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1.2 Os Impactos da Liberalização sobre a Indústria de Gás Natural do Reino Unido

CAPÍTULO III – O EXAME DAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS

III. 1.2 Os Impactos da Liberalização sobre a Indústria de Gás Natural do Reino Unido

As reformas que visavam à introdução da concorrência tiveram impacto profundo sobre o funcionamento da indústria de gás natural do Reino Unido. O modelo de organização tradicional do setor foi substituído por um novo que modificou não só a estrutura da indústria, mas também

permitiu a evolução do número de agentes participando no mercado de gás natural38. Esse novo modelo de organização está baseado no livre acesso regulado de terceiros à infra-estrutura, na separação total das atividades, na abertura total do mercado final e numa tarifa de transporte que segue o conceito de entrada/saída39.

É importante ressaltar que, no caso do Reino Unido, a escolha da tarifação do tipo entrada/saída foi muito importante para aumentar a concorrência entre os agentes no mercado de gás natural. A tarifação do tipo entrada/saída não tende só a tornar os custos totais de transporte o mais próximo possível de seus custos associados, mas também facilita a revenda de contratos de serviços de transporte dentro do sistema (Freitas, 2004). Assim, esta forma de tarifação possibilita que um produtor pode vender gás para qualquer consumidor dentro do sistema de transporte da commodity, pagando apenas a tarifa de entrada.

A tarifação entrada/saída cria, portanto, uma commodity homogênea que pode ser comercializada em termos equivalentes por todos os usuários do sistema, incentivando o surgimento do mercado secundário (Freitas, 2004). O surgimento do mercado de secundário é também facilitado pela existência do baixo custo de transação na revenda de contratos de capacidade no sistema.

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Atualmente, a indústria de gás natural do Reino Unido conta com a presença de 112 fornecedores e 20 comercializadores.

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A tarifação do tipo entrada/saída estabelece uma taxação no ponto de injeção (entrada) e no ponto de retirada (saída) do gás no sistema de gasodutos do país.

A liberalização também teve conseqüências sobre o armazenamento. Mcdaniel e Neuhoff (2002) apontam que a elevada capacidade de swing40 dos produtores no passado limitou o desenvolvimento de novos locais de armazenamento no Reino Unido. Porém, o aumento da produção e do consumo depois da introdução da concorrência alterou essa situação. Houve um aumento da capacidade de armazenamento. Atualmente, o país conta com nove locais de armazenamento de gás (incluindo as cinco unidades de GNL) que têm uma capacidade diária de 138,4 milhões de metros cúbicos, como pode ser visto no Quadro 1 abaixo (IEA, 2002).

Quadro 1 – Armazenamento de Gás Natural no Reino Unido

Nome Tipo Operador/ Quantidade Capacidade operacional (mmc) Capacidade de Pico (mmc/dia)

Hornsea Caverna de sal Dynegy 325 18,2

5 GNL Peak Shaving Peak Shaving Transco 374 75

Rough

Campo de gás

esgotado Dynegy 2.800 42

Hatfield Moors Caverna de sal Scottish Power 116 1,7

Holehouse Farm Caverna de sal Aquila 12 1,5

Total 5 3.627 138,4

Fonte: IEA, 2002

Outro aspecto importante foi a decisão de separar a atividade de armazenamento do segmento de transporte em 1997. A separação foi vista como um dos pontos fundamentais para aumentar efetivamente a competição na indústria. Foi criada a BG Storage, empresa que até a sua venda em 2001 manteve o controle da maioria dos locais de armazenamento de gás no país (IEA, 2002).

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Swing é utilizado como um indicador que mede a flexibilidade na indústria de gás natural e pode ser calculado dividindo

a capacidade máxima de gás fornecido durante um determinado período (geralmente um mês) pela sua média. Quanto maior o resultado, maior será o swing, indicando a existência de alta flexibilidade na indústria de gás natural.

As reformas da liberalização também tiveram conseqüências sobre o consumo de gás no mercado final. Houve uma elevação do consumo total de gás como pode ser observado a partir da Tabela 1 no capítulo anterior. O consumo total de gás que em 1986 (ano da implementação das reformas) representava 57,18 bcm aumentou para 87,6 bcm em 1996. A elevação do nível de consumo no Reino Unido se deve, fundamentalmente, ao aumento do consumo de gás dos setores residencial, comercial e de geração de energia elétrica, como pode ser visto no Gráfico 6.

Gráfico 6 – Consumo de Gás por Setor do Reino Unido Antes e Depois da Reforma

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%

Residencial Industrial Comercial Geração

eletrica

Outros 1973 1996

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IEA

Note que enquanto a participação do setor de geração elétrica antes da reforma em 1973 representava 19,75% do consumo total de gás, verifica-se um salto dessa participação depois da reforma em 1996 para 21,17%.

É importante ainda mencionar que, apesar da elevação do volume de gás consumido pelo setor de geração elétrica, ainda existe uma capacidade excedente de geração elétrica relativamente grande (entre 15 e 22 GW) no Reino Unido. Almeida (2005) aponta que é possível

interromper uma capacidade de 16 GW de geração elétrica sem comprometer a segurança do sistema. Esse elevado grau de capacidade ociosa no mercado facilita a comercialização de contratos interruptíveis41 e viabiliza a possibilidade de maior flexibilidade na indústria.

Por fim, destaca-se que a liberalização também teve impacto sobre as transações na indústria de gás natural do Reino Unido. As reformas implementadas, conjugada às características específicas da indústria, viabilizaram o desenvolvimento de mercados spot no NBP. O NBP é um centro de comercialização virtual ou hub virtual, no qual as transações são permitidas entre os agentes que já possuem contratos de venda de gás ou de capacidade de transporte, como já foi mencionado no capítulo anterior (IEA, 2002).

Uma análise das transações no NBP demonstra a presença de baixo custo de transação. Esse baixo custo de transação foi viabilizado pela (i) redução da especificidade dos ativos; (ii) diminuição da interdependência entre os agentes e no sistema; (iii) existência de um grande número de agentes interessados em comercializar contratos de gás e de serviços de transporte no NBP; (iv) adoção de um tipo de tarifação que segue o conceito de entrada/saída; (v) acesso mais fácil à informação devido à centralização das transações no NBP e a implantação de um sistema elétrico de comercialização; (vi) padronização de contratos de gás e de serviços de transporte.

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A parcela de venda de gás sob a forma de contratos interruptíveis representou 26% do total de gás vendido no mercado no ano de 2000 (Almeida, 2005).