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Impossibilidade de consulta ou de qualquer modalidade de intervenção de terceiros interessados

PUBLICAÇÃO , PAÍS DA INSTITUIÇÃO À

3. A PRÁTICA DA TRANSPARÊNCIA

3.4. Impossibilidade de consulta ou de qualquer modalidade de intervenção de terceiros interessados

Outra justificativa utilizada com frequência pelo setor nuclear para denegação dos pedidos de acesso consistiu na possibilidade de comprometimento do direito de terceiros ao sigilo de suas informações, como ocorre, por exemplo, nas alegações de sigilo industrial de empresa fiscalizada pelo órgão que recebeu o pedido. Ocorre que os referidos terceiros não foram intimados a qualquer intervenção no processo, nem sequer consultados. A rejeição do pedido, portanto, baseou-se em mera hipótese. Diante, todavia, da omissão da LAI e de seu decreto regulamentador em relação à possibilidade de intervenção ou de consulta a terceiros juridicamente interessados logo na primeira instância, os pedidos foram simplesmente negados e tiveram de ser refeitos a quem supostamente a manutenção do sigilo interessaria. 187 Isso, apesar de ter economizado o tempo do órgão originalmente requerido, ao final representou maior consumo de tempo e recursos, tanto para o solicitante quanto para a própria Administração, se vista globalmente. A ampliação dos sujeitos envolvidos no contraditório, fortalecendo a legitimidade da decisão e aumentando a utilidade do exercício do poder estatal, não seria senão uma prática de aperfeiçoamento dos atos do Estado, em benefício inclusive deste próprio.

Nesse sentido, a omissão do sistema brasileiro de acesso quanto à manifestação de outras pessoas interessadas no deslinde do pedido contraria um dos princípios do Global Right to Information Rating, segundo o qual o texto legal, entre outras exigências, deve prever procedimentos de consulta a terceiros: “Indicator 33: Clear and appropriate procedures are in place for consulting with third parties who provided information which is the subject of a request on a confidential basis. […]” (grifo meu).188 Na União Europeia, para ilustrar, o Regulamento 1049 / 2001 prevê expressamente a possibilidade de consulta a terceiros: “article 4(4). As regards third-party documents, the institution shall consult the third party

"Interesse, em direito, é utilidade. Há dois fatores sistemáticos muito úteis para a aferição do interesse de

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agir, como indicadores de sua presença em casos concretos: a necessidade da realização do processo e a adequa-

ção do provimento jurisdicional postulado". (DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Car-

rilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2016, p. 117) RTI. http://www.rti-rating.org/country-data/by-indicator/. Acesso em 01 mar. 2018.

with a view to assessing whether an exception in paragraph 1 or 2 is applicable, unless it is clear that the document shall or shall not be disclosed”. A legislação indiana (The Right to Information Act, de 2005), por sua vez, vai além da europeia e estabelece a possibilidade de verdadeira intervenção de terceiros:

11: "Where a Central Public Information Officer or a State Public Information Officer, as the case may be, intends to disclose any information or record, or part thereof on a request made under this Act, which relates to or has been supplied by a third party and has been treated as confidential by that third party, the Central Public Information Officer or State Public Information Officer, as the case may be, shall, within five days from the receipt of the request, give a written notice to such third party of the request and of the fact that the Central Public Information Officer or State Public Information Officer, as the case may be, intends to disclose the information or record, or part thereof, and invite the third party to make a submission in writing or orally, regarding whether the information should be disclosed, and such submission of the third party shall be kept in view while taking a decision about disclosure of information: Provided that except in the case of trade or commercial secrets protected by law, disclosure may be allowed if the public interest in disclosure outweighs in importance any possible harm or injury to the interests of such third party.

(2) Where a notice is served by the Central Public Information Officer or State Public Information Officer, as the case may be, under sub-section (1) to a third party in respect of any information or record or part thereof, the third party shall, within ten days from the date of receipt of such notice, be given the opportunity to make representation against the proposed disclosure.

(3) Notwithstanding anything contained in section 7, the Central Public Information Officer or State Public Information Officer, as the case may be, shall, within forty days after receipt of the request under section 6, if the third party has been given an opportunity to make representation under sub- section (2), make a decision as to whether or not to disclose the information or record or part thereof and give in writing the notice of his decision to the third party.

(4) A notice given under sub-section (3) shall include a statement that the third party to whom the notice is given is entitled to prefer an appeal under section 19 against the decision.” (grifo meu)

Nesse cenário, dois casos da minha experiência com o setor nuclear são ilustrativos. No pedido de acesso a documentos mencionados pelo Estudo de Impacto Ambiental de Angra 3 (exposições de motivos do Ministério da Infra-Estrutura e interministerial), feito à Eletrobrás Termonuclear S.A., o acesso aos documentos pedidos foi negado, sob o argumento de que aqueles teriam sido mencionados no EIA/RIMA por terceira empresa, não estando

presentes no arquivo da Eletronuclear. No caso do pedido de acesso a nota técnica ao 189 Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestao (MP), por sua vez, a Administração não autorizou o acesso ao fundamento de que este poderia violar segredos industriais da INB:

[...] a documentação requerida apresenta informações obtidas [...] tão somente em razão das atividades de supervisão que desempenha. Tais informações possuem natureza empresarial e, portanto, podem eventualmente representar vantagem competitiva a outros agentes econômicos. Nesse sentido, registramos que convém à própria empresa a avaliação de eventual risco empresarial tendo em vista que ela possui condições reais para analisar o cenário competitivo em que está inserida. 190

Em nenhuma das situações, entretanto, as empresas mencionadas foram intimadas a intervir ou mesmo consultadas, para opinarem sobre a possibilidade ou não de divulgação das informações solicitadas. Desse modo, conforme atestaram os casos, apenas quando o pedido chega à CGU é que todos os sujeitos interessados são necessariamente consultados. Mesmo assim, as intimações da CGU são respaldadas pela Lei no 9.784/99 (art. 29 e 39) — que regulamenta o processo administrativo no âmbito federal —, e não pela LAI:

Art. 39. Quando for necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos interessados ou terceiros, serão expedidas intimações para esse fim, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento.
 Parágrafo único. Não sendo atendida a intimação, poderá o órgão competente, se entender relevante a matéria, suprir de ofício a omissão, não se eximindo de proferir a decisão.

A omissão da LAI e do Dec. 7.724 a respeito da possibilidade de consulta e de intervenção de terceiros, portanto, representa verdadeira amarra processual, que incide diretamente sobre a eficiência administrativa. Ora, se determinado documento poderia ter sido concedido logo na primeira manifestação decisória da Administração, mas só o foi em sede de recurso à CGU, o tempo e os recursos consumidos com esse alongamento do processo não representam senão uma importante ineficiência do sistema. No mais, a falta de sistematização

Pedido n. 99908000619201633 / Eletronuclear, aberto em 16/10/2016. A resposta, porém, foi dada, por enga

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no, no processo do Pedido n. 99908000626201635.

Pedido n. 03950000194201759 / MP, aberto em 20/01/2017.

normativa a respeito de eventuais intervenções -- não reguladas, mas também não proibidas -- pode comprometer a uniformidade desejada às manifestações dos órgãos e entidades vinculados à Administração Pública, que podem consultar ou deixar de consultar terceiros interessados conforme julgar conveniente. A ineficiência agrava-se, ainda, quando ocorrem os re-encaminhamentos, como verificado especialmente nos pedidos sobre a questão da eventual criação de uma agência reguladora para o setor nuclear brasileiro. É o que se descreverá a seguir.