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Capítulo 2: Política de Cotas

2.2 Implementação das Cotas

O GEEMA da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) tem desenvolvido levantamentos acerca da evolução da Lei nº 12.711/2012 nas universidades federais. O último deles, realizado por Eurístenes, Feres Júnior e Campos (2016) reuniu dados de 2016 comparando-os com os coletados antes e/ou após a promulgação da Lei de Cotas em 2012, 2013, 2014 e 2015. De acordo com os autores, nestas comparações é possível observar que o principal impacto desta Lei foi o aumento do número de universidades federais que

implantaram programas de ações afirmativas. Antes dela, apenas 69% das universidades federais contavam com políticas dessa natureza. Conforme figura 3, entre 2004 e 2007 o ritmo de adesão às políticas de ações afirmativas foi relativamente constante, havendo em 2008 um incremento no número de implementações devido ao Reuni, que logo em seguida reduziu-se. Em 2012, com a obrigatoriedade determinada pela lei, todas as universidades federais passaram a adotá-las.

Figura 3. Adesão das universidades federais às ações afirmativas por ano. Fonte: Eurístenes, Feres Júnior e Campos (2016).

Da mesma forma, como apresentado na figura 4, até a aprovação da lei, as ações afirmativas desenvolvidas pelas universidades baseavam-se em critérios diversos, existindo a reserva de vagas disponibilizadas ou de vagas adicionais, processos seletivos especiais ou bônus acrescidos às notas alcançadas. Neste período, ou seja, em 2012, das 58 universidades federais existentes 32 trabalhavam com cotas, 12 determinaram o acréscimo de vagas e 11 ofereciam bonificação no vestibular, a partir de combinações diversas entre os procedimentos, bem como, 18 delas não ofereciam nenhum sistema de políticas afirmativas. Como apresentado por Daflon, Feres Júnior e Campos (2013), alguns tipos de critérios, como as bonificações, podem não ser

2 5 4 4 5 12 6 2 0 2 18 3 0 0 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

muito efetivos provocando apenas pequenas mudanças no perfil dos estudantes, o que pode demonstrar, neste período, resistência das instituições às ações afirmativas na medida em que, apesar de atenderem às pressões sociais adotando-as, implementaram um sistema que não alterava de forma efetiva as suas dinâmicas educacionais.

Já em 2016 pôde-se observar uma maior homogeneização dos procedimentos, havendo predomínio das cotas, apesar dos outros sistemas não terem sido totalmente abandonados (Eurístenes, Feres Júnior & Campos, 2016). Tal homogeneização tem possibilitado então que aquele sistema, que parece ser mais efetivo, seja adotado de forma mais consistente.

Figura 4. Número de universidades de acordo com o tipo de ação afirmativa

adotada nos anos de 2012 e 2016.

Fonte: Eurístenes, Feres Júnior e Campos (2016).

No que concerne a porcentagem de vagas reservadas nas instituições, como já tratado, a lei de cotas determinou o ano de 2016 como prazo máximo para a reserva de 50% das vagas. E o levantamento mais recente demonstrou que neste ano apenas uma universidade de acordo com os dados coletados, a Universidade Federal de Ouro Preto, não seguia a legislação. Os autores mencionaram que a razão para isto era desconhecida e ressaltaram que entre as

32 12 11 18 63 10 10 0

Cota Acréscimo de Vagas Bônus Nenhum

instituições restantes, três delas reservaram mais de 60% das vagas, bem mais do que os 50% estipulados por lei. No levantamento realizado no ano anterior, em 2015, tinham observado que 68,25% das IFES tinham adotado no mínimo a porcentagem instituída pela lei, o que foi considerado por Eurístenes, Feres Júnior e Campos (2016) um indício de que as metas determinadas estavam sendo implementadas com sucesso e pontualidade, sem resistências ou problemas explícitos. No entanto, é possível que as vagas sejam disponibilizadas, mas a permanência na universidade seja precária para os alunos que tem acesso as cotas, o que poderia levar inclusive ao questionamento do “sucesso” das ações.

Em relação aos grupos que acessam as ações afirmativas, como mostram os dados das figuras 5 e 6, observa-se que em 2012 um maior número deles foi contemplado, havendo predomínio de ações implantadas para alunos egressos de escolas públicas que foram adotadas por 37 universidades federais, seguidos pelos candidatos pretos e pardos contemplados por sistemas de 21 universidades. Já em 2016, o efeito homogeneizador da lei de cotas é observado nos dados que mostram todas as universidades federais oferecendo políticas de ações afirmativas para os grupos estabelecidos naquela, pretos e pardos, indígenas, baixa renda e oriundos de escolas públicas. Além disso, como ressaltado por Eurístenes, Feres Júnior e Campos (2016), a preocupação de que outros grupos como pessoas com deficiência e quilombolas, não contemplados pela lei promulgada em 2012, fossem prejudicados, não se concretizou.

Figura 5. Número de universidades a adotar ações afirmativas para cada um

dos grupos beneficiários, antes da lei de cotas, em 2012. Fonte: Eurístenes, Feres Júnior e Campos (2016).

Figura 6. Número de universidades a adotar ações afirmativas para cada

um dos grupos beneficiários em 2015. Fonte: Eurístenes, Feres Júnior e Campos (2016).

