

ALBUQUERQUE, Medeiros e. “Palavras do Sr. Medeiros e Albuquerque”, in: Revista da Academia

Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXII, ano

XXI, n.98, fevereiro 1930, p.205-206.

82

OLIVEIRA, Alberto de. “Palavras do Sr. Alberto de Oliveira”, in: Revista da Academia Brasileira de

Letras. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXII, ano XXI, n.98,

A sessão continuou com Roquette-Pinto que deslocou tanto a estratégia de se referir simultaneamente a ambos os mortos – ao falar apenas de Amadeu Amaral – quanto às alusões ao poeta – enfatizando o Amadeu prosador e jornalista, bem como talvez tenha mesmo deslocado a questão de se escrever sobre escritor do qual efetivamente manteve contato ou ao menos conhecia a obra. Lembrou que na primeira ocasião compartilhada com Amadeu não se interessou muito pela figura (“Mais um

poeta importante... disse modestamente a mim mesmo”), imagem que logo depois foi

contrastada com dois traços do homenageado que lhe chamaram a atenção: “(...) a

franqueza e a intransigência com que ele considerou a mediocridade [?] e os aspectos insignificantes da vida [?]; o carinhoso otimismo que punha no trato das coisas brasilianas.” 83

Segue o elogio afirmando que Amadeu Amaral tinha um grande estilo literário: sem adornos desnecessários e conciso, nos quais dava vazão a textos que não permitiam saída incólume, discordava-se ou concordava-se deles, pois Amadeu fora um moralista amável. Surge então – talvez inspirado em João Ribeiro – outra imagem do Amadeu caipira: como um “(...) desses que detestam os sermões de encomenda e conhecem os

mais sutis aspectos das práticas despretensiosas à beira do fogo, no rancho matuto.” 84

E para lastrear esta idéia toma como exemplo um soneto de Amadeu cujo título não foi mencionado – “A Alguns Amigos que se Esqueceram” – talvez pela própria natureza da ocasião:

Eu tenho sido para muito amigo,

qual velho rancho à beira de uma estrada, onde busca o viandante, à noite, abrigo, e de onde parte pela madrugada. Parte. O sol o protege. A caminhada é suave. Nem mais sombra de perigo. Canta. E nem olha para trás. E nada leva das horas, que passou comigo.

Mas que se há de levar de um pouso aberto? Ei-lo que se escancara no deserto:

entra-se; faz-se fogo; arma-se o ninho; e lá se deixa, quando noite passa, um bocado de cinza e de fumaça,

83

ROQUETTE-PINTO, Edgar. “Palavras do Sr. Roqquette-Pinto”, in: Revista da Academia Brasileira de

Letras. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXII, ano XXI, n.98,

fevereiro 1930, p.207. Interrogações minhas.

84

ROQUETTE-PINTO, Edgar. “Palavras do Sr. Roqquette-Pinto”, in: Revista da Academia Brasileira de

Letras. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Edição do Annuario do Brasil, volume XXXII, ano XXI, n.98,

dentro do rancho à beira do caminho. 85

Provavelmente Roquette-Pinto entendeu este soneto como uma auto- representação de Amadeu como velho rancho caipira que os seus amigos procuram quando necessitam de conversas francas e amáveis. Um entendimento pela metade, pois ele alude a rancho no qual se acende o fogo para aproveitá-lo, mas no dia seguinte vai- se embora esquecendo do amparo que tivera.

Roquette-Pinto poderia mesmo ter enfatizado esta interpretação, pois se de um lado ela complicaria um pouco o ambiente da homenagem, por outro lado representaria o Amadeu bondade dado que o próprio desculpa os esquecidos amigos quanto ao desfecho: “Mas que se há de levar de um pouso aberto?” O mesmo Amadeu bondade que Roquette-Pinto afirmou ser o motivo de ter pedido presença de fala na sessão, pois encerra o seu relato recordando que quando de sua campanha pela expansão da radiofonia no Brasil em projeto do qual o rádio seria “(...) o grande livro dos que não

sabem ler” teve mais críticos e indiferentes do que apoiadores. Dentre os últimos o

Amadeu Amaral da Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, “(...) um dos melhores

companheiros para a campanha empolgante.” 86 E como Roquette-Pinto homenageou apenas Amadeu a sessão teve encerramento com Augusto de Lima democratizando as honrarias falando exclusivamente de Luiz Murat.

Mas a Revista da ABL reservou ainda um espaço para a transcrição de outro artigo de João Ribeiro: notícia publicada também no OESP na qual descreve como se sucedeu tal sessão. Ele abre com breve descrição das falas dos oradores da ocasião, todos “nobres figuras consagradas já pela admiração pública” diante da platéia formada pelo próprio autor do artigo ao lado de Nestor Rangel Pestana, ambos representando o OESP, mais “alguns paulistas ilustres”. E num cenário carregado de