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CAPÍTULO II. CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA E POLITIZAÇÃO DO MOVIMENTO

2.2 Os Narradores e suas Memórias

13 Haddad, Coutrim, Debert e Simões são autores que têm trabalhado sistematicamente com o movimento dos

aposentados e abordam a questão.

Nossos entrevistados – narradores e ideólogos de suas histórias – expõem similaridades e diferenças, que os aproximam ou afastam. Ao apresentá-los, estamos também buscando construir coerências e sentidos que são somente artifícios para a melhor compreensão de seus discursos. Para apreender as múltiplas e sucessivas identidades e representações que aparecem em suas narrativas, é preciso tentar recuperá-las.

A busca de sentidos e a compreensão dos campos onde se movem os aposentados levou-nos a optar por apresentá-los, ainda que de forma sucinta, pelos nomes, relatando também alguns episódios surgidos nas entrevistas e que permitem visualizar a superfície social em que as narrativas são construídas.

BOURDIEU (2005), ao discutir a questão do nome próprio,15 demonstra que os nomes próprios asseguram certa unidade, uma vez que são entendidos como forma de apresentação segundo a norma formal instituída, que estabelece identificações e identidades, e garantem a individualidade biológica com a qual são reconhecidos socialmente, bem como a constância e a unidade no tempo e nos espaços sociais onde circulam, que apóiam suas identidades civis e jurídicas. No entanto, a individualidade é uma abstração que existe apenas como “ilusão de unidade do eu”. Assim entendido, o nome próprio está ligado à superfície social. Por conseguinte, é indispensável reconstruir o contexto em que age o indivíduo nessa pluralidade de campos que se movem a cada instante.

O Sr Luis Viegas da Motta Lima, Presidente da Federação das Associações de Aposentados do Rio de Janeiro (FAAPERJ) nos anos de 1991/1992, é carioca, aposentado, bancário, contador e economista. Trabalhou no Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB) e no Banco do Brasil. Filho de pai jornalista e militante do Partido Comunista, foi sindicalista e filiado igualmente ao Partido Comunista, além de cassado e exilado no México e Tchecoslováquia por quase um ano. Retornou clandestinamente ao Brasil, via Uruguai, onde passou a trabalhar em firma de engenharia de colega do colégio, tendo tido outros empregos até ser anistiado e se aposentar. É casado e tem dois filhos, continua a militar e faz parte atualmente do Conselho Deliberativo (CODEL) da Associação de Aposentados e Pensionistas do Banco do Brasil (AAFBB). Declarou-se oriundo da classe média baixa.

Por sua vez, o Sr. Benedito Joaquim dos Santos foi Vice-Presidente da FAAPERJ nos anos de 1991/1992. Emigrou de Alagoas para o Rio de Janeiro em busca de melhores

15 As discussões sobre o nome próprio e o conceito de superfície social são trabalhadas por Bourdieu em Ilusão

empregos, trabalhou em vários estaleiros como operário naval. Hoje aposentado, esse alagoano foi sindicalista, filiado ao Partido Comunista, além de presidente do Sindicato dos Operários Navais no Governo de João Goulart, quando foi cassado, preso no DOPS do Rio de Janeiro e no Caio Martins, em Niterói, tendo sofrido tortura física. Após ser cassado, tornou- se comerciante como dono de bar, que estava no nome da esposa, trabalhando em frente de casa. Depois da Anistia foi vereador por dois mandatos e vice-prefeito do Município de São Gonçalo. Casado e com quatro filhos, participa atualmente da Associação de Aposentados e Pensionistas de Niterói e São Gonçalo. Declarou-se oriundo da classe pobre e comentou ter acabado de cursar o primeiro grau já adulto.

Do mesmo modo, o Sr. Osvaldo Garcia Velloso, Presidente da Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas (COBAP) nos anos de 1991 e 1992, é gonçalense e aposentado. Filho de pai militante do Partido Comunista, foi operário naval, sindicalista, filiado ao Partido Comunista, cassado e preso na Aeronáutica, em Niterói, onde sofreu torturas psicológicas. Cursou o segundo grau incompleto e trabalhou em vários estaleiros; depois da cassação, continuou trabalhando, mas sem carteira assinada. É casado, tem duas filhas e participa da Associação de Aposentados e Pensionistas de Niterói e São Gonçalo. Declarou-se oriundo da classe pobre.

