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Implicações educacionais: compreender e aprender

3.2 O CENÁRIO DA EPISTEMOLOGIA GENÉTICA

3.2.1 Implicações educacionais: compreender e aprender

Piaget (1976) mostra como o ser humano se desenvolve cognitivamente, e nesse processo, o aprender é o foco central e não se encerra na sua formação escolar ou acadêmica, pois vai além: "O ideal da educação é, antes de tudo, aprender a aprender; é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver depois da escola." (PIAGET, 1973b, p. 32).

Essa perspectiva de Piaget, de que a aprendizagem vai além dos muros formais institucionais, é reforçada pelo Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, coordenada por Jacques Delors, em 1999. Delors (1999) traz, em seu texto, as quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, vão se constituindo, denominadas pelo autor de os pilares do conhecimento. O Relatório referenciado identifica as aprendizagens que uma criança ou um cidadão necessita dar conta: aprender a ser, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a conhecer (DELORS, 1999).

Essas aprendizagens estão cada vez mais evidenciadas na cultura digital, na qual os sujeitos da pesquisa estão inseridos, e envoltos em um processo de aprendizagem, que se manifesta pelo aprender a aprender, por meio do novo elemento na sua sala de aula.

Esse elemento, o laptop educacional, tende a provocar, com sua mobilidade, um movimento na escola, como apreciado no Relatório Delors, não analisando o que a escola seria ou não capaz de fazer, mas o que precisa fazer, mesmo que, para isso, tenha que reformular-se profundamente. A análise do Relatório Delors (1999) vai ao encontro do discurso piagetiano, que já identificava o conflito entre a escola ativa, focada no sujeito, e a escola tradicional, que ainda pressupõe uma aprendizagem centrada na transmissão.

Em sua concepção, Piaget (1998) entende que para compreender é preciso criar os instrumentos que nos permitam compreender o mundo, isto é, estar no e com o mundo, inserido na cultura digital, favorecendo, assim, o processo dialético de

aprender e de conhecer. Nesse sentido, Piaget (1974) distingue o aprender do conhecer. Para o autor, o aprender equivale ao saber fazer com êxito, enquanto o conhecer é atribuir significado às ações ou a algo. Nessa perspectiva, o conhecer ultrapassa os limites do aprender quando a escola se torna espaço de reflexão e o professor encontra seu caminho no educar, pois, segundo Fagundes (2012), “educar é cuidar, não transmitir o que ele deve aprender. Cuidar para que o pensamento do aluno funcione, para que ele adore aprender.”

No processo de aprendizagem, o professor tem que desenvolver a capacidade de ensinar pela atividade do estudante, como também precisa entender que o estudante não age sobre um conteúdo qualquer, porque não consegue aprender esse conteúdo, muito menos transformar sua capacidade de aprendizagem, ampliando-a. Para que haja uma aprendizagem com sentido, precisamos de uma escola ativa que não só ajuda o aluno a aprender, mas a se desenvolver, isto é, a aumentar sua capacidade de aprender.

Sobre a aprendizagem possível de significação, encontramos, em Piaget (1974), dois tipos de aprendizagem: a scricto sensu (aprendizagem no sentido estrito) e a lato sensu (aprendizagem no sentido amplo). A primeira delas, a aprendizagem scricto sensu, é a mais conhecida, a do senso comum, e ocorre quando o sujeito diferencia as letras do alfabeto ou uma sequência numérica. A aprendizagem scricto sensu está ligada à aquisição de um conhecimento ou à ação sobre algo, é a aquisição imediata.

Já na aprendizagem de sentido amplo, na lato sensu, acontece a síntese das representações vivenciadas no sentido estrito e no sentido amplo, ocorrendo a união da aprendizagem do scricto sensu com o processo de equilibração. Portanto, essa é a aprendizagem que se dá quando o sujeito constrói conhecimentos novos e, por isso, gera o desenvolvimento das estruturas cognitivas.

Podemos evidenciar a aprendizagem lato sensu no momento em que, ao aprender a tabuada, o sujeito passa a aplicá-la na resolução de um problema. Se esse souber apenas repeti-la, podemos considerar que a aprendizagem aconteceu no scricto sensu, ou seja, uma aprendizagem frágil, que provavelmente desaparecerá rapidamente.

Logo, para Piaget (1974), o processo de aprendizagem deve estar vinculado ao processo de desenvolvimento ou aprendizagem no sentido amplo. Quando desvinculado dele, se resumirá em treinamento; isso representa que não há uma relação dialética entre aprendizagem e desenvolvimento. Aprender, no sentido restrito do termo, é, para Piaget, o fazer, enquanto que conhecer “[…] é compreender, é distinguir as relações necessárias das contingentes; atribuir significado às coisas no sentido amplo da palavra, ou seja, levando em conta não só o atual e explícito, como o passado, o possível e o implícito.” (PIAGET, 1974 apud CHIAROTTINO, 1984, p. 73).

Por essa razão, alguns professores e estudantes só sabem fazer enquanto estão continuamente fazendo, sem uma tomada de consciência sobre o que estão executando. Quando o exercício é interrompido, por exemplo, a aprendizagem é esquecida, confirmando, desta maneira, a diferença do aprender e do conhecer.

A aprendizagem scricto sensu se reduz à assimilação, enquanto a lato sensu é a assimilação subsidiada pela acomodação. Caso a acomodação não crie recursos novos, em termos de estruturas cognitivas, o sujeito não consegue aprender coisas complexas (BECKER, 2001, 2003).

Desse modo, educar para o compreender é educar para o conhecimento, implicando a construção da própria inteligência. Por isso, Rangel (1992) diz que o educar para compreender passa a ser um educar para o vir a ser, ou seja, educar para o conhecimento implica a própria construção da inteligência, privilegiando a ação reflexiva do sujeito com e no mundo. É a experiência do sujeito que, por meio das próprias ações, constrói seu conhecimento.

Nesse sentido, a aprendizagem geradora de conhecimento é a aprendizagem considerada relevante na teoria piagetiana. A aprendizagem, no sentido de conhecer, ocorre pelo entendimento da complexidade de determinada ação, encontrando, dessa forma, pontos de vista diferentes. É por meio desse confronto, além da necessidade de se fazer entender pelo outro, que o sujeito “dá-se” conta de sua argumentação, considerando os novos elementos para ser entendido pelo outro. O encontro com esse outro, por sua vez, se dá pela interação com os seus pares e o objeto que media a relação, no caso o laptop educacional, que impulsiona ou não a aprendizagem no sentido amplo. O objeto é aquilo tudo que o sujeito não é

(BECKER, 2003). Em outras palavras, a interação no sentido piagetiano significa a reciprocidade entre o sujeito e o meio, num processo em que o sujeito transforma o meio e o meio o transforma. Ocorre, aqui, que a transformação do objeto realiza-se na dimensão da assimilação, e a transformação do sujeito na dimensão da acomodação.

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