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A ocorrência de florações de cianobactérias tóxicas em rios, lagos e reservatórios utilizados para abastecimento público se tornou um problema global com efeitos na saúde humana e no equilíbrio do ecossistema aquático (Chorus e Bartram, 1999; Azevedo et al., 2002; O´Farrel et al., 2012).

Dentre os impactos das florações, destaca-se a decomposição da sua biomassa, podendo levar a depleção do oxigênio dissolvido e, consequente, liberação de fosfatos do sedimento para a coluna d´água, assim como problemas secundários como a mortandade de peixes e a produção de metabólitos como as cianotoxinas (Chorus e Bartram, 1999; Paerl e Otten, 2013).

É importante salientar que considerando que a maioria das cianotoxinas permanece no conteúdo intracelular, um súbito colapso na floração tem o potencial de liberar grande quantidade de toxinas para a coluna d´água (Paerl e Otten, 2013). Muitas dessas cianotoxinas, como as microcistinas e cilindrospmopsinas, são altamente estáveis, apresentando meia-vida de aproximadamente algumas horas ou semanas dependendo da temperatura, radiação UV e a presença de bactérias capazes de degradar esses compostos (Harada et al., 1996).

Além disso, as cianotoxinas liberadas no meio aquático apresentam potencial de bioacumular e biomagnificar ao longo da cadeia trófica, ocasionando intoxicação aguda e morte em mamíferos (Miller et al., 2010), além de apresentar potencial risco para a saúde humana (Azevedo et al., 2002).

As cianotoxinas produzem efeitos tóxicos, agindo sobre os neutransmissores no sistema nervoso central e periférico, nas células hepáticas, no sistema gastrointestinal e nas membranas mucosas, ou produzindo efeitos irritantes e alérgicos (Carmichael, 1992; Westrick et al., 2010). As principais cianotoxinas com efeitos neurotóxicos são anatoxina-a, anatoxina-a(s) e saxitoxina, e as principais com efeito nas células hepáticas são microcistina, nodularina e cilindrospermopsina, enquanto existem outras como os lipopolissacarídeos que podem causar problemas de saúde (como gastroenterite) que são ainda pouco compreendidos (Carmichael, 1992; Chorus e Bartram, 1999).

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O tipo mais comum de intoxicação envolvendo cianobactérias é ocasionado por hepatotoxinas, que pode levar a insuficiência hepática em animais silvestres e em organismos aquáticos (Carmichael 1992; Smith et al., 2008), assim como causar doenças humanas, podendo levar a morte num intervalo de poucas horas a poucos dias (Carmichael, 1994; Azevedo et al., 2002). Sendo as microcistinas consideradas a família de hepatoxinas mais frequente encontrada em águas doces (Chorus e Bartram, 1999; Akcaalan et al., 2006), e também uma das mais estudadas devido sua toxicidade (Carmichael, 1994).

Os eventos de floração de cianobactérias tóxicas ganharam um destaque especial a partir do acidente ocorrido em 1996, na cidade de Caruaru, em Pernanbuco, no qual 130 pacientes renais crônicos apresentaram distúrbios na visão, náusea e vômitos, hepatomegalia com dores fortes e enfraquecimento muscular, após terem sido submetidos a sessões de hemodiálise em uma clínica (Pouria et al., 1998; Azevedo et al., 2002).

De acordo com Azevedo et al. (2002), exames realizados no filtro de carvão da unidade de hemodiálise da clínica detectaram presença de microcistina na água fornecida pela rede pública de abastecimento, assim como no sangue e no tecido hepático dos pacientes falecidos.

De acordo com com a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA) (2014) mais de doze países têm desenvolvido regulações e diretrizes para microcistina em águas para consumo humano e recreação, incluindo Brasil, Canadá, Nova Zelândia e Australia. A maioria das diretrizes de água potável baseia-se no valor provisório da OMS para água potável de 1,0 μg Lˉ¹ de microcistina-LR (USEPA, 2014). A Portaria 2914/2011 adotou o limite da OMS como valor máximo permitido (VMP) de microcistina na saída do tratamento de água para consumo humano, estabelecendo também os VMPs iguais a 3 e 1 μg Lˉ¹ para saxitoxina e cilindrospermopsina, respectivamente (BRASIL, 2011).

A legislação brasileira de potabilidade define que a análise de cianotoxinas no ponto de captação de água do manancial deve ser realizada, com frequência semanal, sempre que a densidade de cianobactérias no manancial exceder 20.000 cel mLˉ¹. Ressalta-se também que a Portaria estabelece que quando as concentrações de cianotoxina no manancial forem inferiores aos seus respectivos VMPs para água

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tratada, será dispensada a realização da análise de cianotoxinas na saída do tratamento (Brasil, 2011).

