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Partindo do pressuposto de que o imaginário é um sistema organizador de imagens, cujo papel fundador é mediar a relação do homem com o mundo, levantar mitos, ideologias e utopias veiculadas pelo discurso pedagógico permite-nos compreender melhor as práticas educativas que neles se enraízam (TEIXEIRA, 1999, p. 101).

Diante do itinerário interdisciplinar que vem conduzindo a nossa pesquisa em que se discute a relação entre Mito, Filosofia e ensino de Filosofia decidimos a seguir a partir dos autores TEIXEIRA & ARAÚJO (2011), PAULA CARVALHO (1990), BADIA & PAULA CARVALHO (2010) fazer uma breve exposição de algumas contribuições da teoria do imaginário para a pesquisa educacional.

Imaginário e educação estão diretamente interligados uma vez que o discurso pedagógico que irá justificar uma determinada forma de organização educacional se pauta por algum conjunto de símbolos que irão determinar a nossa relação com o mundo, as nossas ações, etc.

Nesta direção, uma das grandes contribuições da teoria de Durand ao processo educacional foi o valor que atribuiu ao homo symbolicus e as formas de simbolização. Conforme mostra seu pensamento, o imaginário é um elemento constitutivo e instaurador do comportamento do homo sapiens. Já que é por meio do imaginário que nos reconhecemos como humanos, conhecemos uns aos outros e apreendemos a multiplicidade real do mundo. (TEXEIRA & ARAÚJO, 2011)

Neste sentido, o processo educacional comporta o imaginário que, por via do processo de simbolização define as competências simbólico-organizacionais tanto dos indivíduos como dos grupos servindo como organizador das experiências e das ações humanas. (TEIXEIRA & ARAÚJO, 2011)

Ademais, a leitura da obra de Durand sugere que a pedagogia é de certa forma, uma de suas metáforas obsessivas, seja no sentido de uma pedagogia escolar, modeladora do social, seja no de uma Paidéia como formação integral do homem, como cultivo de sua humanidade. (TEIXEIRA & ARAÚJO, 2011, p.78)

Durand considera que a Pedagogia gira sempre em torno da dinâmica dos símbolos, constituindo-se como uma verdadeira sociatria que doa, com precisão, para uma determinada sociedade, as coleções e a estruturas de imagens que ela exige, em seu dinamismo evolutivo. (TEIXEIRA & ARAÚJO, 2011, p.78)

No Brasil, a proposta pioneira de aplicação do conceito de imaginário ao campo educacional foi desenvolvida por José Carlos de Paula Carvalho em Antropologia das

Organizações e Educação (1990). Este pesquisador orienta sua investigação pelo que denomina de paradigma holonômico que se alicerça tanto na teoria antropológica do imaginário de Durand como na teoria antropológica da complexidade de Morin. Mesmo considerando que as duas teorias possuem divergências internas, o autor, as considera próximas por tecerem uma critica radical e de ruptura com o paradigma clássico racional consolidando o nascimento de uma “nova razão”.

Para nós interessa frisar que segundo Paula Carvalho (1990, p.20-29), o conceito de “trajeto antropológico” de Durand contribui para a instauração desta “nova razão” porque faz uma critica epistemológica ao reducionismo positivista e historicista centrando-se em dois pontos: a função simbólica e a sutura epistemológica entre natureza/cultura (PAULA CARVALHO, 1990).

José Carlos de Paula Carvalho (1990) alicerçado pelo paradigma holonômico propõe uma reflexão antropológica sobre a prática teórica organizacional voltada para: a) evidenciar a dimensão simbólica do discurso e a ação organizacional; b) repensar a escola- organização no âmbito das práticas simbólicas e educativas articuladas como imaginário sócio-cultural e organizacional; c) possibilitar uma praxeologia socioanalitica. (PAULA CARVALHO, 1990)

Encontramos em Badia e Paula Carvalho (2010) uma descrição e exemplificação do percurso teórico-prático estabelecido no levantamento e sistematização de mediações simbólicas que desenha a paisagem cultural de grupos. Os autores apresentam ainda o estabelecimento das etapas e o instrumental analítico que permite conhecer as estruturas antropológicas do imaginário da cultura organizacional e as heurísticas da cultura emergente. (SILVA & VALDEMARIN, 2010)

Paula Carvalho elaborou a culturanálise de grupos como metodologia de uma Antropologia das Organizações Educativas. Seu ponto de partida teve como alicerce a Filosofia da cultura do Círculo de Eranos (Ortiz-Oses, 1994) e a noção de função simbólica desenvolvida por Casirer. Paula Carvalho (1990, p.44) afirma que toda abordagem do real só pode ser feita pela mediação simbólica, ou seja, pelos sistemas e práticas simbólicas, e assim, esse universo das formas simbólicas organiza o real social como cultura.

