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Implicações das relações contemporâneas para a formação do conceito de

A sociedade atual passa por um processo sucessivo de aceleração do tempo e encurtamento das distancias, discutido por pensadores do contexto contemporâneo de consumo como Harvey (2007), Bauman (1999) e Giddens (1991). Essa aceleração do tempo e compressão do espaço decorre tanto de avanços tecnológicos nos meios de produção como nas tecnologias da informação e comunicação (TICs), rompendo padrões econômicos, sociais e culturais, e implicando em uma nova dinâmica de relações, tanto no plano individual e social, quanto no relacionamento entre as organizações e seus públicos. Não só pela velocidade, mas especialmente pela profundidade e amplitude de tais mudanças, elas marcam um novo momento histórico de desenvolvimento, assinalado pela flexibilidade, efemeridade, conflito entre o local e o global, individualismo, destaque do âmbito privado sob o público, entre outros elementos (HARVEY, 2007; BAUMAN, 1999; GIDDENS, 1991).

O mundo tornou-se interconectado, as relações tornaram-se efêmeras, tanto no nível interpessoal quanto em relação ao consumo, que passou a representar um novo papel na vida dos indivíduos e a refletir essa aceleração também no ritmo da criação e substituições de produtos. Se o tempo-espaço é comprimido no contexto contemporâneo (HARVEY, 2007), os produtos e serviços devem responder a esta compressão e serem reinventados em tempos cada vez menores, aplacando a necessidade pelo novo dos consumidores contemporâneos, e fazendo girar a engrenagem de uma sociedade cuja evolução se dá pelo consumo.

Essas mudanças na dinâmica da vida social impactaram também na maneira como o sujeito se enxerga, se insere e se relaciona socialmente. Esse

processo amplo de transformações tem seus reflexos no processo de formação de identidades, levando à chamada “crise de identidade do sujeito”, ancorada no deslocamento das estruturas centrais das sociedades modernas e no abalo dos quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social (HALL, 2006). O indivíduo, até então visto como um sujeito unificado, é confrontado por uma multiplicidade de identidades, tornando-se fragmentado, descentrado tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmo. Destaca-se então o caráter não permanente, descentrado e multifacetado das novas identidades em formação, segundo Hall:

a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente (HALL, 2006, p. 13).

O espaço pode agora ser cruzado e vencido pela tecnologia e as relações podem ocorrer deslocadas do lugar do sujeito (GIDDENS, 1991). A desconexão do sujeito com seu lugar fixo no espaço torna sua concepção de pertencimento mais enfraquecida e difusa, abalando sua noção de identidade. Essa tensão entre o "local" - onde se encontra o vínculo a lugares, eventos, símbolos, histórias particulares, e o "global"- com sua diversidade de possibilidades, apresenta ao individuo uma série de diferentes identidades, fazendo parecer ser uma questão de escolha a opção entre elas. Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global, de lugares, estilos e imagens compartilhadas e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas de suas raízes e tradições específicas, sendo deslocadas e desfragmentadas (HALL, 2006). Para Canclini (2006), o consumo de imagens e referências globais não ligadas ao universo simbólico local leva a reordenação de hábitos culturais com códigos internacionais de elaboração simbólica. Nesse processo, há uma mudança nos referenciais, pois essa universalização transforma não só a forma

de consumir cultura, mas, especialmente, o imaginário dos cidadãos; a maneira com que o indivíduo se reconhece como parte de uma nação e de uma cultura. Assim, o exercício da cidadania perpassa também por essas transformações e construções simbólicas (CANCLINI, 2006).

Com vistas nesses pensamentos, entende-se como o processo de identificação dos sujeitos com valores, produtos e organizações tornou-se mais complexo, alterando também as formas com que ele estabelece todos os seus relacionamentos, desde o plano particular até sua relação com bens e serviços. Ao multiplicarem-se exponencialmente as possibilidades de conexão e identificação, o individuo se depara com um universo amplo de possibilidades, podendo em um momento identificar-se com certos símbolos, e em outro reavaliar essa postura, graças às novas significações que passa a assumir com o contínuo processo de construção/ reconstrução de significados em sua vida cotidiana.

Os efeitos da globalização e das novas tecnologias da comunicação trouxeram igualmente uma nova perspectiva para indivíduo em suas relações comunicativas estabelecidas nas mídias digitais e redes sociais. O inédito poder atribuído ao indivíduo na chamada sociedade em rede (CASTELLS,1999), com a subversão da relação entre emissor e receptor e a possibilidade de fazer-se ouvir na rede, altera as relações de poder em nossa sociedade. Hoje qualquer pessoa pode gerar conteúdos, interagir e se conectar com outros interlocutores de qualquer parte do planeta, emergindo daí um novo modelo de comunicação, mais aberta, ativa e participativa.

