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Imprensa feminina e o contexto histórico da década de 50

1.1 O que era a Marmota

1.2.1 Imprensa feminina e o contexto histórico da década de 50

O fato é que a Marmota chega hoje ao seu – décimo aniversário – sem inimigos, sem antagonistas, sem desafeiçoados, ao que nos parece, porque ela é de uma excentricidade tal, que não prejudica os interesses de ninguém, e vive como pode sem ofender a gregos nem troianos.

[...]

Brilhantes quadras têm a Marmota contado em sua vida de – dez anos. – Poucas são as penas notáveis do país, que já não tenham abrilhantado suas colunas com artigos mais ou menos importantes: ela sabe o que dela tem se exigido, os serviços que direta e indiretamente tem prestado. Boa para todos, dócil e condescende, respeitadora sempre do mérito, apologista do talento, inimiga da – ciência engarrafada – a Marmota não tem cedido, nem cederá jamais a aquilo que ela entender que é – uma imposição.

[...]

Aqueles, portanto, que por seu bom gênio benfazejo e decidida predileção por nós, e pela nossa folha, entendendo que nos deve ser úteis, não pelo que lhes temos feito pessoalmente, mas pelos serviços que temos prestado ao país e

poderemos ainda prestar, a Marmota vá além dos seus – dez anos – mais por nós, talvez, do que por ela mesmo, a esses é que os apaixonados de uma folha que é essencialmente voltada – ao BELLO SEXO – tem de agradecer a sua continuação.82

O trecho transcrito acima é de um artigo publicado na Marmota e escrito por Francisco de Paula Brito em comemoração ao décimo aniversário da folha. Nos parágrafos destacados, é possível apontar as razões elencadas pelo autor para a longevidade da Marmota, como seu aspecto cordial, que a todos agradava. Além disso, Paula Brito também reforçou a imagem de uma publicação fundamentalmente voltada para o público feminino – na passagem representada pelo termo bello sexo.

No dia 07 de setembro de 1849, o jornal saiu dos prelos da tipografia de Paula Brito pela primeira vez. Nesses tempos, quem o redigia era o baiano Próspero Ribeiro Diniz que, recém-chegado ao Rio de Janeiro, se mostrava entusiasmado com a redação da folha, então com outro título – A Marmota na Corte. Nas palavras do próprio: “O nosso plano é reformar abusos, recrear leitores, e ganhar a estimação das simpáticas meninas que honrarem a Marmota com as suas mãozinhas macias e acetinadas.”83

A citação do parágrafo acima foi publicada dez anos antes da transcrição que abre o subcapítulo e, apesar de muitas mudanças– redação, formato, título, preço – terem afetado o periódico, ele permaneceu fiel ao seu principal público leitor– as mulheres. Outra característica que se destaca no jornal, foi a capacidade de manter-se em circulação por um longo período, o que era um traço incomum nos jornais que se dedicavam ao bello sexo e tinham como objetivo as modas e variedades.84 Haja vista que periódicos que resistiram por muitos anos em circulação eram, usualmente, aqueles que se destinavam às abordagens noticiosas, a exemplo do Diário do Rio de Janeiro e do Jornal do Comércio.

Destacamos que no período em que a Marmota começou a sair dos prelos da tipografia de Francisco de Paula Brito publicar jornais voltados para o público feminino não era mais novidade. Uma série de periódicos já haviam realizado esse feito, inclusive em outras províncias, como é o caso da província de Minas Gerais, onde foi publicado, ainda na década de 1820, O Espelho Diamantino.85 Frisamos ainda que Paula Brito havia sido editor de outra

82A Marmota, Rio de Janeiro, ed1089, 09 de setembro de 1859. Todas transcrições feitas neste trabalho tiveram sua ortografia atualizada, para que não interferisse no sentido das frases.

83 A Marmota na Corte, Rio de Janeiro, ed01, 07 de setembro de 1849.

84Rodrigo Godoi, em sua tese, destaca esse feito. GODOI, Rodrigo Camargo. Um Editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861). São Paulo: Edusp, 2016.

