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5 DA CRITICA AO POSITIVISMO AOS FUNDAMENTOS DO

5.1 A imaginação simbólica em Durand

Ao entrarmos em contato com o pensamento de Durand inicialmente também pudemos notar que o pensador dirige sua atenção para explanar o seu conceito de imaginação simbólica buscando contextualizar as influências teóricas que reaparecem em seus estudos sobre o imaginário assim como diferenciá-lo tanto da Psicanálise como da Psicologia Social.

Mas se a psicanálise e a psicologia social redescobrem a importância das imagens, e por isso, rompem revolucionariamente com oito séculos de repressão e de coerção do imaginário, essas doutrinas só descobrem a imaginação simbólica para tentar integrá-la na sistemática intelectualista estabelecida, apenas para tentar reduzir a simbolização a um simbolizado sem mistério. (DURAND, 1988, p.41)

Entretanto, ainda que busque diferenciar o conceito de imaginação simbólica de outras correntes consagradas do pensamento, Durand não deixa de reconhecer a importância das investigações sobre o psiquismo realizadas por Freud, From, Jung e Lacan que de uma forma ou de outra contribuem para o desenvolvimento de todo o campo de conhecimento interdisciplinar que compõe a teoria do imaginário.

Para Melloni: “Se não foi possível evitar a intromissão do conteúdo imaginário- metafórico poético inspirado pelas emoções, na explicação científica, também não foi possível escamoteá-lo nem afastá-lo como tema central das preocupações humanas desde Freud”. (MELLONI, 1999, p.47)

Durand (1988) considera que a imaginação simbólica reside na capacidade da consciência humana em apreender a realidade segundo duas formas fundamentais, uma direta e outra indireta. Na forma direta a realidade apresenta-se a mente humana como uma percepção simples, ou seja, através de uma sensação captada pelos sentidos. Como exemplo de uma forma direta de representação podemos citar a representação de um objeto qualquer como uma casa ou uma árvore.

Na forma indireta, a representação da realidade não poder ser imediatamente apresentada à sensibilidade, por isso, é representada ou substituída por uma imagem. Por exemplo ao falar da casa de nossa infância só poderíamos ter um acesso indireto à mesma ou

uma representação indireta da mesma como realidade através da construção de uma imagem desta casa já que a mesma não existe mais enquanto realidade concreta. Portanto, o símbolo ou a natureza simbólica reside exatamente na representação indireta da realidade. (DURAND, 1998)

Podemos então fazer um breve paralelo com o mito da caverna de Platão e afirmar que o mesmo numa perspectiva da imaginação simbólica duraniana apresenta-se como uma representação indireta da realidade porque se compõe de imagens, metáforas e símbolos arquetipais universais. Platão utiliza o mito da caverna para falar de assuntos que não podia expressar por meio da dialética enquanto discurso mediador, daí o caráter simbólico do mito ou da alegoria. Não é à toa que encontramos na alegoria as imagens de caverna, fogo, luz, sol e água.

Voltando a Durand, as representações indiretas aparecem como o alicerce de toda imaginação simbólica, sendo que a mesma pode ser expressa através de alegorias, emblemas, narrativas alegóricas, mitos, parábolas, etc. “É o dinamismo das imagens, o “sentido” figurado que importa, portanto, antes de tudo para a decifração não só dos símbolos, como também de certos signos sobrecarregados de semantismo e do sentido próprio dos conceitos” (DURAND, 2002, p.135).

Durand esclarece que: [...] partimos de uma concepção simbólica da imaginação, quer dizer, de uma concepção que postula o semantismo das imagens, o fato de elas não serem signos, mas sim conterem materialmente, de algum modo, o seu sentido (DURAND, 2002, p.59).

Ao revelar pelas imagens aquilo que julgamos indizível o símbolo torna-se uma epifania, é quando se transforma numa aparição através do e pelo significante. Sendo assim, a imaginação simbólica tem sua predileção pelo indizível sob suas diversas formas seja como inconsciente, sobrenatural ou supra-real. E neste caso, por não poder ser confirmado pela realidade concreta daquilo que representa, o símbolo se auto-valida e nisto reside a sua autonomia simbólica (DURAND, 1998).

Como não pode figurar o in-figurável, a imagem simbólica é tida então como uma transfiguração de uma representação concreta (o significante) através de um sentido para sempre abstrato (o significado). Enfim, o símbolo (como signo transcendente) aparece então como uma representação que faz aparecer um sentido secreto, é a epifania de um mistério (DURAND, 1988).

