• Nenhum resultado encontrado

3. INSTRUMENTAL ANALÍTICO

3.1. TEORIA DAS FINANÇAS PÚBLICAS

4.2.5. Implicações das Relações Intergovernamentais

A dinâmica das relações empreendidas entre os entes governamentais tem como pano de fundo as regras maiores do país, a Constituição, que representa o ponto de partida para o jogo federativo. As implicações desta dinâmica encontram-se diretamente relacionadas ao modelo de comportamento adotado pelas esferas de governo, ou seja, de seus jogadores. Assim, as estratégias de atuação adotadas por cada unidade federativa vão derivar do tipo de jogo realizado – cooperativo ou não cooperativo, da compreensão da posição adotada por seus participantes e de suas respectivas reputações. Além destes atributos, faz-se necessário destacar a influência dos fatores históricos e, sobretudo, a assimetria de recursos entre os jogadores.

Convém destacar que a forma pela qual se dá o empreendimento destas relações é determinada por seu contexto espacial. Têm-se, assim, duas dimensões distintas: vertical e horizontal. Na primeira, a relação encontra-se situada entre as esferas de diferentes níveis; enquanto que, na segunda, a relação estabelecida localiza-se nas esferas de mesmo nível de diferentes regiões. Isto pode ser visualizado melhor na figura abaixo:

Figura 01 – Dimensão espacial das relações intergovernamentais

Dimensão Horizontal

Legenda: E: Estados M: Municípios Dimensão Vertical

A adoção do comportamento entre as esferas governamentais, nas duas dimensões espaciais, pode se apresentar sob duas formas: cooperação ou competição. Na primeira forma de conduta, tem-se um maior estreitamento das relações entre as unidades governamentais. Isto é justificado pelo reconhecimento de que a capacidade de execução apresenta-se distribuída de modo desigual, o que promove o desempenho positivo na prestação de serviços a sociedade.

Este tipo de comportamento pode se dar de diversas formas, entre elas: a colaboração na prestação de serviços públicos (por meio da prestação direta destes serviços; da complementação de recursos humanos, materiais e financeiros; e da criação de consórcios e convênios); a assistência técnica (consultas, treinamento e estágios, bolsas de estudo, programas de informações e intercâmbio, elaboração de projetos); e a transferência financeira, efetivada por meio de mecanismos constitucionais.

O segundo tipo de comportamento – a competição, conduta que será examinada com maior rigor por este estudo -, é percebida como forma de controle mútuo entre os níveis de governo, de modo a induzir inovações. Entretanto, esta tem por tendência ignorar a possibilidade de todas as esferas ganharem simultaneamente, devido ao surgimento de conflitos, que tem por conseqüência a vitória de uma das partes sobre outras. Isto é testemunhado pela multiplicação de municípios e pela guerra fiscal.

Faz-se necessário destacar os efeitos destes dois comportamentos frente a sociedade, podendo resultar tanto em externalidades positivas quanto negativas. Isto dependerá do modo pelas quais se dão as interações entre as esferas, principalmente das características do sistema de governo.

Na presença de um modelo comportamental cooperativo, tem-se a existência de uma externalidade positiva, que pode conduzir a uma sobreposição de bens e serviços desejáveis, de modo que os benefícios possam ser usufruídos por todos, mesmo por aqueles que não pagaram por isto. Neste contexto, a probabilidade de se presenciar o comportamento oportunista por alguns indivíduos e/ou grupos de interesse é elevado, dado pela ausência de revelação das preferências. Daí a necessidade das competências das esferas governamentais estarem bem definidas, de modo a evitar um relacionamento intergovernamental que resulte “mais numa dependência e de uma irresponsabilização

perante as políticas públicas”, conforme os argumentos de Dye (In: ABRUCIO, 2000,

p.50).

O modelo comportamental competitivo, por outro lado, é percebido por Dye (In: ABRUCIO, 2000) como uma forma de proteção contra os abusos do governo. Neste contexto, ele argumenta que a centralização e a ausência de competição passam a ser percebidas como obstáculos ao controle do poder. Assim, o grande invento do federalismo, conforme seu julgamento, encontra-se na criação do “antídoto para o monopólio do poder

político, do qual resultaria a tirania, especialmente a do Governo Central” (DYE In:

ABRUCIO, 2000, p.51).