O levantamento apresentado trouxe ainda dados relacionados ao percentual médio de vagas reservadas de acordo com o Índice Geral de Cursos - IGC das universidades. Conforme dados apresentados na figura 7 foi verificado que as universidades com índice 5, em todos os

1 1 2 2 5 4 19 21 37 Mulher Negra Quilombola Professor da rede pública Licenciatura Indígena Zona rural/Campo Pessoa com deficiência Indígena Preto e Pardo Escola Pública 1 2 4 6 22 63 63 63 63 Refugiados Professor da rede pública Zona rural/Campo Quilombola Pessoa com deficiência Indígena Preto e Pardo Escola pública Baixa renda

anos, reservaram um percentual inferior de vagas em relação aquelas com índice 4, por exemplo, com exceção do ano de 2016.

Figura 7. Percentual médio de vagas reservadas de acordo com o ICG

nos anos de 2012, 2013, 2015 e 2016. Fonte: Eurístenes, Feres Júnior e Campos (2016).

O IGC tem sido utilizado para elaboração de rankings que apresentam o prestígio e a qualidade das universidades brasileiras, neste sentido tais dados podem demonstrar a dificuldade daquelas mais bem avaliadas na aceitação e adesão às cotas, provavelmente devido a crença de que os alunos cotistas vão diminuir o desempenho geral dos cursos, o que interferirá negativamente na dinâmica institucional, que pautada na lógica de mercado e critérios de eficiência, possui o desempenho e qualidade da instituição vinculado aos recursos recebidos. No entanto, Silva (2016) demonstrou em seu estudo que a adoção das políticas afirmativas não se relacionou à diminuição no desempenho geral da universidade pesquisada.

Neste contexto, observa-se que as políticas da educação superior apresentam contradições e algumas delas acabam contribuindo para a resistência da comunidade acadêmica acerca das cotas. Tal resistência pôde ser percebida em diversos aspectos do levantamento, como na adesão inicial, antes da lei, à tipos de instrumentos de ações afirmativas que não

9,1% 24,5% 18,3% 25,3% 32,2% 27% 44,9% 49,1% 43,7% 53,4% 51,7% 55,3%

Conceito 3 Conceito 4 Conceito 5

contribuíam para a inclusão efetiva da população historicamente excluída; na implementação de ações dessa natureza em 31% das universidades apenas após a obrigatoriedade determinada pela lei; ou no menor percentual de reserva de vagas pelas universidades mais bem conceituadas, bem como menor incremento nessa reserva no decorrer dos anos em relação às universidades que possuem IGC menores.

Vale ressaltar que os dados apresentados constantes no levantamento do GEEMA foram baseados na análise dos documentos disponibilizados pelas universidades, como editais, resoluções universitárias, termos de adesão ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e manuais de candidatos, caracterizando, portanto, a oferta formal de vagas. Neste quesito observa-se grande avanço nas universidades federais, sendo de extrema importância, como apontado por Oliveira e Costa (2015), a reflexão para além do quantitativo de vagas disponibilizadas, visto que a aplicação da lei ocorre muitas vezes de forma precária, sem a devida atenção/preocupação com o público alvo. Analisar como a lei tem sido implementada e quais os efeitos práticos na dinâmica universitária, na qual ainda se observa a lógica do racismo e da exclusão social, pensando em políticas de apoio, acompanhamento e assistência estudantil para os cotistas concluírem com sucesso as trajetórias acadêmicas, têm se mostrado atualmente o maior desafio. Apesar de no texto da Lei de Cotas ser previsto o acompanhamento e avaliação do programa de que trata a Lei, de acordo com Oliveira e Costa (2015) somente dois anos após a aprovação deste dispositivo, foi lançada portaria ministerial nomeando os membros da Comissão Consultiva da Sociedade Civil sobre a Política de Reserva de Vagas nas IFES. Já Eurístenes, Feres Júnior e Campos (2016) ressaltam que os esforços para a criação da comissão de avaliação não avançaram e naquele ano ainda não existiam mecanismos confiáveis de avaliação.

Já em relação às iniciativas individuais das instituições para avaliação e acompanhamento da política, as vinculadas ao Observatório de Políticas de Ação Afirmativa

do Sudeste (OPAAS) por exemplo, a saber: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a Universidade Federal de Ouro Preto, a Universidade Federal do Espírito Santo, a Universidade Federal de São Carlos unidade de Sorocaba e a Universidade Federal de Minas Gerais, após 3 anos da implementação da lei de cotas, não haviam instituído ainda nenhum programa deste tipo, com exceção de uma delas. Deixou-se assim a responsabilidade a cargo das Pró-reitorias de graduação, o que de acordo com Oliveira e Costa (2015) mostra a resistência da estrutura universitária à esta política.

Brito, Amorim, Santos & Mongim (2015) apresentam que a condição de ingressante na universidade como cotista perpassa inúmeros constrangimentos, principalmente nos cursos mais valorizados socialmente, sendo desenvolvido por alguns discentes estratégias de invisibilidade da condição de cotista. Analisando o curso de medicina, encontraram que em geral os estudantes sabem quem são os alunos que ingressaram na universidade através de cotas, havendo inclusive controle do rendimento acadêmico destes, já que muitas vezes são julgados como incapazes e responsáveis pela diminuição do nível do curso. Acrescido a isso observa-se dificuldades de ordem financeira para os cotistas oriundos de famílias de baixa renda, o que evidência que o processo de inclusão da população historicamente excluída na universidade deve abarcar não somente o ingresso, mas a garantia de qualidade do ensino, permanência e conclusão do curso superior.