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CAPÍTULO II. CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA E POLITIZAÇÃO DO MOVIMENTO

2.6 Imagens sobre Aposentadorias e Velhices

Outra imagem que também aparece nas narrativas dos aposentados é a interseção entre ser aposentado e ser velho. As idéias associadas à atividade x inatividade e juventude x velhice acabam por reforçar imagens de aposentados como seres inativos, ou seja, sem atividades, parados, não produtivos, que seriam as imagens associadas à velhice.

O Sr Pedrosa, ao se aposentar aos 49 anos, já no início de 1983, fundou o Departamento de Aposentados no Sindicato dos Gráficos. Ao mesmo tempo continuou a trabalhar em uma gráfica particular, para complementar o salário, pois, enquanto estava na ‘ativa’, tinha um salário equivalente a vinte salários mínimos enquanto, ao se aposentar,

passou a receber o equivalente a oito e meio, o que o obrigou a procurar outro emprego. Trabalhou depois como assessor de um deputado estadual no Rio de Janeiro. Embora continuasse a atuar como trabalhador de fato, mesmo aposentado, as imagens de aposentado e militante parecem prevalecer.

Todos os aposentados entrevistados permaneceram trabalhando após a aposentadoria e militando em associações, pelo que a idéia de inatividade/falta de atividade não condiz com suas trajetórias. Alguns permanecem trabalhando até hoje, como o Sr. Hélio, que cuida da contabilidade da empresa da filha e trabalha lá todas as manhãs, exercendo seu mandato de vice presidente na ASAPREV- RJ na parte da tarde.

Essas imagens diferem daquelas assumidas pelos aposentados nas praças. O Sr Pedrosa fala sobre isso e também da discrepância no número de participantes em eventos de lazer e em eventos de mobilização política.

Eu acho que a pessoa tem que ter direito a lazer, sim, mas tem que ver que pra ela ter lazer, ela tem que ter as condições pra ela participar do lazer, eu, inclusive com eu disse a você, esse secretário de Ação Social, eu me dou muito com ele... eu digo: olha Fernando, você tem que dar mais apoio ao Movimento dos Aposentados e Pensionistas do que da Terceira Idade, o pessoal da terceira idade precisa apoio, porque não é só de baile que se vive, porque na hora que precisa fazer um evento, fazer uma reivindicação daqui pra Brasília, se vai tentar conseguir ônibus... Eu ontem fiz contato, to tentando fazer contato com o governo do Estado pra conseguir três ônibus pra outubro, talvez seja possível, porque eu falei: se eu não conseguir com vocês, eu vou pra Prefeitura, aí já joguei um contra o outro, se um não arranjar, o outro vai arranjar. Então, já me deram o aval, eu ontem já participei de uma reunião. (Sr. Pedrosa)

A interseção entre as imagens de idoso e aposentado pode ser percebidas também nesta fala. Embora o Sr. Pedrosa tenha setenta anos e seja considerado idoso pelos parâmetros da Organização Mundial de Saúde (65 anos), durante a entrevista ora ele faz oposição entre aposentados e idosos, ora ele une as duas categorias e, em alguns momentos, se exclui ou inclui nela. Quando fala da oposição entre o movimento dos aposentados e a terceira idade, reivindicando mais apoio para os aposentados, refere-se logo adiante ao pessoal da terceira idade, sem que pareça fazer parte dela. Entretanto, em seguida, ele une as duas categorias, dizendo que os idosos –o pessoal da terceira idade – precisa de apoio, porque “não se vive só de bailes”, reivindicando que eles, agora se incluindo, precisam de apoio para participar das manifestações políticas em Brasília. Nesse movimento associa presente e futuro.

O Sr Viegas amplia essa discussão ao mostrar que esses conflitos também existem em um nível mais amplo dentro do movimento. Quando fala da visibilidade que a luta dos 147% deu à velhice no Brasil, ele revela que, para o movimento dos aposentados, o velho é o outro.24

É, tanta visibilidade e tal compreensão é que, engraçado, houve um Congresso na Bahia em que nós propúnhamos que a Confederação abrisse seu leque pra incorporar os idosos e foi derrotado no Congresso. Essa tese foi derrotada no Congresso. Porque havia um receio de transformar o Movimento dos Aposentados e a Confederação no assistencialismo careta e demagógico que existe por aí, do idoso coitadinho, vamos dançar, vamos bailar para esquecer os problemas da vida. Esse assistencialismo e essa exploração do idoso de dar balinha pro idoso, isso era mal visto no Movimento. Então, isso no Congresso da Bahia foi, agora mais recentemente foi aceito, a inclusão dos idosos, tanto que a Confederação passou a incorporar os idosos, as organizações de idosos como integrantes do movimento. Então foi positivo, ampliou o movimento, mas o básico ainda é a Previdência Social. (Sr. Viegas)

Percebe-se a negação desses aposentados, como homens, militantes e provedores, no que se refere às imagens do idoso como o coitadinho ou que só quer se divertir. Esse ponto acusa uma contradição, porque, durante a batalha dos 147%, a mídia explorou amplamente essas representações, as quais, de alguma maneira, deram respaldo e conquistaram a simpatia da sociedade para a justiça da reivindicação. Os aposentados usavam e exploravam essas imagens para conquistar seus objetivos.

Ao finalizar a entrevista, o Sr. Pedrosa fala muito sobre a desvalorização dos saberes dos idosos na sociedade ocidental em contraponto com as sociedades orientais, onde acredita que ocorre o contrário – os idosos orientais teriam seus saberes valorizados e respeitados. Essa, aliás, é crença comum entre os idosos. No UFFESPA, várias idosas afirmam a mesma coisa. No final, quando se pergunta ao Sr. Pedrosa se quer acrescentar mais alguma coisa, ele se dirige aos possíveis estudantes e pesquisadores que poderão ter acesso à gravação. Fala, então, não só como militante, mas como idoso, evocando a figura do avô e valorizando sua luta e seu saber:

Fica a mensagem de que vocês mais jovens se espelhem, pelo menos mirem e procurem ver o que nós da terceira idade tentamos fazer, e que vocês não tenham que passar cinqüenta por cento do que nós estamos passando. Mas nós estamos fazendo isso porque estamos muitíssimo preocupados com que estará reservado para vocês. Porque, se nós não mudarmos agora, eu não sei o que será pra vocês,

eu acho que vocês não terão Previdência Social. (...) porque eu estou falando isso do fundo do meu coração, tô falando isso como se estivesse falando para meus netos, que é a coisa que eu mais amo neste mundo. (Sr. Pedrosa)

Durante as entrevistas percebemos esses movimentos da memória, que, ao ser provocada, faz percursos que se apóiam em fatos anteriores ou posteriores a eles, construindo elos e significações para o narrador, revelando muito mais que fatos, traduzindo imagens, representações e identidades, da mesma maneira que os modos de sentir e pensar a vida e o cotidiano de cada um. Os trechos selecionados não esgotam esses movimentos, pois, ao longo das entrevistas, essas pessoas contaram muito de suas histórias de trabalho e desvelaram um pouco dos modos de viver em família, com os amigos, com os militantes afora muitos nexos que fazem de fatos políticos passados e presentes.

CAPÍTULO III. MÍDIA E IMAGENS PRODUZIDAS SOBRE A AÇÃO

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