• Nenhum resultado encontrado

IMESF – INSTITUTO MUNICIPAL DE ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

3. O IMESF: UM CASO DE PRECARIZAÇÃO DO SUS

3.2 IMESF: UMA DESCRIÇÃO ORGANIZACIONAL

3.2.4 IMESF – INSTITUTO MUNICIPAL DE ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

A Saúde da Família em Porto Alegre, num primeiro momento, era bem precarizada. Os primeiros agentes de saúde do município eram contratados por Associação de Moradores, sendo, portanto, funcionários do dono da associação.

Posteriormente, com o objetivo de melhor gerir este segmento da Política Pública da Saúde, surge a contratação pela FAURGS (Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), que tinha por objetivo o papel único e exclusivo de contratar. No entanto, a FAURGS deveria receber uma taxa administrativa, que não foi paga pela prefeitura e, por esse motivo, rompeu o contrato.

Como solução para tal impasse, no ano de 2007, o então secretário de saúde contratou, sem licitação, o Instituto Sollus, uma OSCIP de São Paulo, sem nenhuma tradição em saúde, sem apreciação e aprovação do Conselho Municipal de Saúde.

O Plenário do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre foi contrário à contratação do Instituto, afirmando que não deveriam ser firmados contratos com ONGs (Organizações Não-Governamentais) ou OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) para a contratação das equipes de ESF. Em 2009, a prefeitura rescindiu o contrato com o Instituto, após os escândalos que envolveram sua contratação. O Instituto Sollus, é uma Organização de Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) com sede em Sorocaba (SP). O instituto iria coordenar o Programa da Saúde da Família (PSF) – uma iniciativa do governo federal que, na Capital, permite a terceirização de médicos, enfermeiros e técnicos da área. A função do Sollus era contratar os profissionais e realizar campanhas de vacinação. Boa parte dos trabalhos contratados pelo Sollus não eram efetivamente realizados. O prefeito de Porto Alegre e o secretário municipal da Saúde disseram que a prefeitura tomou à frente e denunciou as irregularidades cometidas pelo Instituto Sollus em relação ao programa Saúde da Família. O prefeito alegou que o Sollus foi escolhido para prestar o serviço por apresentar experiência e boa conduta.

Já o Conselho Municipal da Saúde contestou a afirmação do prefeito, e garante que partiu do colegiado a iniciativa de denunciar as irregularidades (DE LARA, 2015). No calor do momento, houve uma parceria de urgência com o Instituto de Cardiologia.

Consequentemente, surge a urgência em resolver o obstáculo da gestão da Atenção Básica e, neste contexto, entra em discussão a criação do IMESF. O IMESF foi contratado para fazer a mesma coisa que a FAURGS, mas acabou sendo mais do que isso.

Nesse contexto, e, sobretudo, com o Projeto de Lei PLP/2007, a discussão para a criação do IMESF ganha forma. Adicionalmente, para o surgimento do IMESF, o Poder Público também usou como justificativa os problemas históricos na saúde, como listas de espera para especialistas, postos de saúde lotados, más condições de serviços de saúde e problemas com os profissionais que não cumprem os horários de trabalho. Para o então prefeito do Município de Porto Alegre na época (Fortunati), o regime celetista aplicado no IMESF retiraria o Estado do lugar de refém dos maus funcionários públicos (DE LARA, 2015).

Inserido neste contexto de enxugamento do Estado, no ano de 2011, surge o IMESF, no município de Porto Alegre - como uma Fundação Pública de Direito Privado, com o objetivo de operar os serviços de Estratégia de Saúde da Família (ESF), na capital. A finalidade do Instituto é atender a rede de Estratégia da Saúde da Família, sob a forma de promoção, prevenção e proteção da saúde coletiva e individual. O IMESF trabalha o desenvolvimento das atividades de ensino e pesquisa científica. Ainda, o IMESF tinha o objetivo de gerenciar e administrar, de forma indireta, os recursos físicos, o quadro técnico e os recursos financeiros de toda a Estratégia de Saúde da Família de Porto Alegre, sendo uma transferência de responsabilidades da gestão dos serviços municipais de saúde para uma Fundação Pública de Direito Privado. O instituto é vinculado à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e tem autonomia gerencial, patrimonial, orçamentária, englobando a contratação e gestão de convênios públicos. Os servidores que integrarão as equipes são regidos pela CLT. Logo, com a criação do IMESF, a Secretaria Municipal de Saúde do Município de Porto Alegre adotou o modelo de gestão de Fundação Estatal de Direito Privado. O IMESF foi apresentado pela prefeitura do município de Porto Alegre em 2010, através de Projeto de Lei Ordinária, que foi criada em 2011 – Lei municipal número 11.062, de 06 de abril de 2011, que autoriza a criação do IMESF23.

23 Fonte: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/imesf/>;

< http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/governo_municipal/usu_doc/lei_11.062.pdf>. Acesso em 25 nov. 2018.

Conforme seu Relatório de Gestão, os valores do IMESF estão calcados nos princípios do Sistema Único de Saúde e da Política Nacional de Atenção Básica:

acesso universal, coordenação do cuidado, humanização, integralidade, longitudinalidade, educação permanente, promoção da saúde, prevenção de doenças, reabilitação, diagnóstico e tratamento em saúde (IMESF, 2016).

O IMESF apresentou aumento significativo no seu número de trabalhadores nos últimos anos. Do total de trabalhadores da rede de atenção básica, mais da metade é constituída por profissionais vinculados ao IMESF (IMESF, 2016), ou seja, verifica-se também na Atenção Básica a questão citada no caso hospitalar: o complementar passou a ser considerado o principal. A figura a seguir mostra o percentual de trabalhadores do IMESF e da prestação direta, conforme Relatório de Gestão do IMESF, nos anos de 2015 e 2016:

Figura 4 – Profissionais da Atenção Básica de Porto Alegre

Fonte: <http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/imesf/usu_doc/aprovadositeok.pdf>.

Acesso em 23 nov. 2018.

Após a promulgação da lei autorizativa do IMESF, no dia 16 de dezembro de 2011, o Fórum em Defesa do SUS ingressou com liminar do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), questionando a lei autorizativa (Lei número 11.062 de 06 de abril de 2011), com a justificativa de que o governo tem transferido suas responsabilidades para terceiros,

impossibilitando um atendimento de qualidade, que reafirme o princípio de que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado24.

No entanto, as Fundações Estatais de Direito Privado vão contra o texto constitucional que alega, em seu artigo 37, inciso XIX: somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação (BRASIL, 1988). Ou seja, é necessário que haja lei complementar definidora das áreas de atuação das fundações estatais.

Ferem a CF de 88 ao transferir para a esfera privada a prestação de serviços públicos essenciais, pois apenas de forma complementar os serviços públicos essenciais deveriam ser prestados por pessoa jurídica de direito privado. Também ferem o artigo 39 da Constituição Federal de 1988, que prevê regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, autárquica e fundacional. Ao inserir o direito privado como gestor de serviços de atenção básica, ferem o artigo 4º da lei 8080/90 que admite que a iniciativa privada poderá participar em caráter complementar, sendo a prestação direta competência do estado (DE LARA, 2015).

Desse modo, torna-se evidente que o Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (IMESF) atua na inconstitucionalidade, tendo em vista que a instituição de Fundação Pública de Direito Privado fere vários dispositivos legais.