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Importância da biologia reprodutiva de espécies arbóreas como base conservacionista para o manejo florestal

I – FLORESTAS TROPICAIS, FRAGMENTAÇÃO DO HABITAT E BIOLOGIA REPRODUTIVA

4. Importância da biologia reprodutiva de espécies arbóreas como base conservacionista para o manejo florestal

Dentre os estudos de ecologia florestal, um dos aspectos mais importantes é o entendimento dos mecanismos de polinização e biologia floral. A complexidade dos processos reprodutivos das espécies arbóreas da floresta amazônica é ainda um vasto campo a ser explorado, devido em parte à dificuldade de se atingir o dossel, observando-se a altura das árvores nativas, que pode ultrapassar os 30m, bem como a própria densidade populacional das espécies e o difícil acesso aos locais de estudo (Prance, 1985).

Até o início da década de 70, acreditava-se que a maioria de espécies arbóreas das florestas tropicais, semelhantes às espécies das regiões temperadas, apresentava autocompatibilidade, devido principalmente à baixa densidade das árvores, ao padrão assincrônico de florescimento e a “restrita” mobilidade de seus agentes polinizadores (Corner, 1954; Federov 1966). Em um estudo pioneiro sobre o sistema reprodutivo de espécies arbóreas em floresta tropical na Estação Ecológica La Selva, Costa Rica em 1974, Bawa demonstrou que cerca de 76% das espécies apresentavam fecundação cruzada (alogamia) à luz dos estudos pioneiros de Ashton (1969), contestando cientificamente as idéias de Corner (1954) e Federov (1966). A partir daí, diversos estudos foram realizados corroborando esses resultados (Bawa et al., 1985; Bawa, 1990b, 1990b; Hopkins, 1984; Prance, 1985; Mori & Boeke, 1987).

Estudos de campo têm demonstrado que os processos reprodutivos das espécies arbóreas da Amazônia brasileira podem variar bastante quanto a presença de sistemas de incompatibilidade, ocorrência temporal dos eventos fenológicos em nível de populações, intra

e inter-especificamente, diversidade de agentes de polinização e estratégias para atração dos polinizadores (Hopkins, 1984, 1998; Mori & Boeke, 1987; Bittrich & Amaral, 1996; Prance & Mori, 1998; Gribel et al., 1999, 2002; Maués, 2001, 2004; Quesada et al., 2003). A fragmentação da floresta reduz o tamanho efetivo da população arbórea, diminuindo o número de indivíduos reprodutivos, e, conseqüentemente, o número de doadores de pólen e a quantidade de pólen depositada nas flores, podendo ser acompanhada por um decréscimo na população de polinizadores e formação de frutos (Bawa, 1990a; Aizen & Feisinger, 1994; Cascante, et al., 2002, Quesada et al., 2003), além de promover alterações na estrutura genética da população de árvores remanescentes (Loveless & Hamrick, 1984). Guariguata (1998) evidenciou que a produção de frutos e sementes é menor em florestas exploradas e que a remoção de indivíduos de uma determinada espécie pode aumentar o nível de endogamia nos indivíduos remanescentes, refletindo na produção e qualidade (viabilidade) das sementes e comprometendo a manutenção da capacidade reprodutiva das espécies exploradas.

O raio de dispersão de pólen e sementes nas populações arbóreas varia em função do agente polinizador ou dispersor. Abelhas da família Euglossinae podem percorrer até 23 km em vôo orientado (Janzen, 1971), por outro lado, abelhas nativas de pequeno porte, como os meliponíneos, têm um raio de ação muito menor, sendo de 1,5 e 1,2 km para as espécies Cephalotrigona capitata e Melipona panamica, respectivamente (Roubik & Aluja, 1983). O mesmo pode se dizer sobre a dispersão das sementes, que pode ocorrer em grandes distâncias quando levadas por pássaros, morcegos ou pela água, ou ser bastante restrita, quando o agente é a gravidade ou o vento (van der Pjil, 1982). A estrutura floral também é um fator limitante, visto que condiciona os polinizadores legítimos a serem compatíveis com o tamanho e disposição dos elementos florais. A coloração, o horário de abertura, os recursos ofertados (quantidade e qualidade) e a morfologia floral, são parâmetros que resultam nas síndromes de polinização, um conjunto de características que deve funcionar em perfeita harmonia e sincronismo, para se alcançar o sucesso reprodutivo (Proctor et al., 1996). A ruptura de um elo nesta complexa cadeia poderá afetar a reprodução de uma determinada espécie, com reflexos negativos na manutenção da estrutura das populações da floresta.