Em contraste com a legislação brasileira, nos EUA não existem diretrizes reguladoras federais para as cianobactérias ou suas toxinas na água potável ou águas recreacionais. De acordo com a USEPA (2017), apenas quatro estados deste país implementaram normas ou diretrizes que se aplicam a cianotoxinas e cianobactérias em água potável, baseando-se em métodos de avaliação de risco e nas diretrizes fornecidas pela OMS para águas de recreação, sendo eles Minnesota, Ohio, Oregon e Vermont.

Embora normas regulamentares federais não tenham sido promulgadas, a USEPA, em 2015, emitiu recomendações de saúde que estabeleceram limites máximos para microcistina-LR e cilindrospermopsina iguais a 1,6 e 3 μg Lˉ¹, respectivamente, em água de consumo para crianças em idade escolar e adultos. Já para crianças com idade inferior a sete anos foram recomendados limites máximos iguais a 0,3 e 0,7 μg Lˉ¹ para microcistina e cilindrospmopsina, respectivamente (USEPA, 2017).

Já a Diretiva Européia 98/83 das Comunidades Europeias (CE), relativa à qualidade da água destinada ao consumo humano, não menciona limites seja para cianobactérias seja para cianotoxinas, existindo apenas o decreto-Lei 306/2007 que estabelece que “[...] caso seja confirmado um número de cianobactérias potencialmente produtoras de microcistina superior a 2.000 células.mLˉ¹ deve ser aumentada a frequência de amostragem, no âmbito do programa de controle operacional”.

De acordo com Paerl e Otten (2013), o principal motivo que explica a falta de regulação das cianotoxinas, a nível global, tem sido a defasagem entre a identificação desses metabólitos nocivos e a necessidade de anos de estudos toxicológicos e epidemiológicos para caracterizar totalmente esses riscos.

As florações tóxicas de cianobactérias em reservatórios utilizados para abastecimento público, além de ocasionar prejuízos à saúde humana e à biota, gera também dificuldades operacionais no tratamento de água (He et al., 2016). Destaca- se que a maior parte dos sistemas de tratamento do tipo convencional não foram construídos para tratar águas com elevadas concentrações desses microrganismos

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e de seus metabólitos, como é o caso das cianotoxinas (Sens e Machado, 2012; Magalhães e Fiúza, 2016).

Dentre as principais dificuldades no tratamento, destacam-se problema de gosto e odor na água bruta devido aos Compostos Orgânicos Voláteis (COVs) produzidos por algumas espécies, aumento do consumo de produtos químicos, redução da sedimentabilidade dos flocos e das carreiras de filtração e possibilidade de formação de trihalometanos (THMs) na água tratada e, consequentemente, aumento do custo do tratamento para atender aos padrões de potabilidade definidos pela legislação vigente (Di Bernardo et al., 2010; He et al., 2016).

Como um agravante ao tratamento, as células de cianobactérias e seus metabólitos juntamente com a matéria orgânica natural presentes na água bruta são precursores da formação de subprodutos halogenados da oxidação (He et al., 2016). Desse modo, o cloro usado em sistemas de tratamento de água para promover a pré- oxidação das células e das substâncias húmicas pode levar a formação de compostos halogenados, com elevado risco de toxidez ao ser humano e potencialmente carcinogênicos, a exemplo dos THMs, podendo assim resultar em graves riscos para a saúde pública (Di Bernardo et al., 2010; Merel et al., 2013). Um exemplo da gravidade do problema foi o resultado do trabalho realizado por Miranda et al. (2013), que avaliou a formação de THM em tanques de armazenamento de água residenciais na cidade de Salvador, mostrando que em 73% dos tanques a concentração de THM ultrapassou o VMP discriminado pela legislação brasileira, que é de 100 µg Lˉ¹.

Como resultado, ações de intervenção em mananciais vêm sendo realizadas por meio de métodos corretivos onerosos, a exemplo da aplicação de remediadores físico-químicos para tornar o P não biodisponível para as cianobactérias. Assim, recorre-se ao uso de tecnologias de tratamento de água cada vez mais caras e arriscadas, se deixadas para serem efetuadas numa condição de pós-evento, quer sejam pelas dificuldades operacionais de remoção das cianobactérias e de seus subprodutos quer sejam pelos riscos de não atendimento aos padrões de potabilidade (Magalhães e Fiuza, 2016).

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