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SUMÁRIO

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Impactos das mudanças climáticas nos projetos de obras hidráulicas

Segundo ZUFFO (2004), um dos indícios do efeito das variações climáticas seria a alteração no comportamento das chuvas intensas, cujas intensidades extremas vêm se tornando mais frequentes. Essas mudanças acarretariam desatualização das equações de chuva empregadas e, consequentemente, no sub dimensionamento das obras hidráulicas de drenagem. Segundo ZUFFO (2008), a concentração de gases do efeito estufa ocorrem naturalmente na atmosfera, desde antes do aparecimento do homem, sendo imprescindíveis na manutenção das temperaturas atmosféricas em torno de 15º C. Esse aquecimento natural permite a manutenção da vida na Terra; entretanto, segundo esse autor, desde a revolução industrial (meados do século XIX) tanto as emissões quanto a concentração de gases na atmosfera, principalmente CO2, vêm aumentando significativamente, sendo intensificadas, gradativamente, desde a década de 50 do século XX, devido a: (i) a combustão de carvão e petróleo; (ii) desmatamento ou substituição pela agricultura intensiva de áreas florestadas e (iii) o crescimento, não planejado, das cidades e regiões metropolitanas.

O aumento contínuo de gases na atmosfera traz, como consequência, maior interação com a radiação infravermelha emitida pela Terra, e consequentemente, aumento da temperatura do ar atmosférico, denominado como “aquecimento global”. Este aquecimento pode ter reflexos nas mudanças climáticas, tais como: (i) distribuição irregular das chuvas; (ii) aumento ou diminuição de temperaturas da atmosfera; (iii) elevação do nível do mar; (iv) intensificação e alteração dos eventos extremos, entre outros.

Segundo VICENTE (2004), uma das grandes preocupações em relação ao clima no final do século XX e começo do XXI é o provável aumento na frequência e na intensidade dos eventos extremos de precipitação, em decorrência das mudanças climáticas.

O autor explica o mecanismo da maior frequência das chuvas intensas devido as possíveis variações climáticas como se segue:

“...O aquecimento levaria a uma maior quantidade de vapor d água na atmosfera e maior transporte para as altas latitudes do Hemisfério Norte e, em consequência, intensificação na convergência de vapor e na precipitação... e que ... em regiões com aumento de precipitação, haverá também maior registro de chuvas intensas” (VICENTE, 2004, p.19).

Essas modificações do regime pluviométrico têm influência direta sobre as vazões dos rios. COLLISCHONN et al. (2001), analisando as séries históricas 20 estações fluviométricas e 36 pluviométricas nas bacias do Rio Paraguai, verificaram que, a partir de 1970, houve alteração do comportamento hidrológico desse rio, bem como dos seus afluentes. Segundo os autores, a descarga média anual desses rios vem aumentando, continuamente, desde 1972 e esses incrementos na vazão média estão fortemente relacionados aos incrementos de precipitação anual, nesse período. Os autores afirmam que o aumento da precipitação anual está relacionado aos incrementos nas precipitações diárias (aumento da frequência de eventos extremos) o que sugere alteração no comportamento da chuva diária.

Nesse trabalho também foi analisado as flutuações máximas, médias e mínimas anuais do nível do Rio Paraguai, a partir das medições no posto naval em Landário-MS, cujos dados estão sumarizados na Figura 2.1.

Figura 2.1. Níveis máximo, médio e mínimo do Rio Paraguai na estação de Landário (Fonte: COLLISCHONN et al., 2001)

Segundo os autores, as variações de nível do Rio Paraguai apresentam três períodos distintos: (i) até 1960, quando os níveis apresentaram comportamento sazonal estável ou regular em relação à média; (ii) de 1960 a 1972, período no qual houve prolongada redução dos níveis dos cursos d´água (“persistente seca”) e (iii) à partir de 1970, quando os níveis do rio apresentaram tendência ascensional.

As tendências observadas nas bacias do Rio Paraguai também foram verificadas em outros estudos usando séries históricas de vazão durante 1901 a 1995 nos rios: Paraná, Negro e Uruguai, segundo GENTA et al. (1998). Por meio de média móvel, com período de 30 anos, dos valores normalizados de vazão anual, identificou-se decrescimento dessa variável até a década de 40 e, a partir da década de 60, essas vazões aumentaram quase linearmente até o final do período da série histórica.

Os autores constataram, por meio do teste não paramétrico de Wilcoxon, que as médias das vazões anuais até 1940 divergiam das médias a partir de 1970, confirmando que foram dois períodos distintos das vazões desses rios e, dessa forma, do clima na América do Sul.

Os autores realçam que a maior dificuldade para estimar tendências estatísticas dos eventos extremos é a não disponibilidade de longas séries históricas de dados diários com boa qualidade dessas informações, ou seja, contínuas e com poucas falhas. No mundo inteiro, a maioria desses registros iniciaram após a segunda guerra mundial, o que dificultou as observações de variações climáticas ao longo do século XX.