Sobre essa nova dinâmica cultural, encontramos no pensamento de Henry Jenkins a discussão sobre a nova cultura participativa, na qual não se pode mais separar o papel de produtores e consumidores de mídia, sendo ambos participantes desse processo cujas regras nenhum dos atores ainda entende por completo (JENKINS, 2009).

A interatividade e a conexão on-line trouxeram um novo tipo de comunicação e uma nova cultura, uma vez que é por meio da comunicação que a vida em sociedade se realiza, constituindo o sistema de valores e de símbolos compartilhados. Em oposição à passividade dos espectadores dos meios de comunicação nas noções mais antigas, a circulação de conteúdos depende agora da participação ativa dos consumidores, materializada por meio de diferentes sistemas midiáticos. O entendimento da convergência midiática, como processo tecnológico que une múltiplas funções dentro dos mesmos aparelhos, é bastante ampliado por Jenkins, que interpreta a convergência como uma transformação cultural, na medida em que consumidores são incentivados a procurar novas informações e a fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos. Para o autor, a convergência “não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros” (JENKINS, 2009, p. 30).

O paradigma emergente da convergência prevê que novas e antigas mídias irão interagir de maneiras cada vez mais complexas, pois envolve uma transformação tanto na forma de produzir quanto na forma de consumir os meios de comunicação. A produção coletiva de significados que se inicia em nossas relações com a cultura popular, tem implicações no modo como aprendemos, trabalhamos, participamos do processo político e nos conectamos com pessoas de outras partes do mundo. Ele modifica as formas do sujeito se relacionar com o mundo e, com isso, começa a transformar o funcionamento de diversos setores e instituições, como as religiões, a educação, o direito, a política, a publicidade (JENKINS, 2009).

A revolução trazida pelas TICs e pela convergência midiática ocorre, portanto, no âmbito dos comportamentos individuais, sendo uma alteração cultural, mediada e materializada pela tecnologia, mas não produto direto da simples adoção tecnológica. Em outras palavras, a tecnologia fornece as ferramentas para uma nova cultura, mas a transformação só ocorre de fato quando novos

comportamentos são adotados, quando os indivíduos desenvolvem novos modos de relacionamento e de inserção social, alterando as estruturas da sociedade. Como afirma Jenkins (2009), a convergência é um processo e não um ponto final, é o ponto de partida para várias transformações culturais e midiáticas. Assim, vivemos hoje na convergência midiática, mas ainda não dominamos as suas formas de expressão. Estamos em um caminho de uma cultura mais participativa, mas ainda não compreendemos bem as condições para essa participação.

A convergência midiática das novas tecnologias transforma as experiências humanas de percepção e criação simbólica, reverberando em toda estrutura social. Nesse cenário, a discussão e a evolução do entendimento sobre a sustentabilidade também ganha novos contornos. A construção de sua simbologia pode ser potencializada pelo caráter expansivo, abrangente e veloz da comunicação em rede. O que pode ocorrer independente de sua adoção por fontes tradicionais de divulgação de massa, como os grandes conglomerados midiáticos, ou a publicidade das empresas, podendo surgir da própria população conectada em rede. A possibilidade de fazer circular novas ideias, valores e conceitos capazes de questionar os comportamentos de consumo atuais, por exemplo, abre uma gama de cenários. A força multiplicadora da internet permite que novos significados que já se delineiam em redes específicas possam ser compartilhados, discutidos e até ressignificados para uma série de outras redes de indivíduos.

São, portanto, novas tendências e arranjos possíveis. Com esses novos papéis dos sujeitos e consumidores conectados em rede, a conjuntura que se esboça para o relacionamento entre os próprios sujeitos e entre eles e as organizações assume também uma nova perspectiva. E a sustentabilidade deverá ser construída a partir dessa intrincada rede de troca de informações e influências, desse diálogo social que irá ocorrer entre as empresas, instituições e grupos sociais diversos.

Essa nova configuração representa um enorme desafio para as empresas, que precisarão entender essa dinâmica e buscar construir as significações simbólicas a ela adequadas. Pensar sobre o atual panorama social para a atuação das organizações, o papel da comunicação organizacional nesse contexto e suas inter-relações com a sustentabilidade é o que se propõe no capítulo a seguir.

Capítulo 3

ORGANIZAÇÕES E COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

O contexto para a atuação das organizações foi bastante alterado nas últimas décadas. Elas são cada vez mais cobradas a assumir a responsabilidade sobre os impactos de suas atividades e a exercer o papel de corresponsáveis pelo desenvolvimento e bem-estar da sociedade na qual operam. Tais alterações modificam fortemente a maneira como elas devem se posicionar e estabelecer os relacionamentos com os seus mais diversos públicos, transformando o pensar e o fazer da comunicação organizacional. Esse novo cenário é mais um dos elementos de destaque para o entendimento de como a sustentabilidade é inserida no ambiente corporativo, e será o foco da discussão a seguir.