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2 MECANISMOS DE TRANSMISSÃO MONETÁRIA E SISTEMA FINANCEIRO:

2.2 EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS NOS PAÍSES DESENVOLVIDOS

2.2.1 Impactos da Política Monetária sobre o Produto e os Preços

O primeiro passo para identificar os mecanismos de transmissão é verificar o efeito de mudanças na variável de política monetária sobre o produto e os preços.

De acordo com Borio (1997), a variável de política monetária tradicionalmente utilizada pelos bancos centrais dos países desenvolvidos é a taxa de juros de curto prazo. Assim, uma mudança nesta taxa pode provocar alteração na trajetória do produto e interferir nos preços. Se não ocorrerem impedimentos provocados por particularidades na estrutura do sistema financeiro e do setor produtivo, a tendência é que a transmissão da política monetária aconteça pelo canal da taxa de juros.

Nos estudos que demonstram o efeito da política monetária sobre o produto e os preços, os pesquisadores seguem duas linhas de verificação empírica da magnitude do impacto e do tempo que uma alteração na taxa de juros de curto prazo leva para mudar o produto e os preços. Uma linha utiliza-se de modelos VAR,

conforme especifica Sims (1980) e outra linha de modelos estruturais de inspiração keynesiana, podendo estes ser de pequena, média ou grande escala. As evidências empíricas têm demonstrado que os resultados obtidos pelas duas linhas metodológicas são bastante próximos.

A organização da apresentação nesta subseção está pautada para vislumbrar as duas linhas em conjunto. Sendo assim, as tabelas com os resultados obtidos pelas aplicações das duas metodologias são expostas em seqüência. Estas tabelas contêm as informações sistematizadas em Angeloni et al. (2003).

A tabela 2.1 apresenta os resultados da aplicação de modelos estruturais de grande escala. O FRB-US20 é o modelo aplicado pelo FED para a economia dos Estados Unidos, enquanto que o NCBs21 e o AWN22 são aplicados pelo ECB em conjunto com os bancos centrais dos países membros da União Monetária Européia sobre os dados agregados e sobre cada país individualmente.

TABELA 2.1 – EFEITOS DE CHOQUE NA POLÍTICA MONETÁRIA EM MODELOS DE GRANDE ESCALA (DESVIO DA MÉDIA EM %)

Estados Unidos Área do Euro

Modelos FRB-US NCBs AWM

Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 1 Ano 2 Ano 3 Taxa de Juros CP 1,00 1,00 0,00 1,00 1,00 0,00 1,00 1,00 0,00 Taxa de juros LP 0,16 0,06 0,00 0,16 0,06 0,00 0,16 0,06 0,00 Taxa de câmbio efetiva 1,60 0,63 0,00 1,60 0,63 0,00 1,60 0,63 0,00 Preços ao consumidor -0,07 -0,41 -1,01 -0,09 -0,21 -0,31 -0,15 -0,30 -0,38 PIB -0,35 -1,28 -1,37 -0,22 -0,38 -0,31 -0,34 -0,71 -0,71 Consumo -0,37 -1,35 -1,44 -0,12 -0,23 -0,19 -0,27 -0,58 -0,54 Investimento -0,31 -1,79 -3,16 -0,34 -1,04 -1,22 -0,81 -2,37 -2,96 Fonte: Angeloni et al. (2003).

20 Federal Reserve Board Model (FRB/US), este modelo aplicado pelo Federal Reserve (FED), Banco Central dos Estados Unidos, para a economia do país.

21 National Central Banks Models (NCBs), estes modelos foram desenvolvidos ao longo dos anos pelos bancos centrais dos países da área do Euro, tomando cada país individualmente (ECB).

22 Area Wide Model (AWM), este modelo trata da área do Euro como uma economia integrada e é utilizado para análises e tomada de decisão do Banco Central Europeu (ECB).

Os experimentos realizados partem de um aumento na taxa de juros de curto prazo de 1 ponto percentual pelo prazo de dois anos, o que significa que este aumento será mantido por este período e que a partir deste se verifica os impactos nas demais variáveis. O mesmo experimento foi realizado com os modelos VAR e por isso foi possível comparar os resultados nas demais tabelas apresentadas.

A aplicação que faz referência Angeloni et al. (2003) está especificada em McAdam e Morgan (2001), que realiza simulações por meio do Area Wide Model (AWM) desenvolvido e aplicado pelo Banco Central Europeu com dados agregados da área do Euro e também em Van Els et al. (2001), que aplica os modelos macroeconômicos de grande escala NCBs, para os dados individuais de cada país.