A conduta competitiva entre as esferas governamentais tem por finalidade a ampliação do nível de respostas dos governos, no que se refere a satisfação dos cidadãos com políticas públicas de melhor qualidade. Neste contexto, o cidadão é visualizado como consumidor dos serviços do governo, possuindo maior grau de liberdade quanto às suas escolhas na presença de um ambiente competitivo entre os entes federativos, em função da amplitude de alternativas que se faz presente.

Seguindo as premissas do modelo, os indivíduos têm muito mais chances de alcançar a satisfação quando há um sistema de múltiplos governos competindo entre si do que em uma situação de monopólio governamental na oferta de serviços públicos, mesmo que isso ocorra num contexto democrático (DYE In: ABRUCIO, 2000, p.51).

A informação, nesta conjuntura, reveste-se de importância, devido ao fato desta apresentar-se como elemento chave na definição de preferências de seus cidadãos- consumidores. Para que o modelo competitivo se torne efetivo, faz-se premente o fortalecimento os sistemas de accountability, o que torna os processos realizados mais transparentes, minimizando o grau de assimetria de informações33.

Abrucio (2000), Monteiro (1987) e Wiseman (1990) colocam em evidência os mecanismos de reação dos indivíduos às organizações as quais se encontram vinculados, notabilizado pelos estudos de Hirschman. Neste sentido, o aspecto referente as informações encontram-se diretamente relacionadas ao mecanismo de respostas adotadas pelos cidadãos, podendo se apresentar sob duas formas: exit ou voice. De acordo com

Hirschman34 (1973), esta categorização apesar de sua aparência contrastante, não se apresenta de forma mutuamente exclusiva, isto é, há possibilidade de haver uma combinação entre estas duas opções.

Na primeira forma, a opção de saída é utilizada quando, em situações de insatisfação, há uma mudança dos indivíduos para outra organização. No caso estudado, a compreensão desta escolha se dá perante a mudança de empresários, trabalhadores e consumidores de serviços públicos para outras unidades federativas que apresentem maiores benefícios.

A percepção do segundo mecanismo de atuação – a voz -, dá-se pela atuação destes atores no papel de eleitores. Na existência de um ambiente competitivo, tem-se o conhecimento a respeito dos serviços públicos, resultando na possibilidade de utilização de exemplos bem sucedidos de outras localidades, de modo a pressionar alterações no comportamento de seu próprio governo.

Enquanto, a terceira forma de resposta – a combinação entre os dois mecanismos explicitados acima - é obtida, segundo Dye (In: ABRUCIO, 2000, p.53), em cenários onde a distribuição bem sucedida da informação em um ambiente competitivo induz a “(...)

combinação entre exit (vocalização econômica do cidadão-consumidor) e voice (vocalização política do cidadão-eleitor), reforçando o poder dos cidadãos em relação aos seus governos”.

O funcionamento do modelo competitivo, de forma satisfatória, tem por condição necessária a independência das esferas subnacionais da União, tanto em termos políticos quanto financeiros. O impedimento do estabelecimento de relações predatórias entre as esferas governamentais se faz imperioso, em virtude deste ser incompatível com as premissas do modelo competitivo proposto por Dye, segundo os argumentos de Abrucio (2000).

Estas relações predatórias são testemunhadas no Brasil, por meio da atuação dos governos subnacionais de modo independente, às custas do repasse de seus problemas ao Governo Federal. Neste sentido, tem-se uma situação de parasitismo, que pode apresentar-

33

A existência da assimetria de informações coloca em xeque uma das premissas básicas do modelo de concorrência pura, preconizada pela teoria econômica ortodoxa: a informação completa.

34

Hirschman (1973, p.25) destaca que dentro desta categorização de opções de resposta, tem-se uma “outra

se tanto sob a forma cooperativa, quanto competitiva. Na primeira, são observadas situações em que os entes subnacionais recebem recursos em troca de acordos com os interesses da União, sem que para isto tenha que se responsabilizar pelo pagamento de suas contas. Enquanto, na outra forma são vislumbrados tanto os estados quanto os municípios competindo entre si, transferindo os custos desta disputa para o Governo Central e para os contribuintes, por meio dos impostos, acarretando tensões intergovernamentais.