Assim sendo, todo grupo sociocultural organiza o comportamento e educa por meio, especificamente, do sistema simbólico e da prática simbólica que ele veicula. Temos assim um conceito ampliado de educação sob o qual, entretanto, a educação em sentido estrito é a prática simbólica basal de sutura das demais práticas simbólicas (BADIA & PAULA CARVALHO, 2010)

Surge assim, na Escola de Grenoble (Badia 1999), a noção de imaginário como cultura. Em que o imaginário é a imagem plural e multifacetada que uma sociedade espelha de si mesma, em termos particulares, os conjuntos psicoculturais que funcionam como polissemias simbólicas. (BADIA & PAULA CARVALHO, 2010)

Fazendo referência a Escola da Cultura e Personalidade, inspirada em Freud, na cultura temos uma função manifesta, a cultura manifesta do grupo sócio cultural, e a função latente, que nos dá a cultura encoberta do grupo sociocultural. Sendo assim a noção de cultura como imaginário identifica três funcionamentos ou aspectos da cultura: a cultura patente, a cultura emergente e a cultura latente. A primeira, situa-se no campo daquilo que os teóricos da organização chamam de cultura organizacional, ao passo que a segunda refere-se aos dinamismos inconscientes de estruturação e funcionamento da cultura manifesta. Por fim, a terceira e última manifesta-se por meio dos ritos, mitos, ideologias e valores, ela permite captar tanto o aspecto patente- praxeológico da cultura de um grupo quanto os componentes afetivos- residuais da ação sociocultural nos grupos. (BADIA & PAULA CARVALHO, 2010)

Ao desenvolver esse aspecto é que a culturanálise de grupos encampa a Escola Cultura, Organização e Inconsciente ou Antropopsicanálise Institucional afirmando que em todo grupo sociocultural, existem duas dimensões do trabalho e da ação: o polo técnico (tarefam que levam o grupo a se organizar) e o polo fantasmático (a vida afetiva dos grupos). Neste contexto, estudar ou mapear, tanto mapas da realidade quanto mapas de consciência do grupo é levantar a cultura patente no polo técnico do trabalho e a ação do grupo, assim como a cultura latente no polo fantasmático do trabalho e ação do grupo. A cultura emergente torna- se um viés estratégico porque capta ambos os polos, dando pistas de ambas as culturas. (BADIA & PAULA CARVALHO, 2010)

A partir de sua Tese de Titulação, seguindo-se de Projetos Integrados de Pesquisa e os inúmeros trabalhos de colaboradores, Paula Carvalho levantou o seguinte mapa das heurísticas que servem como base para a culturanálise de grupos (BADIA & PAULA CARVALHO, 2010):

1. Mapemaneto da cultura patente:

1.1. heurísticas socioantrográficas (o esquema de P. Erny: fatores, agentes de socialização, instituições, atos pedagógicos, dinamismo e processos- trata-se do “perfil etnográfico”);

1.2. heurísticas praxeológicas (a lógica da ação racional em Godelier e a chart de Malinowski);

1.3. heurísticas diastemáticas (o estudo do espaço e suas configurações): a configuração da “paisagem mental” (modos de pensar, sentir e agir configurados como imagens e ideias) como outillage mental do grupo (suportes linguísticos, aparelho perceptual, aparelho conceitual, aparelho imagético-simbólico).

2. Mapeamento da cultura emergente:

2.1. heurísticas héxicas (os resíduos e as derivações de Pareto; ideo-lógicas de M.Augé; mito-lógicas de Lévi-Strauss e axio-lógicas de Parsons-Kluckhon e Gurvitch; rito- lógicas de Th.Maertens; personalidade modais de Devereux e a cotidianidade oxiomorônica de P. Carvallho-Badia);

2.2. heurísticas mitopeicas (as imagens-desejo de Bloch e as consciências dissimultâneas de Tacussel; as sensibilidades de Febvre; as metáforas obsessivas de Mauron; as imagens simbólicas e os complexos culturais da poética do devaneio de Bachelard e a imaginária hipárico-onírica de Frétigny e Virel);

2.3. a configuração das estórias de vida pessoal e do grupo de base do diário de rêveries. 3. Mapeamento da cultura latente:

3.1. heurísticas tesmiósicas (rito-lógica da corporeidade e socioanálise do protomental); 3.2. heurísticas catéticas (a socianálise do protomental e a fantasmanálise de grupos de

Bion, Ll.Mause, Anzieu e Kaes)

3.3. heurísticas mitopoiéticas (a mitocritica de discursos e a mitanálise institucional de G. Durand e P. Carvalho)

3.4. heurísticas arquetipais (a arquetipologia das figurações mítico-imaginais, o AT.9 e o mitodrama);

3.5. a configuração régia do banco dos sonhos individuais e grupais e o diário dos sonhos.

