• Nenhum resultado encontrado

Assim, na qualidade de elemento do desenvolvimento humano, a sexualidade está sujeita à educação, e, uma vez que está presente desde a infância, justifica sua abordagem já a partir da educação infantil.

A educação sexual pode propiciar segurança às crianças, dirimindo-lhes dúvidas acerca de aspectos que despertam sua curiosidade, mas lhes são confusos. Pode ainda orientá-las quanto aos seus atos relacionados à sexualidade, assim como promover o cuidado e o amor ao próprio corpo.

O desenvolvimento da sexualidade humana é algo espontâneo desde as primeiras experiências afetivas do bebê com a mãe e perpassa por todas as fases até a vida adulta. No entanto, por vivermos em uma sociedade preconceituosa e discriminatória, em que a temática da sexualidade infantil é pouco abordada, a criança fica privada dos seus direitos. Quanto mais resolvida estiver a criança em relação à sua sexualidade, menos vulnerável ela estará com relação a problemas ligados à sexualidade e a crimes sexuais. Ficará, portanto, menos propícia a traumas psicológicos e práticas de sexo inseguro na idade adulta.

Conforme Silvares (2002) alerta, certos comportamentos ± manifestações da sexualidade ± são verificados principalmente em crianças de 3 a 5 anos e exigem a

atenção adequada dos adultos. Alguns desses comportamentos podem chocar os adultos, com tirar a roupa em público, estimular-se sexualmente por prazer, usar termos demasiadamente vulgares para nomear as partes do corpo, ainda que saiba os nomes aceitáveis, fazer brincadeiras sexuais com amigos de sala de aula e introduzir objetos nos orifícios do corpo.

Daí a importância da educação sexual desde a primeira infância. No entanto, devido à complexidade do meio familiar, ao silenciamento da legislação e à fragilidade das políticas públicas a esse respeito, torna-se difícil aos educadores tratarem do tema. O silenciamento da legislação é evidente quando se trata da legislação a que caberia contemplar a educação sexual infantil. Isso porque a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), por exemplo, nem a mencionam. Por sua vez, a fragilidade das políticas públicas de educação se traduz, conforme conclui Silveira (2010), pela quase inexistência de programas de formação docente voltados para a educação sexual infantil.

Além disso, de acordo com Silveira (2010), os documentos oficiais orientadores especificamente dessa etapa da educação básica precisam respeitar o direito que a criança tem de ser um sujeito de sexualidade. Isso porque no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), elaborado pelo Ministério da Educação (MEC), a sexualidade infantil era tratada de maneira superficial e nada propositiva. Por sua vez, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), instituídas pela Câmara de Educação Básica &(% GR&RQVHOKR1DFLRQDOGH(GXFDomR &1( RWHUPRµVH[XDOLGDGH¶FLWDGRHP apenas uma das quatro diretrizes na versão de 1998, foi suprimido na versão de 1999.

Discutir os reais motivos desses entraves é necessário para que ações sejam elaboradas com vistas ao pleno desenvolvimento das crianças, como preceitua o Estatuto da Criança e do $GROHVFHQWH   DR H[SOLFLWDU HP VHX DUW  TXH ³D criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa >@´ 2UD VH p SOHQR GHVHQYROYLPHQWR FRUUHVSRQGH LQFOXVLYH j dimensão da sexualidade. Afinal, segundo Freud, a sexualidade é inerente à natureza humana. Logo, deve-se contemplá-la no processo educativo.

Aliás, Carvalho e Guizzo (2016) apontam como fundamental que as temáticas de gênero e sexualidade ganhem espaço nos programas de formação inicial e

continuada dos educadores. Além disso, é necessário que as políticas curriculares voltadas para a Educação Infantil fomentem discussões no âmbito escolar, abrindo espaço para busca da promoção de uma educação mais natural e autônoma e que aborde todos os aspectos da sexualidade, inclusive que o aspecto sexual não se restringe aos órgãos genitais e ao prazer que estes proporcionam:

A principal fonte de prazer sexual infantil é a excitação apropriada de determinadas partes do corpo particularmente excitáveis, além dos órgãos genitais, como sejam os orifícios da boca, ânus e uretra e também a pele e outras superfícies sensoriais. (FREUD, 1989a, p. 41).

Chauí (1984) retrata que:

A sexualidade não se reduz aos órgãos genitais, porque qualquer região do corpo é susceptível de prazer sexual, desde que tenha sido investida de erotismo na vida de alguém, e porque a satisfação sexual pode ser alcançada sem a união genital. (CHAUÍ, 1984, p. 17).

Dessa forma, a sexualidade corresponde a diversas dimensões na vida do ser humano:

Esse conceito envolve dimensões além dos limites biológicos, incluindo o relacionamento, o erotismo, a fantasia, o prazer e também as questões ligadas à cultura, aos aspectos psicossociais, à religião, à simbolização, aos interditos e a própria construção do ser humano. A sexualidade está no corpo, no sentimento, no pensamento, nas formas de comunicação, na energia que alimenta e sustenta, os movimentos e atividades destinadas a algo e não restrita à genitalidade. (SIQUEIRA; TRABUCO, 2013, p. 299).

