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A importância da Espanha

CAPITULO I OS ANJOS MUSICOS EM DEPÓSITO NA CASA-MUSEU

3. A importância da Espanha

O facto de Espanha ter sido desde cedo um país tão receptivo a estas novidades e constituir um destino de eleição para muitos artistas, não é alheio ao desenvolvimento que Portugal teve nestes campos. Somos países vizinhos, as distâncias são relativamente curtas e o mercado da arte português, de tão pouco desenvolvido, tornou-se um forte atractivo para os artistas que se encontravam a trabalhar e a “disputar” trabalhos do outro lado da fronteira.

Em Espanha a importação de obras e artistas começou, se não muito mais cedo, pelo menos com mais intensidade. As razões que levaram a isto foram praticamente as mesmas que já referimos para o caso português e que podem, de resto, ser aplicadas um pouco por todos os territórios onde este fenómeno se verificou. Mais uma vez a corte, a Igreja, as famílias nobres e os ricos mercadores e comerciantes que mantinham relações com os portos do Norte, são os principais responsáveis pela disseminação da estética flamenga e alemã. Para darem como oferta a alguma instituição religiosa ou para nobilitarem as suas capelas funerárias, os produtos daquelas regiões eram cada vez mais procurados e o gosto foi-se enraizando de uma forma tão profunda que por toda a Espanha é possível encontrar algum exemplar da estética do Norte da Europa.

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MARTINS, Francisco Ernesto de Oliveira – “Escultura flamenga na Ilha dos Açores”. In O Brlho do

Norte – Escultura e Escultores do Norte da Europa em Portugal. Época Manuelina. Lisboa: Comissão

Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997, p. 147.

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IDEM, ibidem, p. 145.

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A corte espanhola, primeiro com Enrique IV e depois com os Reis Católicos foi fundamental neste processo já que ambos se revelaram bastante apreciadores dos produtos flamengos. Tendo o poder económico suficiente para contratarem os melhores artistas, fizeram do seu território um dos mais ricos em arte dos finais do século XV e inícios do XVI, fruto da sua curiosidade pelo trabalho destes artistas que consigo traziam a novidade, procurada também por grande parte das cidades mais ricas ou mais importantes que quiseram participar deste fenómeno, ao mesmo tempo símbolo de poder económico e de alguma erudição.

A Espanha, tal como a Portugal chegaram vários tipos de objectos, desde as tapeçarias aos retábulos, estes últimos gozando de um grande desenvolvimento que tiveram ao longo do século XV, “por su carácter ilustrativo y pedagógico, un instrumento de estimulación religiosa-devocional”76.

Bruxelas e Anvers tinham os ateliers mais activos e importantes na produção de retábulos mas a competitividade crescia com o trabalho dos ateliers de Bruges, Malines e Utrecht que, embora menos especializados nesta categoria não deixavam de ter qualidade. Desta concorrência nasceu a necessidade de cada cidade, ou até mesmo cada oficina, dar um cunho próprio às peças por elas produzidas. Se estilisticamente não era possível distingui-las com a devida segurança, passa-se a gravar na madeira um símbolo que acaba por ter duas finalidades – ao mesmo tempo que indica a procedência da peça, atesta a qualidade da madeira.

Ainda assim, apesar de todos estes cuidados que havia em identificar as obras, muitas delas permanecem sem identificação e nestes casos apenas é possível tentar uma aproximação recorrendo a métodos de comparação com outras obras identificadas e nunca se deve esquecer que mais uma vez aquilo a que se chama de flamengo nem sempre tem de o ser. Também os artistas espanhóis, naturalmente contactando com os muitos estrangeiros que por ali passaram, deixaram-se imbuir pelas mais fortes características e acabaram por dar às suas obras um carácter nórdico que levam a integrá-las no grupo generalista de obras flamengas.

A maior concentração de obras importadas no território espanhol encontra-se ainda hoje na zona que corresponde ao antigo reino de Castela, o que nos interessa particularmente tendo em conta a proximidade ao nosso território. É nesta região que se encontra a

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GÓMES BARCENA, María Jesús – “Arte y devoción en las obras importadas. Los retablos “flamencos” esculpidos tardogóticos: estado de la cuestión” In Anales de Historia del Arte, nº 14, Madrid: Universidad Complutense, 2004, p. 35.

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cidade de Burgos, que devido ao comércio da lã se tornou numa das mais importantes cidades da época. Muitas destas famílias de comerciantes, além dos contactos comerciais, possuíam casas em Bruges e Anvers, tudo isto contribuindo para fomentar o conhecimento da cultura flamenga e para facilitar a aquisição de obras de arte. E se o desenvolvimento do fenómeno da importação de obras e artistas é semelhante nos dois países, no que respeita às obras encontradas

em cada um deles, a situação é já muito diferente. Apesar de em Portugal existirem algumas peças de assinalável valor como o retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra e os cadeirais de Santa Cruz de Coimbra, de Tomar e da Sé do Funchal, em Espanha as obras de grande escala eram uma constante. Vimos pelos retábulos que apresentamos quando falamos de Mestre Olivier de Gand que as grandes catedrais espanholas foram dotadas de

obras monumentais, o que não é mais que um reflexo do enorme poderio económico que detinham. Mesmo aqueles que em escala são mais pequenos, caracterizam-se por um aglomerado de personagens tão grande que não deixa dúvidas quanto à sua complexidade técnica e consequentemente quanto à qualidade do mestre contratado para o efeito, como é exemplo o retábulo de Retábulo da Paixão de San Antonio el Real, em Segovia.

Mas nem só das relações com os antigos países baixos se faz a história da arte daquela época. A Espanha também chegaram artistas vindos de França e da Alemanha que ofereciam outras visões e enriqueciam o panorama artístico. Em Portugal passava-se o mesmo. Também por aqui passaram artistas alemães, franceses e até italianos. Fernando Grilo fala de um “fenómeno ibérico”77, já que as circunstâncias de um e outro país são praticamente as mesmas. O gosto pelas coisas da flandres, a grande encomenda de retábulos, a importação de obras e artistas estrangeiros, tudo isto se passou em ambos os países.

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GRILO, Fernando – “A escultura em madeira de influência flamenga em Portugal. Artista e obras”. In

O Brilho do Norte, Escultura e Escultores do Norte da Europa em Portugal. Época Manuelina. Lisboa:

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Relativamente aos artistas e às suas propostas não terão todos atingido o mesmo nível de apreciação, visto que a arte flamenga e até alemã foram durante décadas as preferidas dos encomendadores, por tudo o que já apontamos.