Já o Sr. Nilton Domingues Pedrosa, Diretor do Departamento de Aposentados dos Gráficos em 1991/1992, é o atual Vice-Presidente de Relações Públicas da FAAPERJ e membro do Conselho Deliberativo da COBAP. Neto de avô anarquista, ele é carioca, gráfico aposentado e sindicalista. Não foi cassado, mas teve que sair do emprego no Jornal do Brasil. Trabalhou em várias gráficas até se aposentar. É casado e tem dois filhos. Declarou-se oriundo da classe pobre, tendo cursado o segundo grau completo.

Contudo, o Sr. Alcino Viana Aguiar e o Sr. Hélio Guimarães dos Santos mostram outras vivências políticas. O primeiro, um paulista que foi criado no Rio de Janeiro a partir dos 12 anos, exerceu a presidência da ASAPREV-RJ no período de 1985 a 1991, à qual retornou em 2003, após o falecimento de Roberto Pires. Aposentado, foi engenheiro eletrotécnico da Eletrobrás, onde sempre trabalhou, e nunca esteve envolvido em movimento sindical até se aposentar. É casado e tem duas filhas. Declarou-se oriundo da classe média alta.

O segundo, atual vice-presidente da ASAPREV, é baiano, economista e empresário aposentado, tendo trabalhado como executivo em várias multinacionais, até possuir uma revendedora Volkswagen. Da mesma forma, nunca teve envolvimento com sindicalismo até a

aposentadoria, quando se mudou para o Rio de Janeiro. Atualmente trabalha em empresa da filha. É casado e tem dois filhos. Declarou-se oriundo da classe média.

Vemos que esses aposentados se distinguem quanto à formação educacional: três possuem terceiro grau completo; dois cursaram até o segundo grau, um dos quais incompleto; por fim, um só conseguiu terminar o primeiro grau na idade adulta e após a formação sindical orientada pelo Partido Comunista. Do mesmo modo são oriundos de classes sociais distintas: três, de origem pobre; e três, da classe média.

Além das profissões e escolaridades diferentes – um bancário/economista; dois operários navais; um gráfico; um engenheiro; e um empresário/ economista – mostraram similaridade quanto ao casamento – todos são casados – e aos filhos – de 2 a 4. Durante as entrevistas fizeram questão de dizer o número de anos que foram casados e falaram da importância do apoio de suas esposas, destacando-se que nenhuma militou diretamente.

Através de seus relatos, os aposentados apresentam trajetórias de militâncias diferentes. Três deles sempre militaram nos respectivos sindicatos e no Partido Comunista, razão pela qual foram cassados durante a ditadura militar, e, ao se aposentarem, depois da Anistia, passaram automaticamente a militar no Movimento dos Aposentados. Outro, sempre militou em seu sindicato, tendo-se declarado socialista, não foi cassado e ingressou no Movimento ao se aposentar, ao passo que outros dois não tiveram nenhum tipo de envolvimento na luta sindical até se aposentarem.

As experiências durante a repressão dos governos militares entre os militantes ora se assemelhou – foram cassados, perderam os empregos, passaram a viver e trabalhar na clandestinidade, as famílias se reorganizaram financeiramente –, ora divergiu: um, ficou exilado na Embaixada do México no Brasil, depois do que permaneceu mais um mês no México, de onde foi para a Tchecoslováquia, onde viveu dez meses, até retornar clandestinamente, via Uruguai, para o Brasil. Outro, passou dois meses em prisão no Brasil, no DOPS do Rio de Janeiro, tendo sofrido tortura física e, depois, foi mantido em prisão coletiva no Estádio Caio Martins, em Niterói, até ser liberado. Outro, foi preso em um quartel da Aeronáutica em Niterói, mas não sofreu torturas físicas e, sim, psicológicas. Todos declararam ter tido boa relação com os patrões – ética e respeitosa – apesar do envolvimento com o sindicalismo, das perseguições, das demissões, do desemprego e de alguns desentendimentos normais que ocorriam durante as reivindicações.

A escolha desses seis narradores, todos homens, foi se configurando a partir das dificuldades para localizar mulheres que haviam participado da mobilização em posição de liderança. A maioria daquelas que foram lembradas por eles já havia falecido. Uma senhora indicada, que buscamos entrevistar, estava em fase terminal de uma doença e não pôde conceder a entrevista, vindo a falecer logo a seguir. Por conseguinte, a questão de gênero e do protagonismo dos homens em movimentos sindicais e políticos merece investigação mais acurada.

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