Os resultados encontrados para a área do Euro e registrados na tabela 2.1 indicam que: 1 ponto percentual de aumento na taxa de juros de curto prazo causa uma queda máxima de 0,71% no produto após 2 anos. A queda máxima nos preços é de 0,38%, também ocorre após 3 anos, refletindo que, em todos os modelos os preços reagem mais lentamente em resposta a mudanças na atividade econômica.

As simulações realizadas por Van Els et al. (2001) permitem concluir que os dados agregados apresentam resultados que escondem algumas distorções significativas, percebidas em cada país membro da área do Euro. Em países como a Bélgica, França, Holanda e Luxemburgo o impacto sobre o produto e sobre os preços demonstrou ser relativamente baixo. Na Itália, Espanha, Portugal e Grécia, o impacto sobre o produto demonstrou maior força. Segundo os autores, estes resultados tendem a refletir uma estrutura econômica diferente entre os países, pois os modelos mantêm os mesmos parâmetros e variáveis. Neste sentido, percebe-se que há espaço para investigar como a estrutura produtiva e financeira interfere na transmissão dos impactos diferenciados da política monetária.

Na tabela 2.1, verifica-se que os resultados encontrados pela estimação dos modelos estruturais na área do Euro estão em consonância com os apresentados para os EUA, conforme Fagan, Henry e Mestre (2001) e Van Els et al. (2001).

Apenas uma diferença foi identificada nos resultados: a composição do produto, que

apresenta uma importância relativa do investimento para a área do Euro e do consumo para os EUA. Percebe-se que o investimento tem maior sensibilidade relativa a alterações na taxa de juros na área do Euro, em relação ao apresentado para os Estados Unidos. Enquanto que nos EUA o efeito sobre o produto é resultado do impacto que a taxa de juros provoca no consumo, isto é, o consumo desempenha um importante papel na transmissão da política monetária naquele país.

O efeito comparativo da aplicação dos modelos estruturais e dos modelos VAR nos países da área do Euro pode ser visualizado nas tabelas 2.2 e 2.3.

TABELA 2.2 – EFEITO DA POLÍTICA MONETÁRIA SOBRE O PIB DOS PAÍSES ÁREA DO EURO

País NCBs VARs

Ano 1 Ano 2 Ano 3 Acum. Ano 1 Ano 2 Ano 3 Acum.

Bélgica -0,15 -0,20 -0,10 -0,45 -0,18 -0,22 -0,07 -0,47 Alemanha -0,28 -0,33 -0,09 -0,70 -0,05 -0,24 -0,22 -0,51

Grécia -0,33 -0,62 -0,52 -1,47 -0,05 -0,01 0,00 -0,06

Espanha -0,12 -0,43 -0,62 -1,17 -0,06 -0,12 -0,05 -0,23

França -0,15 -0,28 -0,25 -0,68 -0,11 -0,17 -0,11 -0,39

Irlanda -0,25 -0,48 -0,43 -1,16 0,09 0,04 0,03 0,16

Itália -0,26 -0,60 -0,55 -1,41 -0,05 -0,10 -0,05 -0,20

Luxemburgo -0,17 -0,25 -0,27 -0,69 - - -

Holanda -0,20 -0,27 -0,25 -0,72 -0,27 -0,10 0,22 -0,15

Áustria -0,21 -0,29 -0,29 -0,79 -0,16 -0,22 -0,05 -0,43

Portugal -0,22 -0,62 -0,56 -1,40 - - -

Finlândia -0,34 -0,24 -0,15 -0,73 -0,15 -0,40 -0,29 -0,84 Fonte: Angeloni et al. (2003).

A tabela 2.2 apresenta os resultados do efeito de uma elevação da taxa de juros no PIB dos países. Enquanto que a tabela 2.3 evidencia os efeitos do aperto monetário sobre os preços. Estes resultados da aplicação dos modelos VAR estão no trabalho Mojon e Peersman (2001), que analisa o mecanismo de transmissão da política monetária em 10 países (Áustria, Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Holanda e Espanha), seguindo os modelos VAR definidos em

Peersman e Smets (2001)23. Os resultados dos modelos VAR foram sistematizados por Angeloni et al. (2003) e comparativamente apresentados com os resultados dos modelos estruturais NCBs obtidos por Van Els et al. (2001).