Dessa forma, para realizar o manejo florestal visando a sustentabilidade, é fundamental levar em consideração as informações relativas à biologia reprodutiva para garantir a reprodução e manutenção da diversidade genética das espécies nessas áreas manejadas. Além disso, uma estratégia adequada de manejo deveria levar em consideração também o modo pelo qual as populações de polinizadores seriam influenciadas pelas

modificações na freqüência e composição das espécies florestais, sabendo-se que nas florestas tropicais existem grupos de espécies que compartilham os mesmos vetores de polinização (Bawa, 1990a).

As espécies selecionadas para esse estudo fizeram parte do grupo de espécies prioritárias para o Projeto Dendrogene – Conservação Genética em Florestas Manejadas na Amazônia (http://www.cpatu.embrapa.br/dendro/index.htm). O projeto foi uma iniciativa da Embrapa Amazônia Oriental e diversos parceiros nacionais e internacionais, com suporte financeiro do Department for International Development (DFID), cujo objetivo principal foi avaliar os impactos da exploração madeireira na biodiversidade florestal, visando o uso sustentável da floresta. Dentre as atividades desenvolvidas pelo projeto, destacam-se as pesquisas ecológicas e genéticas antes e após a exploração madeireira de sete espécies arbóreas com importância ecológica e econômica na Amazônia, denominadas espécies- modelo, que representaram três grupos ecológicos (pioneiras, clímax de crescimento rápido ou demandantes de luz e clímax de crescimento lento ou tolerantes à sombra) e capresentaram diferentes características reprodutivas (sistemas de reprodução, polinização, incompatibilidade). Este projeto buscou desenvolver ferramentas para melhorar a conservação em florestas manejadas na Amazônia brasileira e assim contribuir para o desenvolvimento sustentável dos recursos naturais da região (Kanashiro et al., 2002). Após a geração das informações básicas, o projeto previu a aplicação dos resultados gerados em modelos de simulação genética, visando elucidar os processos e as conseqüências genéticas associadas a exploração e a fragmentação florestal, utilizando o programa ECO-GENE (Degen et al., 1996; Degen & Watson, 2004). A modelagem fundamentada na complexidade dos fatores ecológicos e genéticos possibilita a avaliação de cenários, com mudanças em variáveis, relacionadas à exploração nos planos de manejo (Silva, 2005), permitindo a geração de critérios que sejam incorporados em programas computacionais de apoio à decisão de manejo florestal, como o software Trema, que foi desenvolvido para ser uma ferramenta de uso nas operações relativas ao inventário florestal e planejamento da exploração.

Dentro do contexto do Projeto Dendrogene, o objetivo principal desse estudo foi gerar conhecimento sobre os processos reprodutivos de cinco espécies arbóreas amazônicas de importância madeireira, com características distintas quanto aos sistemas de polinização, buscando identificar pontos vulneráveis nos processos reprodutivos às intervenções florestais da exploração de impacto reduzido (EIR), na Floresta Nacional do Tapajós, oeste da Amazônia. Para isso, foi feita a caracterização da biologia reprodutiva das seguintes espécies:

Bagassa guianensis Aubl. Moraceae, Carapa guianensis Aubl. Meliaceae, Dipteryx odorata (Aubl.) Willd. Leguminosae – Papilionoidae, Jacaranda copaia (Aubl.) D. Don Bignoniaceae e Symphonia globulifera L.f. Clusiaceae, bem como a estimativa do efeito da EIR no fluxo de pólen e na freqüência e composição das guildas de polinizadores. O trabalho finaliza com uma discussão acerca das conseqüências da exploração madeireira sobre os processos reprodutivos de espécies arbóreas de valor econômico na Amazônia.