ZUFFO (2004) descreve que, com a impermeabilização da bacia, além do impacto direto no coeficiente de escoamento superficial, há alteração no microclima local. Segundo o autor, a superfície asfaltada apresenta coeficiente de reflexão da radiação direta (albedo) menor, promovendo incremento nas temperaturas locais, o que acelera os mecanismos de formação das chuvas convectivas, que são o tipo predominante nas enchentes urbanas.

Essa conversão da superfície pela urbanização pode apresentar uma mudança climática local, também denominada como “ilha de calor” cujo resultado sobre as chuvas intensas é semelhante ao esperado pelo aquecimento global.

Parágrafo sobre ilhas de calor

O autor, analisando a ocorrência de chuvas intensas da região de Campinas-SP, comprovou que a atual equação de chuva, proposta por VIEIRA (1981), não representa mais a realidade desses eventos extremos. Segundo o autor, a equação original está associada à série

histórica anterior ao acentuado crescimento da Região Metropolitana de Campinas (RMC); portanto, não contemplou as possíveis mudanças climáticas da região.

O autor, observando eventos de chuvas diárias máximas anuais (P1d), constatou que as precipitações acima de 100 mm foram mais frequentes recentemente e que “78% das ocorrências das grandes precipitações ocorreram nos últimos 20 anos...esses valores não existiam na série utilizada por Vieira (1982)”.

GENOVEZ e ZUFFO (2000), fazendo extensa revisão nos métodos de determinação das chuvas intensas no estado de São Paulo, discutem que muitas das equações de chuva disponíveis foram ajustadas para séries históricas anteriores à 1982, sendo que muitos desses períodos analisados foram inferiores a 10 anos.

Conforme os autores, para locais ainda desprovidos de equações de chuva ou com equações desatualizadas, pode-se lançar mão de outras formas de determinação das chuvas intensas, sem grandes prejuízos nas estimativas, desde que se tenham séries históricas pluviométricas ou pluviográficas longas e atuais, por meio de: (i) utilização de coeficientes de correlação entre chuvas intensas de diferentes durações e (ii) uso de equações de chuvas intensas generalizadas.

Embora o efeito estufa potencializado pela atividade humana seja indicado como principal causador do aquecimento global e, consequentemente, das demais mudanças climáticas, há opiniões divergentes sobre a persistência dessas tendências e se as maiores intensidades, tanto de temperatura quanto precipitação, não são variações cíclicas naturais.

SAVENIJE (1995), em sua reflexão, associando o aumento de intensidade e frequência dos eventos extremos (enchentes) com as mudanças climáticas, afirma que tanto os modelos hidrológicos (especialmente os empíricos) como o conhecimento do comportamento hídrico dos rios são baseados em séries históricas consideradas homogêneas ao longo dos tempos. Com a intensificação da atividade humana nas bacias de drenagem dos rios, reduzindo o armazenamento das chuvas em relação ao escoamento direto, séries históricas hidrológicas foram se alterando, apresentando desvios nessa homogeneidade. O autor ainda destaca que, embora os eventos extremos sejam um sinal das mudanças climáticas e hidrológicas já observadas, nossas séries históricas não são extensas o suficiente para identificar alterações severas nos eventos meteorológicos, especialmente as enchentes.

EASTERLING et al. (2000), concordando com o autor anteriormente citado, discute que, em várias regiões do planeta foram observadas variações estatisticamente

significativas dos eventos extremos de temperatura e precipitação diária; porém, essas estimativas se basearam em séries históricas de curta duração.

MOLION (2008) critica a hipótese do aquecimento global intensificado pela atividade humana e afirma que as variações de temperaturas globais entre 1925 e 1946 e entre 1977 e 1998, estão associadas a outras condições físicas externas e internas ao sistema terra– atmosfera-oceano. O autor aponta como condições climáticas que podem estar envolvidas nos ciclos de aquecimento e resfriamento do planeta: (i) efeito das ilhas de calor devido expansão da urbanização das cidades e regiões metropolitanas; (ii) variação cíclica da atividade solar; (iii) variação da frequência de ocorrência de eventos de aquecimento e resfriamento do oceano Pacífico – El Niño (ENOS) e La Niña, que acabam influenciando a baixa troposfera.

Esses eventos apresentam comportamento cíclicos e, embora seus mecanismos físicos não estejam plenamente entendidos, sua amplitude e frequência ultrapassam a longevidade das séries históricas meteorológicas observadas.

O mecanismo indutor do ciclo hidrológico é a energia solar, cuja atividade anual varia de forma cíclica. Conforme MOLION (2005), observações recentes indicam que esta produção de energia está associada à ocorrência às manchas no sol, cujo número e frequência são cíclicos (ciclos solares), que podem ser de uma a algumas décadas, como o de Gleissberg, de aproximadamente 90 anos.

