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IMPLICAÇÕES ACADÊMICAS: CONTRIBUIÇÕES AO MODELO DE McCRACKEN (1986)

No documento O significado de consumo da água engarrafada (páginas 136-139)

Prática História

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

7.1 IMPLICAÇÕES ACADÊMICAS: CONTRIBUIÇÕES AO MODELO DE McCRACKEN (1986)

Por meio da análise das propagandas de água engarrafada, notei o argumento de McCracken (1986) de que o anúncio é composto pelo bem de consumo e por uma representação do significado oriunda do mundo culturalmente constituído. Para fins de exemplo, considerei o anúncio da água Ouro Fino que sugere o uso da água para limpeza da pele (Figura 52). Nesta propaganda, identificamos o bem de consumo (a água) e o significado associado a ela (a estética, o cuidado com a pele). Ao receber esta mensagem, o espectador irá identificar a água (que é um produto que ele conhece) e vai perceber o significado da estética (que é um significado que ele conhece do mundo culturalmente constituído, mas não o associa à água). Assim, esta propaganda exercerá o papel de unir estes dois elementos e fazer com que o espectador associe a estética com a água de garrafa, de modo que nas próximas vezes que ele receber este tipo de mensagem, a associação será automática sem necessidade de grandes esforços cognitivos para isso.

Figura 52: A extensão das propriedades do mundo para os bens de consumo

Fonte: elaborado pela pesquisadora

McCracken (1986) utiliza o termo “transferência” para explicar esta associação entre bem e significado mediada pela propaganda. Para o autor, as propriedades conhecidas no mundo culturalmente constituído (neste exemplo, a estética) são

Significado

de Estética

Bem de consumo Significado

transferidas ao bem de consumo (neste caso, a água), de modo que o espectador passe a reconhecê-las no produto.

No entanto, ao ser apresentado em uma propaganda, o significado do mundo culturalmente constituído não se torna uma exclusividade do bem que está sendo anunciado. Neste exemplo, o significado de estética foi associado à água, mas isso não significa que em outras propagandas não possa ser associado a cosméticos ou produtos de beleza em geral. Assim, o significado não sai do mundo culturalmente constituído e é transferido ao bem: ele existe, ao mesmo tempo, nos dois lugares. Portanto, a exemplo de outros autores que estudam significados de consumo (AHUVIA, 2005; TIAN; BELK, 2005) considero mais adequada a utilização do termo “extensão” para denominar a movimentação do significado no modelo de McCracken (1986). No início de seu artigo, McCracken (1986) menciona que os significados possuem a característica da mobilidade e que têm a capacidade de localizar-se em três locais (mundo, bens e consumidores). Entretanto, não é possível que o significado exista em três locais ao mesmo tempo se ele for transferido de um local para outro. Neste sentido, a minha contribuição centra-se na adequação terminológica, que também pode ser aplicada aos agentes mediadores desse processo (propaganda, sistema da moda e rituais), que poderiam ser denominados “instrumentos de extensão”.

Além disso, o meu estudo contemplou a análise de dois elementos do modelo de McCracken (1986): a propaganda e os consumidores. Por meio da análise das propagandas, constatei o primeiro movimento dos significados apontado pelo autor, ou seja, a extensão dos significados presentes no mundo culturalmente constituído aos bens de consumo. Assim, o bem de consumo (no caso, a água) carrega significados associados a ele por meio da propaganda (como estética, esportes e crianças).

No entanto, ao analisar os consumidores, não constatei o movimento dos significados em uma linha vertical, de cima para baixo, conforme apontado no modelo de McCracken (1986). As construções simbólicas identificadas neste estudo existem tanto no bem de consumo (água) quanto nos consumidores, porém não necessariamente tenham se originado no mundo culturalmente constituído.

O consumidor pode assumir papel ativo neste processo, podendo adquirir o hábito de beber água durante a prática de esportes e esse costume pode ser transmitido de um indivíduo para o outro até que se construa o significado da água associado aos esportes. De modo semelhante, o consumidor pode criar o hábito de beber água durante as refeições e influenciar as pessoas do seu convívio até que o significado de refeições

seja construído. O mesmo pode ocorrer com o significado de eventos especiais relacionado à água com gás. Após observar pessoas do seu convívio bebendo água com gás nestas ocasiões, o consumidor pode adquirir este hábito e construir este significado. A questão da preservação ambiental pode ser facilmente inserida neste contexto. Até pouco tempo atrás, não se falava em impactos ambientais, em empresas ecologicamente responsáveis e em desenvolvimento sustentável. Este significado pode ter sido criado pelos consumidores, que passaram a preocupar-se com estas questões.

Além de receber influência de outros consumidores, o indivíduo pode sofrer pressões de pessoas que detêm o poder do talento, como médicos, biólogos, educadores físicos, psicólogos, etc. Assim, quando os dermatologistas mencionam que a água traz benefícios para a pele, quando os obstetras alertam que as gestantes devem ingerir água, quando os pediatras indicam o consumo da água às crianças ou mesmo quando outros médicos especialistas apontam a água como um componente de determinado tratamento, eles estão construindo significados para a água e estão estimulando os consumidores a beber água visando alcançar benefícios. Os educadores físicos podem exercer influência quanto ao consumo da água durante a prática de esportes, os psicólogos podem indicar o contato com a água para reduzir o estresse e os biólogos podem alertar quanto aos danos causados ao meio ambiente.

Todos esses profissionais, que também são consumidores, podem exercer a função de construir significados que não obrigatoriamente pré-existam no mundo culturalmente constituído. Desta forma, após a criação dos significados pelos consumidores, as propagandas irão responder a isso por meio do desenvolvimento de produtos ou da adequação de produtos já existentes que atendam às expectativas dos consumidores. Portanto, corroborando com o modelo de Hirschman, Scott e Wells (1998), as práticas vivenciadas no cotidiano pelos consumidores e as ações de marketing estabelecem uma relação recíproca, podendo ambos construir significados, recebê-los e responder aos estímulos provocados pelo outro.

Minha segunda contribuição ao modelo de McCracken (1986) sintetiza-se pela ideia de que o consumidor não é um receptor de significados, podendo participar de forma ativa na sua construção. E a propaganda não é apenas um instrumento de extensão de significados. Confirmando a reflexão de Mick e Buhl (1992), a propaganda compõe a bagagem de conhecimento de cada indivíduo, sendo incorporada às experiências de vida de cada consumidor e influenciando a receptividade de anúncios

futuros. A Figura 53 ilustra as minhas contribuições e adequações ao modelo de McCracken (1986).

Localização dos significados

Instrumentos de extensão dos significados

Figura 53: Adequações ao modelo de McCracken

Fonte: elaborado pela pesquisadora

No documento O significado de consumo da água engarrafada (páginas 136-139)