TABELA 2.3 – EFEITO DA POLÍTICA MONETÁRIA SOBRE OS PREÇOS NOS PAÍSES DA ÁREA DO EURO

País NCBs VARs

Ano 1 Ano 2 Ano 3 Acum. Ano 1 Ano 2 Ano 3 Acum.

Bélgica -0,10 -0,18 -0,21 -0,49 -0,10 -0,09 -0,20 -0,39 Alemanha -0,05 -0,19 -0,38 -0,62 -0,01 -0,05 -0,19 -0,25 Grécia -0,17 -0,24 -0,32 -0,73 -0,01 -0,06 -0,09 -0,16 Espanha -0,04 -0,25 -0,46 -0,75 0,01 0,02 -0,03 -0,01 França -0,07 -0,10 -0,12 -0,29 -0,03 -0,04 -0,09 -0,16 Irlanda -0,09 -0,15 -0,15 -0,39 -0,05 -0,03 -0,03 -0,11 Itália -0,15 -0,33 -0,47 -0,95 -0,01 -0,03 -0,05 -0,09

Luxemburgo -0,02 -0,05 -0,06 -0,13 - - -

Holanda -0,12 -0,20 -0,22 -0,54 -0,16 -0,34 -0,33 -0,83 Áustria -0,06 -0,17 -0,17 -0,40 -0,04 -0,17 -0,30 -0,51

Portugal -0,16 -0,33 -0,45 -0,94 - - -

Finlândia -0,53 -0,50 -0,17 -1,20 -0,03 0,00 -0,09 -0,12 Fonte: Angeloni et al. (2003).

Os diferentes métodos apresentam resultados bastante semelhantes, principalmente, no que se refere ao impacto da elevação da taxa de juros. Uma queda no PIB e nos preços é observada em todos os países. O que diferencia é a magnitude desta redução para cada país, o que pode ser causado por divergências entre as duas metodologias, mas também pode ser por diferenças nas estruturas dos sistemas produtivos e financeiros.

Ao verificarem-se os resultados acumulados da aplicação de modelos NCBs, percebe-se que a Grécia, Itália, Portugal e Espanha são os países que sofrem os

23 Em Peersman e Smets (2001), o foco é sobre a transmissão da política monetária em termos agregados. Para isso, utilizam estimativas por meio de um modelo VAR com dados sintéticos no período de 1980 a 1998. A idéia era estimar o impacto que um aumento não esperado na taxa de juros de curto prazo provocava nas demais variáveis macroeconômicas.

maiores impactos sobre o PIB e os preços. Enquanto que Bélgica, França, Luxemburgo e Holanda são os que sofrem menor impacto decorrente da variação na taxa de juros.

Na aplicação dos modelos VAR os resultados encontrados foram diferentes, inclusive entre o PIB e os preços. Países que perceberam impactos maiores no PIB tiveram impactos menores nos preços. A Finlândia, por exemplo, teve maior impacto no PIB e foi apenas o sétimo no impacto dos preços. No caso da Holanda observa-se o oposto, o país teve maior impacto nos preços e foi apenas o oitavo em impacto sobre o PIB. O problema maior, no entanto, é a divergência em relação a escala de impacto verificada com a aplicação dos modelos VAR comparativamente com os modelos estruturais. A Bélgica, por exemplo, tem o terceiro maior impacto em relação ao PIB e aos preços no modelo VAR, enquanto que com a aplicação do modelo NCBs teve um dos menores impactos. Itália e Espanha, por sua vez, são tidas como economias com baixo impacto pelo VAR e com alto impacto pelo NCBs.

Como discutido anteriormente, estas divergências ocorrem por vários motivos que vão desde a disposição dos dados até a ocorrência de eventos que perturbem os resultados do VAR. Contudo, a direção dos impactos sobre os preços e PIB decorrentes das alterações na taxa de juros segue no mesmo sentido.

Tomando estas diferenças de impactos para cada país, mesmo com a divergência entre as metodologias apresentadas, cabe investigar a estrutura de cada economia, pois assim pode-se avaliar como as diferentes estruturas interferem na transmissão da política monetária.

Para avaliar esta hipótese a próxima subseção apresenta alguns estudos que tratam de identificar a presença do canal do crédito, especificamente o canal de empréstimos bancários, na economia destes países. Desta forma, busca-se verificar se há transmissão da política monetária por meio alternativo ou complementar ao canal da taxa de juros.

2.2.2 Canal de Empréstimos Bancários: Papel dos Bancos na Transmissão da