Segundo este autor, os ciclos solares podem ser uma das principais condições externas de controle da variação climática global.

BACK (2001) argumenta que em estudos e projetos hidrológicos que utilizam a teoria da probabilidade em séries climáticas temporais, parte-se da premissa que essas séries são aleatórias e homogêneas e, portanto, a sucessão de valores ocorre de forma aleatória, mantendo constante a média amostral e os parâmetros da distribuição de probabilidade ao longo dos anos.

Nesse contexto, as séries hidrológicas não podem apresentar tendência que, segundo esse autor, são mudanças sistemáticas caracterizadas por suaves acréscimos ou decréscimos nos valores dos parâmetros estatísticos.

Ainda segundo o autor, as variabilidades naturais dos dados meteorológicos, além das oscilações abruptas, se constituem nas maiores dificuldades em se detectar tais tendências estatisticamente significativas.

NAGHETTINI e PINTO (2007) descrevem a maior aplicação dos testes estatísticos não paramétricos em variáveis hidrológicas, visto que esses não assumem previamente que a distribuição de probabilidade das variáveis é normal. Geralmente estas variáveis apresentam forma fortemente assimétrica.

BACK (2001), estudando tendências em séries climáticas de precipitação e temperaturas mensais em Urussanga-SC, confrontou os resultados dos seguintes testes estatísticos: (i) da análise de significância do coeficiente da regressão linear, (ii) Mann-Kendall (MK), (iii) Mudança abrupta de Pettitt (PT) e o (iv) de RUN. O autor indicou a aplicação dos testes de análise da regressão, MK e PT, uma vez que estes apresentaram concordância com os resultados.

PELEGRINO (1995), estudando o comportamento espacial e a evolução temporal das variáveis hidrológicas das sub bacias do Rio Piracicaba, verificou tendência estatística significativa de aumento da precipitação anual nessas bacias, para as séries históricas da década de 30 até 1991.

O autor afirma que a combinação dos testes não paramétricos MK e PT foram eficientes na detecção e avaliação de tendências estatísticas e dos pontos de mudança nas séries históricas anuais, o que é uma vantagem sobre o método da regressão linear.

Esse autor também salienta que “...embora a tendência positiva seja clara e ocorra no período analisado em toda a bacia, não se pode afirmar que ela continue indefinidamente, ... Infelizmente não dispomos ainda de séries seculares suficientes, que nos permitam analisar ciclos com períodos mais longos”.

BLAIN e MORAES (2011), aplicando os testes Mann-Kendall e Pettitt para a 8 séries históricas de máximas pluviométricas anuais diárias (P1d) de Campinas, Cordeirópolis, Jundiaí, Mococa, Monte Alegre do Sul, Pindorama, Ribeirão Preto e Ubatuba, não constataram tendências monótonas temporais durante o período de 1948 a 2007 para sete dessas estações. Somente a série de Pindorama apresentou e confirmou tendência crescente das chuvas máximas.

A inexistência de tendência temporal para Campinas foi confirmada por BLAIN (2011), que avaliou a série longa do IAC de 1890 a 2009 (120 anos), por meio da combinação dos testes não paramétricos de MK, PT e Run.

SANSIGOLO (2008), estudando as funções teóricas de probabilidade para as variáveis meteorológicas de máximas anuais de temperatura, velocidade e precipitação diária,

para a série histórica de Piracicaba, durante 1917 a 2006, também não detectou tendências temporais para a região.

Esses artigos indicam que, embora possa ter ocorrido aumento das precipitações máximas anuais, não há consenso de tendência temporal crescente regional para esta variável.

O trabalho de VICENTE (2004) indica a altura de chuva P1d de 100 mm.dia-1 como um evento extremo de grandes proporções; porém, pelas estimativas de probabilidade apresentadas por BLAIN e MORAES (2011), tal magnitude estaria associada a tempos de retorno inferiores a 10 anos para as regiões estudadas de São Paulo, ou seja, seriam eventos chuvosos frequentes.

As variações pontuais do clima devido expansão urbana são associadas à formação do “fenômeno urbano” das ilhas de calor que, segundo SILVEIRA (1997), provocam incrementos das chuvas regionais, tanto no volume total precipitado quanto na intensidade das máximas.

Por meio de dados pluviográficos de 14 estações instaladas na bacia do arroio Dilúvio em Porto Alegre, durante 1978 a 1982, este autor detectou significativas diferenças das relações duração-intensidade-frequência (IDF) das precipitações máximas, entre a parte urbana e a rural dessa bacia. Nesse trabalho, as precipitações intensas calculadas para a região urbanizada foram superiores às da não urbanizada de, 9 a 26%, para a duração de 30 a 480 minutos, respectivamente.

Segundo o autor, essa maior diferença entre as intensidades das chuvas de 30 minutos (menor duração) se deve ao efeito urbano, visto que é esperado aceleração nos processos de formação de chuvas convectivas em zonas urbanizadas.

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