4. Complementações heurísticas: os devaneios, as conversas paralelas e, em contraponto, o ensimesmamento, as práticas intersticiais e as práticas da dejeção, o chiste, o sonho acordado, o ludismo transicional do espaço potencial, do liminoide, do ex- noide, do anoide a tipologia das consciências dissimultâneas, a fenomenologia dos complexos e a imaginação ativa, as encenações, cenarizações e teatralizações, o onirismo grupal e imaginal. (BADIA & PAULA CARVALHO, 2010, p)

A escolha das heurísticas cabe ao pesquisador, segundo sua formação prioritária e a situação de campo. (BADIA & PAULA CARVALHO, 2010). Pois é a situação de campo e, consequentemente da temática conforme o estudo interdisciplinar em questão que poderá balizar melhor a escolha das heurísticas.

Por exemplo, a pesquisa de Maria Cecilia Sanchez Teixeira aplica de forma inédita, inovadora e interessante as noções de mitocrítica e mitanálise de Durand para apreender instâncias míticas implícitas no discurso pedagógico de Paulo Freire (TEIXEIRA, 1999).

Partindo do pressuposto de que o imaginário é um sistema dinâmico organizador de imagens, cujo papel fundador é mediar a relação do homem com o mundo, levantar os mitos, ideologias e utopias veiculados pelo discurso pedagógico permite-nos compreender melhor as práticas educativas que neles se enraízam (TEIXEIRA, 1999, p. 101)

O objetivo principal de Teixeira (1999) foi de mostrar como através da mitocrítica e da mitanálise, podemos apreender as instâncias míticas que se escondem sob a racionalidade que caracteriza o discurso pedagógico ou educacional. (TEIXEIRA, 1999)

Como não temos como objetivo aqui de analisar profundamente os desfechos teóricos da pesquisa a pouco mencionada apenas o fizemos para demonstrar as possibilidades de aplicação da teoria do imaginário ao campo educacional, seja no âmbito da análise do discurso pedagógico, análise de narrativas, análise mítica, etc.

O reflexo desse campo de estudo se estende a vários estados do Brasil, dentre eles, o Maranhão, na UFMA existe desde 1996 o Grupo de Estudo sobre Arte, Cultura e Imaginário na Educação (G-Saci)30 vinculado a linha de pesquisa Instituições Escolares, Saberes e Práticas Educativas, do Mestrado em Educação. O grupo possui um caráter transdisciplinar e realiza estudos e pesquisas sobre Arte, Literatura, Cultura, Esportes, Educação e Imaginário, na busca de compreensão de uma realidade cada vez mais complexa e multifacetada. O seu principal idealizador e fundador é o prof. Dr. João de Deus Viera Barros31.

30 O G-Saci já realizou vários encontros específicos na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), além de pesquisas de mestrado tanto no Programa de Pós Graduação em Educação (PPGE) como no Programa de Pós Graduação em Cultura e Sociedade (PGCULT), das quais dentre estas podemos destacar: SILVA, E.A. TESSITURA DE LUZ E SOMBRA: um estudo sobre o sentido da docência no imaginário dos licenciados do curso de Letras da UFMA. 2012. Dissertação (Mestrado em Cultura e Sociedade) – Universidade Federal do Maranhão. SOUZA, A.K.F.R de. Educação Linguística: caminhos para o ensino da língua materna. 2012. Dissertação (Mestrado em Cultura e Sociedade) – Universidade Federal do Maranhão. RAULINO, E.N. FERREIRA GULLAR NUMA PERSPECTIVA FOULCALTIANA: uma leitura de EM alguma parte alguma. 2012. Dissertação (Mestrado em Cultura e Sociedade)- Universidade Federal do Maranhão. SERRA, M.de.O. Os museus da Cultura Popular de São Luís como Espaços Educativos: configurações e perspectivas para uma pedagogia do imaginário. 2012. Dissertação (Mestrado em Cultura e Sociedade)- Universidade Federal do Maranhão. NUNES, M.C. A Literatura Infantil e Juvenil e a Formação do Leitor na Obra de Ana Maria Machado à Luz da Teoria do Imaginário. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade Federal do Maranhão. MARQUES, A.A.N. A ludicidade e o simbolismo na infância: um estudo hermenêutico em uma brinquedoteca escolar de São Luis- MA. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade Federal do Maranhão. FONTELES, L.S. IMAGENS DA INFÃNCIA NA ESCOLA PÙBLICA DE SÂO LUÌS/MA: o lugar da criança no imaginário de professores. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade Federal do Maranhão.

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O referido professor é especialista na Teoria do Imaginário já tendo publicado livros como: BARROS, J.D.V. Gilberto Freyre, Imaginário e Educação. São Luís: EDUFMA, 2010. BARROS, J.D.V. Imaginário e Educação: pesquisas e reflexões. São Luís: EDUFMA, 2008. BARROS, J.D.V. Imaginário da Brasilidade em Gilberto Freyre. São Paulo: Didática Paulista, 1996. BARROS, J.D.V. Mirar. São Paulo: João Scortecci Editor, 1987.

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