85 Para saber mais sobre os primeiros periódicos voltados para o público feminino ver: GOMES, Gisele Ambrósio.

Entre o público e o privado: a construção do feminino no Brasil do Oitocentos, 1827-2846. Dissertação em história

folha que também era destinada às mulheres, A Mulher do Simplício ou A Fluminense Exaltada, jornal que circulou na Corte entre 1832-1846, sendo impressos 83 números ao longo desses anos,86 de acordo com Bruno Martins “nesse “não-periódico”, Paula Brito travestia sua pena com uma faceta voz feminina, assinando anonimamente como “a redatora” artigos e charadas na forma de versos.”87

Entretanto, a década de 1850 foi marcada por uma novidade no que se refere a imprensa feminina. Em 1852 foi lançado o primeiro jornal feito por e para as mulheres, o Jornal das Senhoras. Tal periódico foi pioneiro e contou com uma série de redatoras ao longo dos três anos em que esteve em circulação: Joana Paula Manso de Noronha, Violante Atabalipa Ximenes Bivar e Vellasco e Gervásia Nunezia Pires dos Santos Neves.88 A folha custava cerca de 160 réis, saia aos domingos e era composto por 08 páginas, de acordo com Duarte: “O Jornal das Senhoras assumiu um discurso emancipacionista, incentivando as mulheres a buscarem instrução e se conscientizarem do seu valor.”89

Outro jornal que circulou na década de 1850 foi o Periódico dos Pobres, editado e redigido por Antônio Maximiliano Morando. Muitos artigos que saíam nesta folha haviam sido retirados da Marmota e, por isso, eram similares no formato e nos princípios apresentados. Ainda, ambos jornais eram editados e redigidos por homens, mas, com diversos artigos dedicados às mulheres, concediam espaço para a escrita do bello sexo e disseminavam conteúdos quanto ao comportamento ideal feminino. O periódico circulou no Rio de Janeiro entre 1850 a 1856 e tinha um valor inferior ao da Marmota, seu preço avulso variou de quarenta a oitenta réis durante os anos em que foi publicado.

Nesse sentido, a década de 1850 teve uma guinada quanto a imprensa feminina e a Marmota faz parte desse contexto. Foi-se necessário recordamos outros jornais que estavam surgindo nas circunstâncias dos anos 1850 para compreendermos que a Marmota, ao conceber um espaço, mesmo que pequeno, para a escrita das mulheres, não estava sendo pioneira e sim

86DUARTE, Constância Lima. Imprensa feminina e feminista no Brasil: Século XIX: dicionário ilustrado. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. P. 61.

87MARTINS, Bruno Guimarães. Da política das letras à lógica das petas: Francisco de Paula Brito e a imprensa oitocentista. 2 XI Encontro Nacional de História da Mídia - ALCAR 2017017. (Encontro). P. 05.

88Sobre o Jornal das Senhoras ver mais em: RODRIGUES, Dayanny. Escritos de e para Mulheres no século XIX: O conceito e emancipação e a representação feminina no Jornal das Senhoras. Revista Outras Fronteiras, Cuiabá, vol.4, n.1, jan/jul, 2017. Lima, Joelma Varão. O Jornal das Senhoras, a pedagogical project: women, maternity, education and body (Rio de Janeiro, second half of the 19th Century). 2012. 191 f. Tese (Doutorado em História) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. SILVA, Aguimario Pimentel. Entre a paráfrase

e a polissemia: o discurso da educação feminina no Jornal das Senhoras (1852-1855). Dissertação (Pós-Graduação

em Comunicação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2016.

89DUARTE, Constância L. Imprensa feminina e feminista no Brasil século XIX. 1.ed. dicionário ilustrado. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016. P. 118.

seguindo as condições proporcionadas pela conjuntura política, social e cultural do período. Robert Darnton em seu livro clássico O beijo de Lamourrete, ponteia sobre a necessidade de se compreender as conjunturas, para o autor os fatos não falam por si só, eles são significados modulados pelo contexto.90

Ainda, no que tange aos conceitos relacionados a condições refletidas ao universo feminino, a década de 1850 teve uma importância significativa. Segundo June Hahner:

Mudanças de toda sorte surgiram mais rapidamente na segunda metade do século, incluindo aquelas que afetariam a vida das mulheres da classe superior urbana e trariam mais oportunidades para que mulheres menos excepcionais que Nísia Floresta também expandissem seus horizontes. Os avanços tecnológicos exportados para o Brasil assim como para muitos outros países... Mais do que outras cidades brasileiras, o Rio de Janeiro serviu como centro para as primeiras manifestações dos sentimentos feministas91 entre algumas mulheres cultas das classes média e superior.92