Ainda em relação ao símbolo, signo e significante encontram-se infinitamente abertos, o que pode conduzir à sua própria antinomia, por exemplo, no simbolismo de fogo,

podemos ver a sua variação de um extremo ao outro, ora pode aparecer como fogo da paixão, como fogo purificador ou como fogo do inferno (DURAND, 1998).

Por exemplo, no mito da caverna de Platão o fogo aparece como símbolo de luz e também como símbolo de tudo que pode existir quando é associado ao sol. Vejamos as seguintes passagens em o arquétipo ou elemento fogo aparece na narrativa e vai aos poucos sendo associado à luz e ao sol:

[...] Suponhamos uns homens numa habitação subterrânea, com uma entrada aberta para a luz, que se estende a todo comprimento dessa gruta... serve-lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência por detrás dele; entre a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente” (PLATÃO, 2001, 514 a-b, p. 315)

[...] pensas que, nestas condições, eles tenham visto, de si mesmo e dos outros, algo mais que as sombras projetadas pelo fogo na parede oposta da caverna? (PLATÃO, 2001, 515-b, p. 316)

[...] Logo que um alguém soltasse um deles, e o forçasse a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e olhar para a luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objectos cuja sombra via outrora. (PLATÃO, 2001, 515-d, p. 316)

[...] Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a própria luz, dor-lhe-iam os olhos (PLATÃO, 2001, 515 e, p. 317)

[...] E se o arrancassem dali à força e o fizessem subir o caminho rude e íngreme, e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até a luz do Sol, não seria natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim arrastado, e depois de chegar à luz, com os olhos deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo que agora dizemos serem os verdadeiros objectos? (PLATÃO, 2001, 516a , p. 317)

[...] A partir de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das estrelas e da Lua, mais facilmente do que fosse o Sol e o seu brilho de dia.

- Pois não!

- Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para o Sol e de o contemplar, não já sua imagem na água ou qualquer sitio, mas a ele mesmo, no seu lugar. (PLATÃO, 2001, 516b, p. 317)

Tomando o simbolismo de sol, fogo e luz tal como aparece no mito da caverna de Platão o que de fato vemos é uma sinonímia simbólica como também um processo de metamorfose simbólica. O processo de sinonímia revela-se pelo mesmo sentido que é atribuído por Platão ao símbolo do fogo, da luz e do sol como vemos nas passagens da alegoria citadas acima.

Já existe um momento de pura metamorfose simbólica bem no final do mito da caverna quando Platão associa a caverna ao mundo que vivemos invertendo o caminho de sua alegoria para dizer que na verdade a caverna é o próprio mundo que vivemos. Neste caso, a simbologia ou a imagem da caverna serviu de significante ou de uma representação indireta do nosso mundo para Platão expressar que assim como a caverna o mundo nos aprisiona, e por isso, assim como a caverna, necessita ser abandonado.

Na ótica da teoria do imaginário de Durand toda manipulação de símbolos que pode levar a um processo de metamorfose simbólica só se dá assim porque no próprio símbolo existe uma abertura infinita que permite tal possibilidade.

Neste contexto, todo o universo pode servir de significante, como algo concreto (um pássaro, uma árvore, uma pedra, um homem, uma mulher, etc), mas que remete ao não- representável para a imaginação simbólica, para fazer aparecer o indizível, o inominável, o inconcebível, o sagrado, o divino. (DURAND, 1998).

E no caso do mito da caverna de Platão o que aquele simbolismo presente seja pela sinonímia ou pela metamorfose simbólica quer expressar está até hoje em aberto, porque na verdade não existe um consenso sobre afinal qual assunto Platão está priorizando em sua alegoria. Como já vimos no início de nossa exposição são inúmeras as relações ou leituras advindas de uma mesma passagem do mito da caverna de Platão. Em outras palavras, o caráter simbólico de toda alegoria da caverna de Platão, sob uma perspectiva duraniana, faz aparecer o indizível, porque lida com símbolos, imagens, metáforas e arquétipos.

Até aqui fizemos em linhas gerais uma breve exposição dos aspectos centrais do conceito de imaginação simbólica que é um dos alicerces da teoria do imaginário de Durand. Dentro do possível estabelecemos algumas analogias entre a forma como Platão usa a imaginação no seu simbolismo da alegoria da caverna e de como a imaginação simbólica de Durand vê este simbolismo. Dando prosseguimento ao nosso trabalho, no subcapítulo que se segue apresentaremos o conceito de trajeto antropológico que é um dos alicerces conceituais da teoria do imaginário de Durand.

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