Figueiró (2009) entende que é importante distinguir sexo de sexualidade. Para isso apresenta de forma sucinta uma distinção entre ambos:

Inicialmente, é preciso que tenhamos clareza sobre o significado do sexo e da sexualidade. O primeiro está relacionado diretamente ao ato sexual e à satisfação da necessidade biológica de obter prazer sexual, necessidade essa que todo ser humano, seja normal ou com necessidades educacionais especiais, traz consigo desde que nasce. Sexualidade, por sua vez, inclui o sexo, a afetividade, o carinho, o prazer, o amor ou o sentimento mútuo de bem querer, os gestos, a comunicação, o toque e a intimidade. Inclui, também, os valores e as normas morais que cada cultura elabora sobre o comportamento sexual. Apesar da abrangência maior da sexualidade, merecem ser devidamente considerados, o papel e o valor do sexo; para isso, recorro a MaFKDGR  TXHRGHILQHFRPR³um modo de as pessoas se encontrarem e fazerem deste encontro um momento muito agradável e prazeroso, cheio de atos carinhosos e tornando as pessoas muito íntimas e OLJDGDVHQWUHVL´ ),*8(,5ÏS-144).

Dessa forma, podemos compreender que a sexualidade exige uma compreensão do corpo na sua totalidade. Assim como a educação sexual deve abranger todos os elementos da sexualidade, não se restringir meramente ao sexo.

Para Nunes e Silva (2009), não se pode excluir a sexualidade da escola, nem basta que o professor queira e tenha boas intenções com relação à educação sexual infantil. São necessários conhecimento e abordagem adequados, que rompam com R SUHFRQFHLWR H D QHJDomR GD VH[XDOLGDGH D ILP GH SURPRYHU D ³GLJQLILFDomR GR corpo e suas múltiplas formas de doação, plenitude, encontro, conquistas e H[SURSULDo}HV´ 181(66,/9$S 

Esses autores esclarecem, ainda, que dentre as questões pertinentes à Educação Infantil, está a questão do beijo e do namoro. Para ele o beijo é visto na VRFLHGDGH FRPR DOJR UHODFLRQDGR DR DWR VH[XDO FRQFHSomR ³FRSLDGD´ GDV PtGLDV No entanto, cabe à escola mostrar que o beijo significa um ato de carinho e afeto. Por sua vez, o namoro recebe das mídias a influência da ideia de que a beleza e a popularidade devem guiar as escolhas.

Nesse sentido, os autores defendem que pais e educadores devem aproveitar as relações e jogos emocionais para crianças de cinco e seis anos com o propósito de promover o equilíbrio valorativo entre meninos e meninas. Para os autores, esse WLSR GH HGXFDomR ³>@ VROLGLILFD D DXWRHVWLPD FRQVROLGD LGHQWLGDGHV SHVVRDLV H prepara para o exigente joJRGDDIHWLYLGDGHKXPDQDVHPSUHH[XEHUDQWH´ 181(6 SILVA, 2006, p. 80).

Em síntese, Aboim (2016) destaca dois processos históricos, aos quais considera fundamentais para uma melhor compreensão da sexualidade atualmente:

O primeiro diz respeito à transformação da sexualidade em domínio do saber médico e científico, movimento que a retirou da alçada quase exclusiva da moral religiosa, alterando a ancestral visão do sexo como ³SHFDGR´2VHJXQGRSURFHVVRUHVSHLWDjFRQVWUXomRGDVH[XDOLGDGHFRPR fenômeno não estritamente biológico e regulado pelos imperativos da reprodução humana, mas como objeto social. Quer dizer, como prática e pulsão construídas socialmente, de forma mutável, ao longo da História. Noções como as de pecado, desejo, normalidade e desvio, certo e errado, entre outras tantas, dependem assim não apenas da biologia dos corpos e do caráter sexuado da reprodução humana, mas sobretudo dos contextos históricos em que foram produzidas, em face das normas sociais que, em tempos diferentes foram definidas pelas instituições, interpretadas pelas pessoas e vividas depois nas suas práticas, desejos e identidades sexuais. (ABOIM, 2016, p. 8).

Nesse sentido, a autora busca esclarecer, entre outros aspectos, que os valores e noções acerca da sexualidade são construídos socialmente e, portanto,

podem se modificar. Para a autora, o caráter complexo da sexualidade não autoriza que ela se limite a apenas um aspecto: seja da biologia dos corpos, da reprodução humana, do âmbito moral religioso ou mesmo dos desejos e prazeres.

Sob essa lógica, portanto, a visão propagada pelas instituições tem a força para orientar as práticas e os valores acerca da Sexualidade. Seja para produzir repressão e desigualdade; seja para produzir emancipação e igualdade. É fundamentada na emancipação e, consequentemente, na igualdade que Figueiró (2009) situa a educação sexual:

[...] o ensino da sexualidade deve sempre abranger o respeito à diversidade, isto é, o respeito às pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), às prostitutas e às pessoas portadoras do vírus da AIDS. Assim, o trabalho em Educação Sexual abre-nos para repensar nossas atitudes em relação às pessoas que fazem parte das minorias, entre elas, a composta também por portadores de necessidades especiais. (FIGUEIRÓ, 2009, p. 143).

Portanto, Figueiró (2009) identifica no respeito e na inclusão social elementos fundamentais do processo para a emancipação e a igualdade. Além disso, o autor compreende que a educação sexual deve se propor a conscientizar a sociedade acerca de sua responsabilidade com os injustiçados, marginalizados, excluídos, rotulados.