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CAPÍTULO IV – CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS

4.2 Imaginação e Audiovisual

Nós inventamos todos os dias, a partir da história, das fofocas da especulação econômica, do ambiente pelo qual caminhamos e através do qual olhamos para fora. Esquadrinhamos as janelas com olhos distintos da nossa infância, nunca para nos maravilharmos e quase nunca para admirar, mas para criar e modificar nossas pequenas teorias incongruentes sobre a vida. Já não é o uniforme de um soldado que chama a nossa atenção, nem o porte flutuante de uma mulher, ou o semblante que mostra claramente o traço de paixão e que carrega uma história de aventura escrita em suas rugas. O prazer da surpresa se desvanece; e já não há espanto em encontrar um pão doce ou um carro de bombeiros; e andamos pelas ruas para inventar romances e agir como sociólogos. (STEVENSON, 2008, p.23, apud ÁLVAREZ, 2013, p. 170)105

A imaginação é vital como base para a expansão do conhecimento e do desenvolvimento humano. Vigostki106, que dedicou parte de sua obra ao tema da

104 Denise Jodelet - Professora titular da Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales. Atua principalmente nos seguintes temas: Teoria das Representações Sociais, Representações Sociais, Saúde mental, Alteridade, Cultura.

105 Tradução livre. Juego de niños - In: Stevenson, R. (2008). Memoria para el olvido. Los ensayo de

Robert Louis Stevenson. Madrid: Ediciones Siruela S.A.

Texto original: Nos fabricamos día a día, a partir de la historia, y los chismes, y las especulaciones económicas, y qué sé yo, un entorno por el que caminamos y a través del cual miramos al exterior. Escudriñamos los escaparates con ojos distintos de los de nuestra infancia, nunca para maravillarnos, y no siempre para admirar, sino para crear y modificar nuestras pequeñas teorías incongruentes acerca de la vida. Ya no es el uniforme de un soldado lo que nos llama la atención, sino, quizá, el porte vaporoso de una mujer, o un semblante que muestra claramente la huella de la pasión y que lleva una historia de aventuras escrita en sus arrugas. El placer de la sorpresa se desvanece; resulta bastante anodino encontrarse con un pan de azúcar y un carro de riego; y andamos por las calles para inventar novelas y ejercer de sociólogos (p. 23).

106 Lev Semenovich Vigostki (1896-1934) psicólogo bielo-russo, descoberto nos meios acadêmicos ocidentais depois da sua morte, aos 38 anos. Pensador marxista, foi pioneiro na noção de que o

criação da cultura defendia que a escola deveria dar oportunidade às crianças de exercerem a criação artística de natureza estética. Segundo ele, criatividade é toda realização humana de algo novo, desenvolvida a partir de impulsos básicos de conduta: o reprodutor ou reprodutivo e o criador ou combinador, este diretamente vinculado à imaginação. É a atividade criadora que faz com que a humanidade possa projetar o futuro, transformar a realidade e modificar o presente. Vigostki define como imaginação (ou fantasia) a atividade do cérebro humano que se baseia na combinação e explica que, para a psicologia, a imaginação é a base de toda atividade criadora, se manifestando em qualquer aspecto da vida cultural (VIGOSTKI,1982, p. 10)

Todos os objetos da vida diária, sem excluir os mais simples e habituais, vem a ser algo assim como fantasia cristalizada embora o senso comum atribua a alguns escolhidos (artistas, inventores, etc.) o atributo da criatividade.

Existe criação não apenas onde têm origem os acontecimentos históricos, mas também onde o ser humano imagina, combina, modifica e cria algo novo, por insignificante que esta novidade possa parecer se comparada com as realizações dos grandes gênios. Se somarmos a isso a existência da criação coletiva que reúne todas essas pequenas descobertas insignificantes em si mesmas da criação individual, compreenderemos quão grande é a parte de tudo o que foi criado pelo gênero humano e que corresponde à criação anônima coletiva de inventores desconhecidos. (VIGOSTKI,1982, p. 11)

Ao referir-se ao teatro na escola, Vigotski destaca o processo de criação como mais importante que o resultado final em si. Para o audiovisual podemos apropriar-nos do mesmo raciocínio, pois a essência da produção de vídeos e filmes com crianças deve ser o resultado de sua imaginação e não o produto final.

O teatro das crianças, quando pretende reproduzir diretamente as formas do teatro adulto, constitui uma ocupação pouco recomendável para crianças. Começar com um texto literário, memorizar palavras estranhas como fazem os atores profissionais, palavras que nem sempre correspondem à compreensão e aos sentimentos das crianças, interrompe a criação infantil e converte as crianças em repetidores de frases de outros obrigados pelo roteiro. Por isso se aproximam mais da compreensão infantil as obras compostas pelas próprias crianças ou improvisadas por elas no curso de sua criação. (...) Estas obras resultam sem dúvida mais imperfeitas e menos literárias que as preparadas e escritas por autores adultos, mas possuem a enorme vantagem de terem sido criadas pelas próprias crianças. Não se

desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais e condições de vida. Em toda a extensão da obra de Vigotski o materialismo histórico e dialético aparece como a referência teórica que fundamenta suas reflexões nos campos da psicologia e da pedagogia.

deve esquecer que a lei básica da criação artística infantil consiste em que seu valor não reside no resultado, no produto da criação, mas no processo de criação em si. (VIGOSTKI 1982, p.87)

Ao mergulhar no processo criativo a criança reina como um fiel soberano sobre um mundo que lhe pertence, diria Walter Benjamin (2014), e fala do que a cerca, dos seus sonhos, angústias e do mundo adulto.

O universo audiovisual é uma grande fonte de influências, e a apropriação de seus conteúdos insere-se no processo de internalização, estudado por Vigostski, através do qual as funções no desenvolvimento infantil ocorrem no nível social. A programação televisiva integra uma prática social internalizada pela criança, através da qual precisa copiar os modelos presentes nas imagens que povoam seu mundo para então assimilá-los. Ao estudar as crianças numa perspectiva sociológica, Willian Corsaro (2011 p.32), reconhece o trabalho de Vigostski e estuda as relações construídas coletivamente pelas crianças entre si, com os adultos e como se dá a reprodução, compartilhamento e recriação da cultura. Seu conceito de “reprodução interpretativa”, demostra as condições da estrutura e reprodução social, os processos históricos que constituem sociedades e culturas e afetam as crianças e infâncias afirmando que “as crianças não se limitam a internalizar a sociedade e a cultura, mas contribuem ativamente para a produção e mudança culturais”

Com sua presença massiva, sendo o meio que mais influencia a criança, a televisão passa a ser referência no universo infantil e meio de apropriação das informações do mundo adulto. Sua presença estrutura o tempo e os espaços familiares. O estudo da UNESCO107 publicado no Brasil em 2002, demostrava que 97% das crianças de 23 países, incluindo o Brasil, assistiam televisão, pelo menos três horas por dia. Dados do IBOPE de 2008 demonstram que as crianças brasileiras passam em média 5 horas diárias em frente da TV.

4.3 DESENHOS E FILMES DO PROJETO CRIANÇA E CINEMA DE ANIMAÇÃO